357. O relatório do representante do alto comissariado
Jober Rocha*
Face a recente deportação de milhares de brasileiros, que haviam tentado entrar ilegalmente nos Estados Unidos da América, um organismo de caráter internacional responsável pela análise dos fluxos migratórios e das levas de refugiados mundiais, enviou ao Brasil um membro do seu alto comissariado para averiguar o que estava ocorrendo neste nosso país, teoricamente, um dos dez mais ricos do mundo.
O importante funcionário aqui esteve durante um mês, entrevistando-se com autoridades governamentais, empresários e visitando diversas cidades do país.
Após este período retornou à sua sede e divulgou um relatório tratando das coisas que tinha aqui observado nos quatro principais campos do poder nacional: Político, Militar, Econômico e Psicossocial. Este relatório, inicialmente considerado confidencial, acabou vazando para a imprensa e para diversas agências mundiais de inteligência.
Em virtude de meus inúmeros contatos no submundo dos grandes negócios, acabei tomando ciência do relatório e conseguindo uma cópia do mesmo, cujo teor passo, em seguida, a relatar aos meus leitores:
Genebra, 17.02.2020
Do: Enviado pelo Alto Comissariado para Assuntos de Imigração e Refugiados
Assunto: Relatório de Situação
Senhores Dignitários do Alto Comissariado,
Tendo decorridos trinta dias da minha chegada ao Brasil, envio, nesta oportunidade, aos distintos membros e dignitários deste alto comissariado, as minhas observações acerca de uma tendência que se demonstrou geral e inata, na presente conjuntura, da tentativa de imigrar ou da imigração de fato de grande parcela de brasileiros para outros países do Primeiro Mundo.
Analisei aspectos referentes às quatro principais expressões do poder nacional, quais sejam: a Política, a Militar, a Econômica e a Psicossocial, que passo a expor a continuação.
Estou certo de que tais aspectos são os mais importantes, dentre tantos outros que deixei de mencionar (para não transformar este simples relatório em um tratado), para induzir os brasileiros a desejarem deixar o seu país em busca de novas terras, onde imaginam poder desfrutar de dias mais alegres e de melhores condições de vida.
Campo Militar
1. As forças armadas não dispõem de recursos para a alimentação de seus soldados, razão pela qual os quartéis funcionam, grande parte do ano, em regime de meio expediente. Inúmeras Organizações Militares foram desativadas e seus integrantes aposentados ou remanejados para outras;
2. Os navios, aviões, Carros de combate e demais veículos militares, em virtude da falta de peças de reposição, são totalmente canibalizados, para que alguns poucos possam continuar operando;
3. As munições, em estoque, são suficientes, apenas, para um dia de intensos combates.
4. Grande parte dos voos realizados pela Força Aérea, e do combustível utilizado nestas missões, são destinados ao transporte de políticos e de autoridades, com suas famílias e amigos;
5. A burocracia tomou conta do serviço público em geral, civil e militar;
Campo Político
1. Cada político custa, aos cofres da nação, cerca de U$ 7,4 milhões por ano;
2. Políticos condenados por crimes, pelo Supremo Tribunal Federal, não costumam perder os mandatos e ainda continuam fazendo parte de comissões nas duas casas legislativas da capital federal. Muitos frequentam o parlamento pelas manhãs e tardes e dormem em presídios durante a noite.
3. Cerca de, no mínimo, trinta por cento das vagas para cargos políticos são reservadas para as mulheres;
4. A partir da edição do Estatuto da Igualdade Racial (Lei nº 12.288/2010), e com o advento da reserva de vagas para negros nos concursos públicos (Lei nº 12.990/2014) e cotas para ingresso em universidades federais (Lei nº 12.711/2012), no mínimo dez por cento das vagas no parlamento (câmara e senado) serão destinadas a negros.
5. Cada um dos onze ministros do supremo custa, individualmente, RS 57,2 milhões ao ano;
Campo Econômico
1. Os juros mensais, cobrados pelos bancos privados, são os mais elevados do planeta, chegando ao percentual de 15% ao mês. Por outro lado, os lucros dos bancos estrangeiros que aqui operam são os mais elevados, considerando suas operações globais em todos os demais países;
2. As concorrências públicas são, em sua maioria, fraudadas e superfaturadas, custando para o setor público, no mínimo, o dobro do que custariam na realidade;
3. A maior parte das empresas, visando auferir maiores lucros, sem que o consumidor perceba, reduzem o peso e a quantidade das embalagens, mantendo o mesmo preço, sob as vistas, contemplativas e incentivadoras, das autoridades fiscalizadoras.
4. Praticamente nenhum comércio de pequeno porte fornece nota fiscal de compra e venda, sendo a sonegação neste segmento quase total;
Campo Psicossocial
1. Embora cerca de quinze por cento da população seja composta por aposentados, seis por cento por funcionários públicos e o desemprego seja da ordem de doze virgula sete por cento, o governo mantém o programa bolsa família (para cerca de 46 milhões de pessoas; isto é, um em cada quatro ou cinco cidadãos são beneficiados pelo programa bolsa família) e, além deste, outros programas como o auxílio gás, a bolsa alimentação, o auxílio luz, o auxílio amamentação, o seguro desemprego, a bolsa escola, a bolsa permanência em serviço, o auxílio reclusão, a bolsa prostituta e o auxílio natalidade. Ademais conta o país com cerca de 81 senadores e 513 deputados federais, recebendo altos salários e diversas mordomias; sem contar os 27 governadores, os 5.570 prefeitos, os 1.059 deputados estaduais e os 56.000 vereadores. Isto faz com que os cidadãos, ainda, em atividade laboral, trabalhem cerca de cinco ou mais meses por ano, de graça, apenas para pagar os impostos federais, estaduais e municipais devidos e que sustentam toda esta inflada estrutura;
2. Tão somente cinco por cento dos crimes de morte cometidos no país, são apurados. Destes, apenas dois por cento dos réus são sentenciados e menos de um por cento cumpre pena;
3. As inúmeras igrejas existentes costumam cobrar dízimos que variam de 10 a 30 por cento do salário mensal do fiel, rivalizando com as taxas cobradas pelos cartões de crédito, com os juros dos empréstimos bancários e com as propinas pagas em concorrências públicas;
4. Em cada quarteirão de qualquer cidade existe, no mínimo, uma farmácia, uma igreja ou templo e uma escola. Tal fato me deixou em dúvida sobre o que concluir. Por um lado, parece demonstrar que a população, embora excessivamente doente para consumir tantos medicamentos, possua desejos de aprender e de se instruir; bem como, fé em que dias melhores poderão advir através da devoção e da oração. Por outro lado, também posso concluir, hipoteticamente, que possa se dar o caso de, através destas atividades econômicas, se lavarem as almas dos seres humanos (dos vícios e dos demônios), os seus corpos (das enfermidades físicas e psíquicas) e as suas mentes (da ignorância e falta de instrução), além de se lavarem algumas “cositas mas” como costumam dizer os latinos.
5. Os réus, já condenados em primeira e segunda instâncias, só poderão ser presos caso condenados em terceira e última instância, que, infelizmente, não têm prazo para decidir sobre os casos a ela submetidos. Cerca de 169.663 réus, de um total de 706.929 condenados estão nesta situação.
6. Cinquenta por cento das vagas nas universidades públicas são destinadas a alunos oriundos do ensino médio público (reconhecidamente mais fraco do que o ensino médio privado). Da mesma forma, cinquenta por cento das vagas em universidades e escolas públicas são destinadas a cotas raciais (negros, pardos e indígenas);
7. Os sistemas de Saúde, Segurança, Transportes, Habitação, Saneamento e Educação são totalmente deficientes e não condizentes com uma economia que se gaba de ser a quinta ou a sexta do mundo;
Estas são, portanto, senhores dignitários, as razões que aqui encontrei e que pudessem justificar o inusitado e acendrado desejo que percebi por toda a parte, de pessoas querendo imigrar para países mais desenvolvidos do chamado Primeiro Mundo.
Esperando ter cumprido a contento a missão que me foi delegada, subscrevo-me atenciosamente.
Leon J. Arnold
A primeira impressão causada por este relatório, quando chegou à sede do alto comissariado, foi de um completo estupor por parte de seus integrantes. Os chefes e integrantes daquela entidade logo marcaram reuniões com os seus principais colaboradores, para analisar e discutir o conteúdo da referida nota.
Embora eu tenha sido informado por vias indiretas, de tudo aquilo discutido na sede do alto comissariado, várias agências de inteligência também receberam cópia do dito relatório (NSA e CIA – USA; Mossad – Israel; KGB e FSB – Rússia; MSS – China; BND – Alemanha; DGSE – França e M16 – Reino Unido) e, certamente, tomaram suas providências secretas. Eu apenas relatarei o que se passou na sede do alto comissariado por ter sido a reunião mais branda, mais pacífica e com as resoluções mais comedidas; já que, foram os únicos que entenderam o assunto da forma, supostamente inteligente, como o entenderam, em razão, talvez, da grande e tradicional experiência que tinham no trato com os integrantes dos governos brasileiros ditos socialistas, das três últimas décadas.
O diretor-geral daquele alto comissariado, após expor a todos o teor da mensagem, começou por elogiar a nossa agência de inteligência, considerando-a, mesmo, uma das melhores do mundo, tendo em vista aquela operação de contrainformação que havia armado.
Segundo ele, as informações pelo funcionário do alto comissariado fornecidas visavam, tão somente, fazer crer aos inimigos brasileiros, reais e potenciais, a fragilidade do nosso país nos quatro campos mencionados.
Evidentemente, aquilo era tudo mentira; pois, nenhum país do mundo era tão fraco militarmente, possuía políticos tão incapazes, uma economia tão sem controle e do tipo salve-se quem puder, governos tão corruptos e sistema judiciário tão frouxo. Segundo o diretor-geral, éramos muito mais espertos que os iranianos e os coreanos do Norte.
Ao contrario daqueles dois povos, que alardeavam seus progressos militares e nucleares, nós, fazendo o mundo acreditar que éramos tão fracos e corrompidos, deveríamos estar quase a ponto de obter nossa própria bomba nuclear, nosso submarino atômico, nosso foguete balístico intercontinental e nossas aeronaves de quinta geração; tudo isto - repetia o diretor - disfarçadamente, nas barbas dos países mais desenvolvidos e das Organizações Internacionais, que de nada suspeitavam.
Aquela operação dissimulada que havíamos preparado (enviando agentes ao exterior como emigrantes ilegais; subornando o enviado do alto comissariado com mulatas, carnaval e caipirinha, para que elaborasse este falso relatório) ficaria, para sempre, inserida nos anais da contrainformação mundial, ao lado mesmo das admiráveis operações do velho almirante Wilhelm Canaris, chefe da ABWER alemã, durante a Segunda guerra Mundial, e das operações Paperclip, MKultra, Pluto, Ira de Deus, Payback, Eiche, Entebbe, Lança de Netuno e Valquiria.
Como acerto final, ficou combinado que o alto comissariado intensificaria a coleta pessoal de informações em nosso país, enviando mais representantes e obtendo e analisando maior volume de informações na Internet.
Finda a reunião, o diretor-geral solicitou a permanência, no recinto, dos principais integrantes daquela instituição. Com as portas trancadas começaram, então, a discutir uma proposta adequada de salário, certamente irrecusável, para a contratação do chefe da agência de inteligência de nosso país, que, de forma tão hábil e surpreendente, arquitetara aquela magnífica operação de contrainformação. Completamente entusiasmado, naquela ocasião, o diretor-geral comentou com os demais integrantes daquela reunião:
- “Com uma pessoa tão inteligente deste quilate, em nossos quadros funcionais, destruiremos nossos inimigos, dominaremos o mundo e, finalmente, implantaremos a tão sonhada Nova Ordem Mundial”!
- “Daremos uma rasteira nos ‘Extraterrestres Greys’, que querem nos dominar! Seremos os únicos e exclusivos donos do nosso Sistema Solar, assolado, atualmente, por alienígenas que já possuem bases em Marte e na Lua! Em seguida, exerceremos o nosso domínio sobre todo o Universo e iremos conseguir mais, muito mais ainda...” – finalizou o diretor-geral do alto comissariado com os olhos marejados de lagrimas.
_*/ Economista e doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.
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