376. Contem-me alguma coisa que eu ainda não saiba!
Jober Rocha*
Um antigo filósofo grego cheio de empáfia, naqueles belos tempos de Sócrates e de Platão, durante suas viagens pela Grécia, sempre que encontrava outros filósofos em alguma Polis costumava desafiá-los com a seguinte frase:
- E aí, meus amigos, contem-me alguma coisa que eu ainda não saiba!
Certo dia, em uma roda de filósofos e de estudantes na cidade de Atenas, tendo ele chegado à academia quase no final das discussões, proferiu aos presentes a mesma pergunta de sempre.
Um dos jovens estudantes, adiantando-se aos demais, chegou-se a ele e disse: - Pois bem, vou lhe falar sobre algo que, certamente, você desconhece: falarei sobre as razões das imperfeições humanas.
Apanhado de surpresa, o filósofo nada disse ao estudante, limitando-se a contemplá-lo com uma certa admiração. Até então, ele fora o primeiro que se dispôs a responder firmemente e de modo categórico à sua indagação.
Todos os presentes se sentaram ao redor do estudante e ele começou sua preleção dizendo:
Todos nós nascemos com, ao menos, alguma imperfeição física, mental ou psíquica; imperfeição esta que pode aumentar com o tempo ou diminuir com ele. Podemos acabar nos acostumando com ela, após a convivência de uma vida inteira, ou jamais nos conformarmos com aquilo que nos diferenciaria dos demais, criticando e jamais perdoando o Criador por aquela injustiça contra nós praticada, sem motivo algum.
Uns são baixinhos, outros altos demais, alguns nascem surdos, outros cegos, outros gagos, outros mudos. Muitos nascem aleijados, alguns com dificuldades de entender as coisas e de raciocinar, outros com problemas mentais, outros, ainda, com desvios de caráter ou de conduta.
Ao longo da vida de cada indivíduo, portanto, a estas imperfeições físicas, mentais e psíquicas congênitas, podem, ainda, ser acrescentadas outras imperfeições adquiridas, da mesma ordem ou mais intensas que as anteriores.
Não existe nenhum ser humano, filho do homem, que não as tenha, por mais belo, saudável, inteligente e dotado de riqueza que possa ser ou que tenha sido.
Vocês já se perguntaram a razão disso vir a ocorrer com criaturas feitas por um Ser ou por uma Entidade considerado, por todos, como o máximo da perfeição?
A resposta é bastante simples: justamente por termos sido criados por um ser perfeito somos todos imperfeitos.
Um velho preceito diz que ‘quem pode o mais pode o menos’, logo, caso fosse o desejo do Criador, poderíamos ter nascido todos igualmente belos, igualmente saudáveis, igualmente inteligentes. Seríamos, todos, cópias de nós mesmos. Mas, não é isto o que ocorre. Qual a razão destas diferenças que nos afligem e que imaginamos serem injustiças praticadas por alguém que todos imaginamos perfeitamente justo, por definição?
Não me aprofundarei pelo caminho da explicação Matemática, por alguns já conhecida, da denominada Curva Normal, que trata dos fenômenos que se distribuem segundo uma curva normal (aquela em forma de sino), pois esta curva apenas constata uma realidade e não a determina nem a explica.
Em rápidas palavras, para aqueles ainda não familiarizados, comentarei sobre o que se trata; isto é, sobre os fenômenos de Natureza sobre os quais atua a chamada Curva Normal. Tal lei Matemática demonstra como as coisas se passam, mas não justifica a razão pelas quais ocorrem. Esta explicação tentarei fazer por outros critérios, que não os da Matemática.
A maior parte dos fenômenos probabilísticos, de natureza continua e alguns de natureza discreta, podem ser representados por uma Lei Matemática conhecida por ‘Lei de Distribuição Normal’. O seu uso é geral em todas as Ciências, bastando dizer que mais de oitenta por cento dos fenômenos da Natureza, possuem comportamentos com as características desta ‘Distribuição Normal’.
Assumir que um evento se distribui normalmente está baseado em dois fundamentos: o primeiro ocorre quando a distribuição da própria população de eventos que se estuda é Normal e o segundo ocorre quando a distribuição da população estudada não for Normal, mas o número de casos for muito grande. Os valores mais frequentes; isto é, os valores que correspondem às maiores probabilidades de virem a ocorrer, se encontram em torno da média da variável considerada. Quanto mais afastados os valores estão da média, quer acima quer abaixo desta, menos frequentes são as suas ocorrências.
Esta interpretação da Lei de Distribuição Normal é coerente com o que se passa na maior parte dos fenômenos que sucedem na Natureza. Ora, as características dos fenômenos que ocorrem com os seres humanos, podem, também, ser representadas através de uma denominada ‘Função de Distribuição Normal’.
Isto ocorre, não porque os indivíduos assim o queiram, mas, porque, segundo penso, suas condutas, que podem ser descritas por esta Lei Matemática, são, invariavelmente, regidas pelo ‘Processo Dialético da Evolução Humana’.
Nenhum grupo de pessoas reconhecidas como normal (por normal entenda-se o que é considerado correto, sob algum ponto-de-vista. É o oposto da anormalidade. A normalidade, muitas vezes, se dá por conta de uma maioria em comum, sendo anormal aquele que contraria esta maioria) pensa e age, unanimemente, de uma determinada maneira, sobre uma determinada questão; principalmente, quando o número de seus integrantes for grande o bastante, pois, sempre, existirão pontos de vista opostos ou conflitantes (motivados pelas suas distintas inteligências, pelas suas distintas morfologias, pelas suas diversas maturidades, pelos seus diversos tipos psíquicos, pelas suas diversas capacidades intelectuais e, principalmente, pela maior ou menor prevalência dos sentimentos viciosos ou virtuosos, presentes em todos os seres humanos), que, considerados no conjunto de todo o grupo (ou da amostra ou da população), fornecerão uma média, uma moda, uma mediana e uma variância para qualquer evento analisado.
Quanto maior seja o grupo (a amostra ou a população), mais a Curva Normal representará o evento em questão. Para uma definição sobre o significado de moda, média, mediana, desvio padrão e variância, sugiro que procurem compêndios sobre a matéria ou que se esclareçam com os Matemáticos gregos, considerados como dos melhores e mais competentes da atualidade.
A razão, por detrás de tudo isto até aqui comentado, é o fato de que a evolução humana ocorre mediante um processo dialético, já mencionado por Zenão de Eleia, mas que outros consideram como o seu pai o nosso próprio colega e confrade Aristóteles, no qual são necessárias a tese e a antítese, para que, finalmente, ocorra uma síntese. Tese é uma proposição, antítese a sua negação e a síntese é a resultante de ambas, diferente, portanto, destas duas anteriormente mencionadas.
Assim, oscilando entre as virtudes e os vícios e entre as contradições humanas, a humanidade sintetiza, dialeticamente, em cada período de tempo, a sua necessária evolução. Alguns denominam esse processo de Princípio do Contraditório, que vigora tanto na Natureza quanto na vida psicossocial dos indivíduos: a verdade aparece por intermédio das contradições humanas e tudo na Natureza, que necessita de evolução (como o espírito humano), evolui dialeticamente.
Logo, se não existissem contradições, a humanidade não evoluiria e a verdade não seria conhecida. Está é, pois, a razão que encontro para as imperfeições humanas tão bem determinadas pelo Criador; bem como, para os vícios e as virtudes presentes em todos os seres humanos. Também é, segundo penso, a razão pela qual o Criador ou o Grande Arquiteto do Universo, que não necessita mais evoluir, pode ser considerado perfeito, isto é, a fonte de todas as virtudes e a ausência de todos os vícios.
Assim, pessoas totalmente belas ou totalmente feias, totalmente saudáveis ou totalmente doentes, totalmente inteligentes ou totalmente beócias, com comportamentos totalmente virtuosos ou totalmente viciosos, serão, sempre, considerados como extremos em um grupo (amostra ou população), enquanto a espécie humana continuar habitando a superfície do planeta em busca de sua evolução.
Com isto, quero deixar claro que, no que respeita às consideradas características físicas, mentais e psicológicas mencionadas, às virtudes e aos vícios, os comportamentos extremos, por exemplo, face à determinadas situações vivenciadas pelos grupos (ou pelas amostras ou pelas populações) normais, constituem-se em exceções ao comportamento médio e, como tal, não são seguidos pela maioria, mas, apenas, por 0,3 por cento dos indivíduos; ou seja, 0,15 por cento seriam totalmente virtuosos e 0,15 por cento seriam totalmente viciosos, em um conjunto total constituído, cem por cento, de indivíduos normais.
Assim, frente à determinada situação com que se defronta um grupo (ou uma amostra ou uma população) normal, podemos afirmar que sessenta e oito por cento dos indivíduos deste grupo (ou desta amostra ou desta população), apresentará características morfológicas, mentais e psicológicas ou comportamentais, consideradas normais e que estarão a menos de um desvio padrão da média da variável que se está pesquisando. Noventa e cinco por cento dos indivíduos do grupo apresentará características ou um comportamento que estará a menos de dois desvios padrões da média e noventa e nove, vírgula sete, por cento, dos indivíduos, apresentara características ou um comportamento que estará a menos de três desvios padrões com relação à média.
As características ou comportamentos totalmente extremos e destoantes da média, constituiriam, assim, os extremos da curva representativa da Distribuição Normal, curva esta, como já mencionado anteriormente, que possui a forma de um sino.
O normal para os integrantes desta nossa espécie humana (isto é, aquilo que ocorrerá com a maior parte dos indivíduos ou aquilo que a maioria fará, buscando o seu progresso) será, sempre, estar na média no que quer que seja e, relativamente ao comportamento psicossocial, a moral e aos costumes, pautar sua conduta por procedimentos que incluam virtudes e vícios, em doses consideradas aceitáveis em cada época; já que, os sentimentos virtuosos (como, por exemplo, os de misericórdia, de bondade, de amor, de compaixão, etc.) não constituem leis que, obrigatoriamente, tenham que ser seguidas por todos os indivíduos; como, também, os sentimentos viciosos (aqueles contrários aos virtuosos), representados, por exemplo, pela ira, raiva, egoísmo, inveja, maldade, etc., não constituem crimes, a menos que sejam transformados em ações concretas que violem leis existentes.
Logo, se não existissem diferenças e contradições físicas, mentais e psicológicas, a humanidade como um todo e os espíritos em particular não evoluiriam e a verdade não seria conhecida.
Está é, pois, a razão que encontro para as diferenças, congênitas e adquiridas, entre os seres humanos; bem como, para os vícios e as virtudes presentes em todos os indivíduos.
Também é, segundo penso, a razão pela qual o Criador ou o Grande Arquiteto do Universo, que não necessita evoluir, pode ser considerado a fonte de todas as virtudes e a ausência de todos os vícios.
Finda a sua exposição todos os presentes se retiraram, a maioria ainda meditando sobre as palavras do estudante.
O filósofo, antes cheio de empáfia, dirigiu-se ao estudante que juntava seus pertences, deu-lhe um forte abraço e exclamou: - Obrigado, meu caro amigo, por ter-me contado algo que eu ainda não sabia!
Os leitores estarão se perguntando por que escrevi um conto deste teor em uma época de atribulações políticas, de pandemia e de quase convulsão social, quando assuntos mais importantes e prementes despertam as nossas atenções diárias.
Explico-me: qualquer evento de natureza climática, qualquer acontecimento político, qualquer declaração de autoridade governamental, qualquer crime cometido ou qualquer competição esportiva, por exemplo, são analisadas por ‘especialistas’ contratados, às vezes, à peso de ouro, visando desinformar ou criar contrainformação que neutralize a verdade dos fatos, conhecida esta, apenas, de alguns poucos brasileiros.
As hipóteses e as teorias que inúmeros destes especialistas cheios de empáfia difundem são, em sua maioria, estapafúrdias; principalmente, em razão de seus difusores, em grande parte, se tratarem de pessoas totalmente desqualificadas e despreparadas para aquelas tarefas a que se propõem.
O fato é que nosso país está cheio destes analistas improvisados, normalmente com um viés esquerdista, críticos do atual governo, sem cursos, sem mestrados, sem doutorados, sem experiências práticas; em suma, sem um currículo de vida que fale por eles. São especialistas de última hora descobertos pela mídia, que lhes assegura o notório saber que propalam e lhes atribui o título de especialistas que ostentam, ainda que digam, apenas, sandices, asneiras, estultices, parvoíces e necedades, afirmando tudo saber sobre os assuntos tratados.
Especialistas midiáticos existem em todos os países. Todavia, nos países desenvolvidos os analistas, peritos, consultores, 'experts', etc., costumam possuir títulos acadêmicos que os credenciam para suas funções e, nestes lugares, realmente, a especialidade consiste em um fato corriqueiro; sendo que o referido profissional preza muito o prestigio angariado no meio em que trabalha.
Mesmo assim, muitos analistas midiáticos em países desenvolvidos ainda fazem previsões erradas. Por outro lado, o público que os ouve é muito mais intelectualizado, politizado e crítico do que aquele de países como o nosso.
Acresce, ainda, que aquilo que tais especialistas afirmam em seus países como verdades, caso não o sejam, lhes costuma trazer consequências profissionais, cíveis e criminais; razão pela qual eles tomam muito cuidado com tudo aquilo que afiançam como verdadeiro.
Poucos são aqueles que, jactando-se dos interlocutores, perguntam descaradamente como fazem alguns dos nossos pseudos especialistas, notadamente em atividades políticas, econômicas, militares e psicossociais:
-Contem-me alguma coisa que eu ainda não saiba?
_*/ Economista e doutor pela Universidade de Madrid, Espanha. Membro fundador da Academia Brasileira de Defesa- ABD e membro titular do Centro Brasileiro de Estudos Estratégicos - CEBRES.
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