246. A arte de convencer as massas
Jober Rocha*
Desde o tempo de Marcus Tulius Cicero (106-43 a.C.), advogado, político, escritor, orador e filósofo da antiga República Romana, os expertos (especialistas) e os espertos (sagazes) na arte do convencimento já haviam desenvolvido um código inteiro de conveniências declamatórias, cujo objetivo único era o de convencer, favoravelmente, os ouvintes e os espectadores de qualquer arenga ou discurso que estivesse sendo proferido no momento.
Cícero nasceu numa rica família Romana e foi um dos maiores oradores e escritores em prosa da Roma Antiga. O próprio Cícero ajudou a criar, aperfeiçoar e divulgar muitas das técnicas que se usava, na época, nos discursos públicos.
Existia, então, todo um código de conveniências declamatórias, citadas por Cícero, para aqueles que com ele aprendiam a arte de como se expressar publicamente em comícios, em tribunas, em salas de aula, em palanques, etc.
Quando o orador se apresentasse na tribuna, dizia Cícero, poderia, antes de iniciar sua fala, esfregar a testa, olhar para as mãos, dar estalos com os dedos e mostrar, suspirando, a ansiedade do seu espírito para aquilo que iria dizer em seguida. Deveria estar em uma postura direita, com o pé esquerdo ligeiramente a frente, os braços levemente desviados do corpo e, durante a sua alocução, a mão devia exceder um tanto o peito, mas sem arrogância.
Animado pelo discurso, quem falava devia pronunciar com uma certa negligência calculada, os períodos mais trabalhados do discurso, e mostrar uma espécie de hesitação nos lugares em que estava mais certo de sua memória. Não devia tomar o fôlego no meio de uma proposta, nem mudar de gesto senão de três em três palavras. Não devia colocar os dedos no nariz, tossir ou escarrar.
Devia evitar balançar-se, para que não parecesse estar em um barco; não devia apoiar-se nos braços ou nos ombros de ninguém; não devia andar e parar subitamente, depois de ter pronunciado uma frase de efeito, para não parecer esperar aplausos. Devia reservar para o final da sua preleção, o ato de deixar cair a toga (ou a capa) em desordem, o que era um grande sinal da paixão que sentia por tudo aquilo que havia sido, por ele mesmo, dito anteriormente.
Alguns outros profissionais da arte da eloquência divergiam em suas opiniões sobre se era ou não conveniente enxugar o suor do rosto ou arrepiar os cabelos. Discorriam, também, sobre como devia vestir-se um homem eloquente: segundo eles devia trazer uma túnica que descesse pouco abaixo do joelho; pois, mais comprida pareceria de mulher e mais curta a de um soldado romano. Envolver a cabeça e as pernas com panos de lã e faixas era típico de pessoas doente. Enrolar a toga em volta do braço esquerdo era atitude de uma pessoa furiosa; jogar a ponta da túnica por sobre o ombro direito era sinal de afetação. Declamar com os dedos carregados de anéis era próprio dos homens afeminados.
As graduações de voz também eram estudadas, de modo a corresponderem aos sentimentos que se queria transmitir.
Segundo alguns historiadores, os maus governos, de então, buscavam sufocar o saber mediante tais futilidades e regras comportamentais, consideradas indispensáveis aos que usavam da palavra em público. Mais importante do que o conteúdo do assunto que estava sendo exposto, era, para eles, a forma como o expositor o fazia.
Precursores da moderna neurolinguística (disciplina que estuda os mecanismos do cérebro humano que possibilitam a compreensão, a produção e o conhecimento da linguagem, tanto falada como escrita), utilizada por religiosos e por políticos hoje em dia, os antigos oradores procuravam meios de manter o público atento a tudo àquilo que diziam, quase sempre prestando mais atenção à forma como eles o faziam do que ao conteúdo daquilo que expunham.
Um dos melhores mestres romanos, reconhecido na época, foi Quintiliano (35–95 a. C), autor de ‘Institutos de Oratória’, que insistia na necessidade de todo aquele que desejava ser um bom orador, de conservar-se um homem de bem. Tal necessidade decorria, na época, do fato de que os delatores e os espiões exploravam a eloquência para provocar ou justificar a crueldade dos governantes.
Tudo isto, dito até agora, tem o propósito de destacar o verdadeiro espetáculo cênico em que se transformou a política e a religião contemporâneas, em que aqueles que usam da palavra, perante um determinado público, não possuem nenhum compromisso com a verdade ou com a coerência daquilo que dizem, mas, tão somente, objetivam atrair a atenção e a empatia daqueles que os veem e ouvem, de modo a que por eles simpatizem e, inconscientemente, acreditem que aquilo que foi mencionado corresponderia a mais pura verdade e a honesta convicção, íntima, de quem acabara de falar.
Para atingir tais objetivos, tudo vale: desde gritar, chorar, acusar; até lamentar, ameaçar, prometer. Os expositores sabem que o público pouco guardará daquilo que foi dito, principalmente, se estiver mais atento ao espetáculo cênico que se desenrola no palco do que às palavras do expositor.
O que se busca é a empatia com o palestrante, pois suas palavras não mais serão lembradas pouco tempo depois de terminada a sua fala.
Em se tratando de políticos e de religiosos, não vale o artigo 37 do Código de Defesa do Consumidor, estabelecido pela Lei 8078/90, que trata da publicidade enganosa ou abusiva e que menciono a seguir:
CDC - Lei nº 8.078 de 11 de setembro de 1990
Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências.
Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.
§ 1º É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.
§ 2º É abusiva, dentre outras, a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.
§ 3º Para os efeitos deste código, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço.
Políticos e religiosos, como todos sabem, prometem aquilo que não têm: os primeiros precisam, antes de mais nada, se eleger, para poder ou não fazer o que antes propunham. Em sua totalidade os políticos são eleitos, tão somente, em função daquilo que prometeram fazer.
Se, depois de eleitos, não cumprem suas promessas, infelizmente, ainda não podem ser processados com base na lei 8.078; muito embora, na minha maneira de ver, se trate de uma relação de consumo aquela existente entre o político e o eleitor.
Os salários do primeiro são pagos com os impostos arrecadados do segundo, pelo governo, com o objetivo de que o primeiro cumpra com tudo aquilo prometido ao segundo. A rigor, trata-se de um contrato de prestação de serviços (que não foram cumpridos ou executados) e deveria, no meu modo de ver a questão, estar ao abrigo e proteção do Código de Defesa do Consumidor.
Quando o político não faz o que prometeu em campanha, para ser eleito, ou quando obra contra os interesses de seus próprios eleitores, nada lhe acontece. O Ministério Público, a Polícia e a Justiça não tomam conhecimento do fato.
O mesmo ocorre com as promessas dos sacerdotes e com os dízimos que recebem, muitos deles descontados na própria folha de pagamento dos fiéis. Os sacerdotes prometem aos seus seguidores uma vida com saúde, com riqueza e com mais felicidade, tanto nesta vida quanto depois da morte, através da religião que divulgam e como representantes autorizados do Criador, que afirmam ser. Em contrapartida, cobram dízimos, esmolas, donativos, legados, doações, etc.
Ocorre que, depois de anos pagando, o fiel dá-se conta de que a sua vida piorou ou continua igual como sempre foi. Deveria, neste caso, caber uma ação judicial, amparada na Lei 8.078, por propaganda enganosa. O contrato verbal, estabelecido entre o seguidor e sacerdote, estipulava que o primeiro pagaria seu dízimo e que o segundo providenciaria, junto ao Criador, a melhoria nas condições de saúde, financeiras, etc., do fiel seguidor.
Tratar-se-ia, no meu modo de ver, do descumprimento de um contrato de prestação de serviços por parte do sacerdote: cobrou e não realizou aquilo a que se propunha.
Permeando isto tudo, tanto no que se relaciona com os políticos como com os sacerdotes, temos a neurolinguística, a ferramenta mágica da atualidade, que mantém o público preso à imagem daquele que lhe fala, da mesma forma como os antigos romanos ficavam presos aos seus mestres na arte da Oratória.
Às vésperas da campanha eleitoral em nosso país, vemos grande parte dos políticos usando de todos os artifícios possíveis, imaginados por seus ‘marqueteiros’, para convencer os eleitores de que são pessoas honestas e bem-intencionadas com relação à função que irão desempenhar, caso eleitas.
Findo o pleito, definido o resultado, efetuada a posse no cargo, a conversa muda de figura. Nada daquilo que foi dito, previamente, necessita ser realizado no período de governo. Ninguém sofre punição, impedimento ou impugnação, por não ter realizado o que prometeu durante a campanha. Por esta razão, as eleições no Brasil e as campanhas eleitorais perdem todo o sentido, quando se constata que qualquer candidato pode dizer o que bem quiser, sem nenhum compromisso de ter que realizar aquilo a que se propõe. O máximo que pode lhe ocorrer é perder alguns votos na próxima eleição, daqueles eleitores de boa memória. Todavia, ganhará votos de outros novos eleitores com as novas promessas que fará.
O ex-presidente Jânio Quadros alegava que ‘forças ocultas’ o impediam de fazer o que se propunha. Outros presidentes acusaram às condições adversas da Economia Mundial, outros às crises cíclicas do Capitalismo, outros à conspiração das elites opositoras. O fato é que as desculpas se sucedem e as nossas mazelas continuam as mesmas de sempre, eleição após eleição: deficiências na Saúde, nos Transportes, na Educação, na Segurança, na Habitação, no Saneamento, etc.
Na minha modesta opinião, creio que os eleitores não deveriam reeleger nenhum candidato. Certamente aqueles candidatos não reeleitos, que estivessem envolvidos em atos ilícitos objetos de inquéritos policiais ou de processos judiciais, logo a seguir, seriam processados pela justiça comum, em razão de perderem o foro privilegiado com que contavam, até então. Este já seria um primeiro passo, no sentido da moralização das eleições e da escolha dos menos piores candidatos.
O segundo seria votar, somente, em candidatos denominados 'fichas limpas'; isto é, que não estivessem respondendo a inquéritos ou a processos por roubo, desvio ou malversação de dinheiro público.
O terceiro passo seria votar em candidatos anticomunistas, que não queiram, como todos os candidatos de esquerda, ver implantado o comunismo no Brasil; sistema de governo este já falido e extinto no próprio país onde surgiu pela primeira vez, no ano de 1917, mas, que, alguns ideólogos de esquerda, que almejam o poder e as benesses que o acompanham, tentam ver revivido e implantado em diversos países da América Latina, dentre os quais o Brasil.
O quarto passo, finalizando, seria analisar o passado, a experiência e o currículo dos auxiliares ministeriáveis do candidato à presidência. São estes que, na verdade, executarão o programa de governo do presidente eleito. Das suas competências dependerá o sucesso do governo. Os ministérios devem ser conduzidos por pessoas preparadas e especialistas na respectiva área. Chega de colocar políticos em cargos técnicos, para os quais não possuem nenhuma experiência prévia ou preparo, como tem sido feito nos últimos governos de esquerda que deixaram o país quebrado, com gigantesco déficit orçamentário, enorme contingente de desempregados e milhares de empresas fechadas.
_*/ Economista e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.
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