356. O Dia a Dia no País da Fantasia e da Hipocrisia
Jober Rocha*
Os policiais José Carlos e Paulo Henrique, lotados no 82 º Batalhão de Polícia, após violenta troca de tiros com três fugitivos do Sistema Prisional, X, Y e Z (cujos verdadeiros nomes não podem ser revelados, em virtude de recente proibição legal, e que desde dezembro do ano passado não haviam retornado ao presídio após o indulto Natalino concedido a milhares de presos em regime fechado), que estavam fortemente armados e no interior de um veículo roubado, conseguiram, finalmente, prender os referidos suspeitos que empreendiam fuga após terem assaltado um supermercado.
Os policiais tiveram seus rostos publicados nos principais jornais locais, o mesmo não ocorrendo com X, Y e Z, protegidos pela atual legislação, que impede a divulgação de seus nomes e imagens.
José Carlos ficou ferido no braço, felizmente sem maior gravidade, por um disparo do novo fuzil FN 2000, portado por Y, do tipo bullpup desenvolvido pela FNH - Fabrique Nationale de Herstal, na Bélgica e que tem seu corpo todo em material composto. O ponto forte desse fuzil é que ele pode ser operado por destros e por canhotos, sem necessidade de nenhuma alteração no mecanismo do ferrolho, pois os cartuchos usados são ejetados para frente. O fuzil é em Calibre: 5,56x45mm, com uma cadência de tiros de 850 tiros por minuto, um alcance eficaz de 500 metros e um peso de 3,8 quilos
Os policiais tiveram enorme dificuldade para conduzi-los à delegacia policial, pois eles não queriam ser algemados em razão de proibição legal existente e alegavam abuso de autoridade por parte dos policiais.
Na delegacia policial o delegado e os inspetores presentes ficaram admirados com o novo fuzil, que jamais haviam visto e é considerado como um dos mais modernos do mundo. A quantidade de munição apreendida com os suspeitos era de mais de mil cartuchos. Dentro do veículo foram, ainda, apreendidas duas pistolas Desert Eagle, de procedência israelense, no calibre .50 (também desconhecidas dos policiais, que jamais haviam visto pistolas tão bem fabricadas e poderosas), além de coletes a prova de balas de nível III, com placas de cerâmica resistentes a disparos de fuzis.
Na porta da delegacia os suspeitos já eram esperados por uma banca de advogados, preocupados com o estado físico e psicológico de seus clientes.
Mais tarde, durante a audiência de custódia os três suspeitos afirmaram que haviam atirado nos policiais sem a intenção de matá-los, mas, apenas, para que estes conhecessem o poderio e a cadência de tiro do novo fuzil e das pistolas que haviam recebido através de fronteira com país vizinho.
- Como os policiais geralmente se interessam por armas, que são seus instrumentos de trabalho, fizemos questão de mostrar as nossas para aqueles que nos perseguiam – declarou Z, perante as autoridades que o arguiam. Uma destas autoridades, balançando a cabeça em assentimento, disse: - É bastante razoável o seu argumento!
Disseram todos, também, que haviam sido maltratados pelos seus captores; pois, afinal, X e Z, ao saírem do veículo em que estavam fugindo da polícia, tiveram seus dedos imprensados na porta do carro, quando o policial José Carlos, com o braço sangrando, bateu a porta do mesmo com violência.
José Carlos ainda tentou se justificar, alegando ter feito o gesto brusco em razão da dor que sentia no braço ferido, mas foi mandado que se calasse por uma autoridade presente que disse: - Só fale quando questionado! Entendeu!
Ao perguntarem aos suspeitos o que faziam armados naquele veículo roubado, responderam que só falariam em juízo, segundo seus direitos constitucionais.
Um dos jornais que publicou os nomes e as fotos dos policiais, dizia, também, em uma página interna, que no país, a cada 100 milhões de mulheres com idade até 19 anos, cerca de 62 estavam grávidas, quantitativo este muito superior à média mundial, que é de 44.
A Ministra do governo federal, responsável pelos Direitos Humanos e pelas Famílias, propôs, ao invés das tradicionais medidas anticoncepcionais, que quase nenhuma jovem pratica, simplesmente, a abstinência por parte das meninas que costumam engravidar ainda na infância. Foi duramente criticada por educadores, conselheiros e país de adolescentes.
Ainda no mesmo jornal era informado, na primeira página, que dentre os diversos Estados da Federação dez deles já possuem mais aposentados do que trabalhadores na ativa.
Em uma das páginas internas encontrei a notícia de que oito dos nove governadores dos Estados da Região Nordeste, eram contrários, por motivos político-partidários, a criação de colégios cívico-militares, custeados pelo governo federal. O plano do governo federal era construir cerca de 108 destes colégios em todo o país, mas os governadores do Nordeste, de partidos e de posições ideológicas contrários ao do presidente da república, não aceitaram a doação federal para os seus Estados. O nosso país, no último Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa, na sigla em inglês, e que consiste no principal ranking de educação mundial), ainda ocupa o 59º lugar do Pisa, que foi aplicado em 79 países.
Além de inferior aos países da OCDE, o nosso país também apresentou um desempenho pior do que o de países com estágios de desenvolvimento semelhantes.
Em seu primeiro ano de governo, na minha visão, o atual presidente quis modificar este quadro construindo colégios de qualidade em todo o país, para elevar nosso nível educacional, mas, infelizmente, está sendo boicotado pela esquerda, que, sem nenhuma preocupação com o nível educacional, deseja formar apenas militantes e ativistas políticos nas escolas brasileiras de nível médio, que propaguem sua ideologia anticapitalista conforme determinação do Foro de São Paulo que ainda está vivo e atuante, embora sobre outro nome.
Em uma das últimas páginas, do referido jornal, surgiu a notícia de que só em nosso Estado haviam sido assassinados sete policiais militares no mês de janeiro. Imagino que também tenham sido assassinados policiais civis, elevando está trágica estatística. O país possui 26 Estados e um Distrito Federal, todos eles contando com a presença de facções criminosas ligadas ao narcotráfico. Creio que nenhum país do mundo jamais registrou uma cifra tão elevada quanto está em um único mês, em apenas um Estado. Podemos conjecturar, na ausência de maiores informações, qual será o número de policiais mortos, mensalmente, em todo o país.
Folheando, ainda, o jornal deparei com a notícia de que um Ex governador do Estado, atualmente preso, afirmou em delação premiada que o seu sucessor (preso e posteriormente solto, beneficiado que foi por decisão de tribunal superior que estabeleceu que os condenados em primeira e segunda instância não poderiam ser presos, enquanto não houvesse decisão de última instância sobre seus julgamentos anteriores) cobrava uma “taxa de oxigênio” (eufemismo para propina) em contratos públicos com fornecedores e empreiteiros privados.
Uma pequena notícia em um canto de página me despertou a atenção: Das 109 leis ordinárias de autoria de vereadores, aprovadas na Câmara de um determinado município da Região Sul do país, em 2019, 92% foram para dar nomes a bens públicos, como ruas, edifícios, praças, etc.; bem como, para inclusões de datas comemorativas no calendário (dia do funcionário público, dia do aposentado, etc.). Apenas nove leis assinadas pelos parlamentares foram para normatizar algo de utilidade.
Outra notícia, em espaço reduzido, dava ciência de que o plenário do Tribunal de Contas da União (TCU) havia liberado a compra de lagostas e vinhos pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em licitações realizadas pela Corte máxima do país. No entanto, o TCU havia feito uma delimitação e entendido que o cardápio só deveria ser compatível em eventos com a participação de pelo menos duas "altas autoridades", sem especificar o que entendia por "altas autoridades". Os ministros do TCU analisaram uma licitação de R$ 1,3 milhão para a compra das iguarias.
Ao pé de uma página, encontrei esta preciosidade: O Valor médio do Auxílio Reclusão, na atualidade, é de R$ 1.079,74, acima, portanto, do salário mínimo que aumentará, em fevereiro do corrente ano, para R$ 1.045,00. Paradoxalmente, o trabalhador que recebe o salário mínimo ajudou a construir o mesmo país, que aquele recebedor do auxílio reclusão ajudou a destruir com a sua ação criminosa.
No mais, as outras notícias tratavam sobre esportes, notadamente o futebol; sobre os resumos dos capítulos das principais novelas; acerca de receitas de doces e salgados; de fofocas sobre o meio artístico em geral; de relatos dos principais crimes do dia e com uma página de anúncios classificados de compra e venda de bens móveis e imóveis.
Vejam, meus caros leitores, que estas notícias foram obtidas em um único jornal e em apenas um dos trinta dias do mês, dentre os doze meses do ano.
Em sã consciência, consulto a todos vocês se acreditam que um país de cidadãos em grande parte alienados, como este em que vivemos, pode esperar fazer parte do Primeiro Mundo?
Um país onde o Carnaval e as passeatas de Orgulho Gay concentram mais pessoas nas ruas do que as manifestações contra os cleptocratas (como nomeou, já há algum tempo, publicamente, um ministro da mais alta corte, aquelas autoridades que influenciavam e/ou tomavam as decisões dos poderes da república) pode ter futuro?
Um país onde os poderes presidências foram tão reduzidos, pelos demais poderes, que o presidente precisa mendigar ou se submeter para fazer vingar uma ou outra medida que proponha em benefício do país e de sua população, pode se considerar, na realidade, uma democracia presidencialista?
Um país com uma dívida pública, oriunda de administrações passadas, prevista para este ano, da ordem R$ 4,75 trilhões, destinados a financiar o déficit orçamentário federal, pode ter esperanças de superar seus óbices e voltar a crescer ou continuará sendo aquilo que sempre foi; isto é, o País da Fantasia e da Hipocrisia, onde os marginais são os donos das ruas, os cleptocratas comandam os destinos da nação e o povo trabalhador, alienado, assiste pela TV novelas e futebol, faz suas orações e, uma que outra vez, contenta-se em tomar uma cerveja gelada e por na grelha um pedaço de carne.
_*/ Economista e doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.
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