377. Ensaio sobre a falácia da denominada Luta de Classes e acerca da importância da propriedade privada
Jober Rocha*
O filósofo e sociólogo Karl Marx (1818-1883) e seu amigo Friedrich Engels (1820-1895), fundadores do chamado socialismo científico, criaram a expressão ‘luta de classes’ para indicar o suposto conflito entre os chamados opressores e os denominados oprimidos (isto é, a burguesia e o proletariado), conflito este que, segundo eles, vigoraria no sistema de produção capitalista. Para eles, a referida luta teria surgido com a instituição da propriedade privada dos meios de produção e só acabaria com o fim do capitalismo e das classes sociais.
Em conformidade com Vladimir Lenin (1870-1924), revolucionário e chefe de estado da República Socialista Soviética Russa, “as classes são grupos de homens em que uns podem apropriar-se do trabalho dos outros, graças à diferença do lugar que ocupam no sistema da economia social”.
Marx afirmava que nas sociedades primitivas não havia a divisão entre classes e que esta surgiu em razão das mudanças ocorridas nas forças de produção, bem como através dos conflitos existentes entre os indivíduos em razão disto, que conduziram à posse, privada, por determinados grupos sociais, dos excedentes produzidos e da própria terra geradora de riqueza.
Muitos anos antes dele, Jean Jacques Rousseau (1712-1778), no século XVIII, talvez tenha sido um dos primeiros pensadores a discorrer sobre as origens da propriedade privada dos meios de produção, das leis, dos governantes e dos tiranos, o que lhe valeu inúmeras perseguições, tanto por católicos quanto por protestantes.
Seus escritos eram considerados subversivos e, por diversas vezes, teve que fugir da cidade onde se encontrava para não ser preso.
Em seu ‘Discurso Sobre a Origem da Desigualdade entre os Homens’, escrito em 1755, destacava:
“Da cultura das terras resulta, necessariamente, a sua partilha, e da propriedade, uma vez reconhecida, as primeiras regras de justiça”..., “Antes de terem sido inventados os sinais representativos de riqueza, estas só podiam consistir em terras e em animais, os únicos bens reais que os homens poderiam possuir”... “No entanto, com o desenvolvimento e a expansão das comunidades, os interesses entraram em conflito, armando-se uns contra os outros”... “Para livrar da opressão os fracos, conter os ambiciosos e assegurar, a cada um, a posse do que lhe pertencia foram instituídos regulamentos de justiça e de paz, aos quais todos eram obrigados a se conformar”... “Assim, em vez de voltar as suas forças contra eles mesmos, reuniram-se em um poder supremo que os governava segundo leis que protegiam e defendiam todos os membros da associação, repeliam os inimigos comuns e os mantinham em uma eterna concórdia”...
Voltando novamente às palavras de Karl Marx, segundo ele, a luta de classes era inevitável, em razão da irreconciliável relação entre proprietários e não proprietários dos meios de produção e seria regida por leis sociais historicamente determinadas.
Embora classificada pelos dois eminentes filósofos, mencionados no início, como uma lei social historicamente determinada, a propalada ‘luta de classes’ consistiria, apenas, segundo a minha modesta maneira de ver este assunto, em uma falácia teórica que mascararia o simples desejo das classes trabalhadoras por maiores salários e por melhores condições de vida, frente a proprietários dos meios de produção, muitas vezes, insensíveis às péssimas condições laborais e sociais e as reivindicações por melhores salários destes trabalhadores.
O papel do Estado, como árbitro e moderador, isento, destes eventuais conflitos é que vem a ser, em minha ótica, de fundamental importância para a solução satisfatória destas reivindicações trabalhistas.
Imaginar que todos os trabalhadores são infelizes e que iriam ao extremo da ‘luta de classes’, apenas por não serem os donos dos meios de produção é, segundo penso, de uma ingenuidade portentosa ou de um maquiavelismo maldoso; posto que, aqueles que assim ainda pensam, olvidam importantes aspectos psicológicos da natureza humana, ademais da atual razoável distribuição de renda em muitos países capitalistas e das características dos modernos Mercados de Capitais existentes na atualidade.
Essa suposta “Lei Social Historicamente Determinada”, que regularia a chamada luta de classes, tem sido vendida como verdadeira pelas esquerdas objetivando, unicamente, o apoio popular para a tomada do poder, tentando fazer crer aos que se deixam empolgar pela ideia do ‘paraíso terrestre do comunismo’, que a luta de classes se trata de uma lei inexorável da história.
Após seus líderes haverem alcançado o poder, esquecem-se de que anteriormente a mencionaram e reprimem as manifestações daqueles que continuam proletários no regime comunista e não, conforme apregoado antes, os novos donos dos meios de produção; bem como, tratam como rebeliões os descontentamentos populares (que naturalmente ocorrem, com respeito a situação econômica e social, motivada por políticas muitas vezes erradas dos governos comunistas, que acarretam a falta de gêneros alimentícios e de bens de consumo), repelidos com o auxílio da violência policial e com a prisão e a aplicação da pena capital a muitos dos descontentes que se mostram mais incômodos e perigosos ao novo sistema.
Mas voltando ao que costumava pregar Karl Marx, a luta de classes constituía, assim, para o filósofo, em um motor do desenvolvimento histórico das sociedades e na mais importante força motriz da história humana, mesmo que pudesse se desenvolver em outros terrenos, que não apenas no econômico; isto é, naqueles solos políticos, filosóficos e religiosos ou em quaisquer outros ideologicamente férteis.
Aqueles que, na atualidade, porventura, ainda acreditam nos pressupostos de Marx e de Engels julgam que a existência de uma sociedade sem classes, como as que, eventualmente, existiram no passado em pequenas comunidades indígenas, seria uma possibilidade histórica concreta no mundo atual. Outros, embora acreditando na existência da luta de classes, acham, no entanto, que nos países pobres as tentativas de eliminá-la, com vistas à implantação de regimes socialistas sem classes sociais, não passariam de simples quimeras.
É, por exemplo, o caso de José ‘Pepe’ Mujica, antigo guerrilheiro Tupamaro e atual agricultor e político, ex-presidente do Uruguai, que afirmou em passada entrevista à imprensa “a luta de classes é como o sol e as estrelas. Negá-la é negar a realidade. No entanto, posso ser mais claro: as tentativas de se construir países socialistas a partir de países pobres, em minha humilde opinião, demonstraram que são utópicas e impossíveis – mais que utópicas, são quiméricas”.
Em minha opinião, tão humilde e modesta quanto a de Mujica, aquilo que foi caracterizado por Marx e Engels como luta de classes, nada mais é do que o anseio dos indivíduos por melhores condições de vida. Na época em que Marx e Engels formularam suas teorias, a Psicologia ainda estava em seus primórdios e Sigismund Freud (1856-1939), médico neurologista, ainda não havia revolucionado a mesma com criação da Psicanálise e a Psicologia era confundida com a Filosofia.
A Psicologia surgiu, com as suas várias escolas, apenas, no início do século XX, como uma ciência que tentava se desenvolver objetivando compreender o homem e seu comportamento, de modo a facilitar a convivência dele com sigo mesmo e com os demais, através de três escolas principais: Funcionalismo (William James, 1842-1910), Estruturalísmo (Edward Titchener, 1867-1927) e Associacionísmo (Edward Thorndike, 1874-1949).
Por outro lado, as Bolsas de Valores, embora já existissem desde o século XV, eram voltadas para a compra e venda de moedas, letras de câmbio, metais preciosos e para financiar bancos centrais. O comércio de ações só apareceu no século XIX, quando algumas bolsas começaram a negociar mercadorias e valores mobiliários. Só algum tempo depois da divulgação das teses de Marx as bolsas de valores começaram a negociar, ainda de modo incipiente, com ações de empresas industriais.
Os desejos humanos (objetos da análise psicológica comportamental) ao longo da história, normalmente, evoluem dos físicos (focados nas necessidades do corpo: alimentação, abrigo, família, sexo, etc.) para os de riqueza, de poder, de conhecimento e de espiritualidade. A ordem em que evoluem nos indivíduos, todavia, pode ser distinta desta apresentada ou, mesmo, alguns destes desejos serem suprimidos em determinados indivíduos ou em conjuntos de seres humanos, por razões diversas.
Assim, a denominada luta de classes, em meu modesto ponto de vista, corresponde a uma falácia criada por aqueles dois eminentes filósofos para justificar seus pontos de vista revolucionários. Os meios de produção, em razão de seus custos elevados, estarão, sempre, em mãos daqueles que detém o capital, sejam eles indivíduos ou Estados, mas, jamais, em mãos dos trabalhadores (ou proletários como os chamavam Karl Marx), em razão de lutas de classes.
Imaginar que as coisas se passariam desta forma, a não ser para justificar teses ideológicas, é demonstração de muita ingenuidade, de total desconhecimento da psicologia humana e do funcionamento dos sistemas econômicos ou de deliberada intenção de fomentar a cizânia entre os seres humanos com finalidades ideológicas.
A Revolução Industrial, que consolidou o Sistema Capitalista no século XVIII, trouxe em seu bojo a Divisão Internacional do Trabalho (seja com respeito a países, regiões ou indivíduos), divisão esta que consiste em uma especialização das funções econômicas e que foi um reflexo da solidificação da globalização incipiente.
A Segunda Guerra Mundial (1939-1945), após seu termino, acelerou de maneira nunca vista a economia mundial e, com isto, as globalizações da produção e do consumo se acentuaram significativamente. Esta divisão ou especialização, independente de vantagens comparativas que as justifiquem, quando se tratam de países ou regiões, demonstra, ademais, que nem todos os indivíduos possuem as mesmas capacidades e as mesmas aptidões; isto é, muitos são aqueles que acham mais fácil obedecer do que comandar, muitos os que preferem vender sua força de trabalho a, eventualmente, comprar a força de trabalho de outros.
O que deve pautar as discussões sobre o tema, em meu modo de ver, é o papel do Estado em promover uma razoável distribuição de renda entre seus cidadãos, de modo a eliminar os eventuais conflitos, entre patrões e empregados (não entre os detentores ou não dos meios de produção), por um maior nível de renda para aqueles que vendem sua força de trabalho, fato este que, consequentemente, acarretaria uma melhoria sempre crescente em suas condições socioeconômicas.
Poucos trabalhadores desejariam ocupar os lugares dos seus patrões (com as suas responsabilidades e os riscos inerentes as atividades empresariais); isto é, dos donos dos meios de produção, desde que os seus salários sejam razoáveis e suficientes para a boa manutenção deles próprios e de suas famílias.
Nem todos os soldados sonham em, algum dia, chegarem a ser generais, comandantes de tropas e de exércitos, em que pese o poder e as regalias que desfrutam estes últimos dentro das Forças Armadas. Quem imagina o contrário está redondamente enganado com relação à psicologia humana, individual e coletiva.
Assim, nem todos os trabalhadores desejam ser possuidores dos meios de produção, chegando, até mesmo, a promover uma luta de classes para tanto.
Guerras civis, motins e revoluções, sempre ocorreram na história da humanidade, mas, neste caso, em razão do rompimento do Contrato Social, tão bem pensado e formulado pelo filósofo Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). Se o referido contrato for mantido pelos pactuantes (povo e governo) e sua execução for considerada satisfatória por ambas as partes, inexistirão movimentos sediciosos internos que objetivem rompê-lo, tais como uma suposta luta de classes, na qual ainda acreditam os adeptos de Marx.
Na maioria dos países comunistas, sem classes sociais, os indivíduos não são possuidores dos meios de produção, mas, apenas, vendedores de suas forças de trabalho para o Estado (como antes a vendiam aos patrões no sistema capitalista) este, sim, o verdadeiro detentor dos meios de produção.
Em tais países, uma elite dominante, tendo se apropriado do poder, usufrui das benesses de um consumo nababesco e, por vezes, hereditário. Por outro lado, existem países capitalistas com classes sociais distintas (ou, mesmo, castas), onde os indivíduos aceitam com tranquilidade suas classes ou castas, sem nenhuma tensão social e sem demonstração de desejarem pertencer à classe ou casta dos outros: isto ocorre em alguns países orientais, em razão de suas convicções religiosas sobre a Metafísica da vida e da morte, e em alguns países ocidentais onde o nível cultural, de renda e de escolaridade é bastante elevado.
Existem também países capitalistas, com classes sociais, em que parte dos meios de produção pertence a particulares (pessoas jurídicas e pessoas físicas) e parte pertence ao Estado. Nos países onde o Mercado de Capitais é bem estruturado, qualquer pessoa física (pertencente à classe dos patrões ou à classe dos trabalhadores) pode adquirir, democraticamente, ações (preferenciais ou ordinárias) de empresas, ações estas que são negociadas em Bolsas de Valores. Constata-se, portanto, no mundo moderno, que a existência ou não de classes sociais não é o fator que assegura ou deixa de assegurar a posse dos meios de produção.
Da mesma forma, nem a ideologia dominante nem o próprio sistema econômico vigente, também, são os fatores determinante da posse ou não dos meios de produção por parte dos trabalhadores, justificando, assim, uma eventual ‘luta de classes’.
Embora classificada, pelos dois eminentes filósofos mencionados no início, como uma lei social historicamente determinada, a propalada ‘luta de classes’ consiste, apenas, segundo a minha modesta maneira de ver este assunto, em uma falácia que mascara o simples desejo das classes trabalhadoras por maiores salários e por melhores condições de vida, frente a muitos proprietários dos meios de produção, algumas vezes insensíveis às condições e reivindicações destes trabalhadores. O papel do Estado, como árbitro e moderador, isento, destes eventuais conflitos é que vem a ser, sob a minha ótica, de fundamental importância para a solução satisfatória de conflitos de interesses e demais reivindicações trabalhistas.
Finalmente, sem a intenção de buscar fazer qualquer apologia da pobreza, eu reconheço que uma política de redistribuição de renda bem conduzida (como a que tem sido feita em muitos países), bem como uma justiça trabalhista, cível e criminal severa e igual para todos (como aquela que é exercida também em muitos países), são as melhores ações para se eliminar tensões sociais motivadas, quase sempre, pelo descontentamento das massas trabalhadoras com suas condições econômicas e sociais, pertinentes em sua maioria, que podem desembocar em conflitos sociais graves, com o risco do rompimento do chamado contrato social.
Agora, a coisa muda radicalmente quanto à necessidade humana da propriedade privada, tão questionada e combatida pelos ideólogos do comunismo. Está, no meu modo de ver a questão, se encontra tão arraigada no coração dos indivíduos e das espécies animais, que um único argumento faz desabar todo este castelo de cartas construído pelos marxistas, ao longo dos tempos, para tentar modificar e alterar a história humana (e consequentemente a história animal): todos os seres humanos possuem, inatos, o sentimento de posse, tanto é assim que as lutas entre as tribos primitivas pela manutenção da posse dos seus territórios e a conquista daqueles dos seus vizinhos foi o que possibilitou o surgimento das nações, dos países, das Cidades Estado, dos reinos e dos impérios; da mesma forma que muitos animais carnívoros, machos ou fêmeas, alfas, urinam nos limites do seus territórios para demonstrar aos demais animais da sua espécie que aquela região tem dono. Alguns outros usam a exsudação de glândulas lombares especiais, deixadas na base de troncos, para esta demarcação de território. Para as aves canoras a demarcação de seus territórios se dá pelo canto.
Como podemos, assim, constatar, a necessidade da propriedade privada territorial é inata aos homens e aos animais, em que pese seja suprimida de forma autoritária nos países comunistas, onde ninguém pode ser mais livre e poderoso do que o Estado e sua camarilha dirigente.
_*/ Economista e doutor pela Universidade de Madrid, Espanha. Membro fundador da Academia Brasileira de Defesa – ABD e membro titular do Centro Brasileiro de Estudos Estratégicos – CEBRES.
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