quinta-feira, 11 de abril de 2019

266. Entre a cruz e a caldeirinha...


Jober Rocha*


                                      A expressão “Entre a cruz e a caldeirinha”, originalmente formulada e repetida em muitas situações, referia-se à situação aflitiva daqueles que se encontravam em um estado de saúde grave ou, até mesmo, quase moribundos; isto é, sem nenhuma saída, tendo já ultrapassado o ponto de onde não há mais possibilidade de retorno e qualquer decisão seria fatídica. A expressão foi-se atenuando ao longo dos anos e hoje é usada para descrever, de forma sucinta, uma situação angustiosa na qual uma dificuldade depois de vencida nada resolve, porque outra lhe sucede. Mas a sua origem, evidentemente, tem que ver com a formulação inicial, quando os moribundos tinham sobre a cabeça um crucifixo e a seus pés uma pequena caldeira com água benta.
                                                      Os brasileiros, face a insegurança jurídica em que vivem na atualidade, estão vivendo, pode-se dizer, entre a cruz e a caldeirinha. Explico-me melhor: É fato notório que os integrantes dos três poderes da república, como exércitos beligerantes no teatro de guerra representado pelo país inteiro, invadem, com frequência, territórios que não lhes pertencem objetivando toma-los para si. O Judiciário legisla e assume funções executivas; o legislativo fiscaliza a aplicação das leis e assume funções executivas; o executivo, quando não consegue impor suas medidas (muitas delas ilegais e algumas inconstitucionais), tenta comprar o legislativo e o judiciário com dinheiro, emendas parlamentares e cargos na administração.
                                                      Assim é que o nosso país, como uma nação em guerra, sofre um enorme prejuízo anual com as marchas e contramarchas, com as nomeações e as demissões de apadrinhados; com as advocacias administrativas; com as legislações em causa própria; com os desperdícios; com os nepotismos; com as sinecuras; com os desvios de recursos públicos; com os superfaturamentos de obras e serviços; com as renuncias fiscais fraudulentas; com as ações policiais e judiciais sem fim e sem prazos para terminarem; com os infindáveis recursos, habeas corpus, embargos, etc.
                                                   O cidadão brasileiro, como um simples  soldado ou ‘pracinha’ nesta guerra de ‘generais’, é aquele que mais sofre. Sobre ele recai o ônus de todo esse descalabro; de toda esta falta de rumo; de toda esta suposta incompetência que o leva a verter, diariamente, sangue, suor e lágrimas (pois está é uma inépcia que é mantida de forma proposital pelos poderosos); de todo este atraso econômico e social; de toda esta burocracia que tem dificultado ou impedido o nosso progresso.
                                                 Recentemente alguém divulgou, na mídia, uma conversa ouvida entre políticos no parlamento, referindo-se às recentes medidas propostas pelo novo Presidente da República, através de seus ministros. Os políticos comentavam que não poderiam aprovar as novas medidas propostas pelo Ministro da Justiça (referentes aos crimes de corrupção, tráfico de drogas, etc.), nem pelo Ministro da Economia (referente à previdência social, privatizações, abertura de novos mercados, a volta de parceiros tradicionais afastados em virtude de posições ideológicas dos governos anteriores, etc.), por que, caso fossem aprovadas, o país iria crescer tanto (em termos econômicos e sociais) que o atual presidente seria reeleito quantas vezes quisesse ou faria todos os seus próximos sucessores. Neste caso, a indústria da seca no Nordeste (grande escoador de verbas públicas) e o apelo da esquerda à implantação do comunismo acabariam. 
                                                    Estas medidas, caso aprovadas, contribuiriam para afastar do parlamento muitos próceres da velha política que sempre se elegeram em virtude da nossa miséria.
                                                     Vejam, pois, caros leitores, como os interesses pessoais de grande parte dos políticos (e de muitas autoridades do executivo, do judiciário e do meio empresarial) se sobrepõem aos interesses populares e não deixam que o país se liberte definitivamente das amarras que o prendem ao subdesenvolvimento. É a miséria que mantém o povo desinformado, despolitizado, crédulo, inocente, acovardado. É a miséria do povo que permite que determinados políticos sejam sempre reeleitos, mantendo eternamente seus chamados ‘currais eleitorais’. Esses chamados currais não existem só na política, mas vigoram nos três poderes. Determinados ministérios, secretarias, empresas públicas, fundações, organismos, varas, seções, etc., pertencem, tradicionalmente, a determinadas famílias, correntes políticas e partidos, em uma sucessão de apaniguados que visam apenas seus interesses particulares e grupais.
                                               O arcabouço legislativo existente, quando deixa de atender aos interesses dos poderosos, é rapidamente substituído por outro (anunciado como mais moderno e mais vantajoso para a população), fazendo com que direitos adquiridos sejam perdidos.
                                                O professor Noam Chomsky, do MIT, estabeleceu dez princípios da concentração da riqueza e do poder, que podem ser encontrados em https://www.ocafezinho.com/2016/05/18 e que são mencionados a continuação. Estou certo de que estes princípios são seguidos, à risca, por grande parte de nossas autoridades. Os princípios são os seguintes:

Reduzir a Democracia – Fazer com que o povo tenha pouca margem de escolha e qualquer mudança no sistema seja pontual, nunca estrutural.
Moldar a ideologia - O povo precisa ser passivo e despolitizado. Deve saber o seu lugar na sociedade e não fazer nada para mudar isto.
Redesenhar a economia - Deixar os trabalhadores em constante medo de perder o emprego é fundamental para mantê-los em seu devido lugar.
Deslocar o fardo de sustentar a sociedade para os pobres e a classe média - No Brasil, segundo dados disponíveis, mais da metade da carga tributária é cobrada justamente daqueles que possuem menos, os mais pobres. Conforme estudo do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação, 53,8% do total de impostos arrecadados no país é pago por brasileiros com renda de até três salários mínimos, que representam 79% da população. 
Na prática são, portanto, os mais pobres aqueles que sustentam os programas sociais, o Sistema Único de Saúde e as escolas e universidades públicas. 28,5% da arrecadação vêm da ‘classe média’, famílias com renda entre três e dez salários mínimos, enquanto apenas 17,7% vem da classe média alta e da elite, isto é, dos brasileiros com renda superior à dez salários mínimos.
Atacar a solidariedade - A solidariedade entre a população é muito perigosa. Você deve se preocupar somente consigo mesmo, razão pela qual os governos esquerdistas fomentaram as divisões entre brancos e negros; entre católicos e protestantes; entre homossexuais e heterossexuais; entre sulistas e nordestinos; entre ricos e pobres; entre direita e esquerda, etc.
Controlar as Agências Reguladoras - A plutocracia no poder quer sempre um capitalismo de mentirinha, com um Estado-Babá sempre pronto a socorrê-la nas crises causadas por elas mesmas, enquanto a conta, é claro, fica para a classe média e para os pobres.
Controlar as eleições -  O financiamento privado de campanha cumpre um papel central na estratégia de dominação da plutocracia.  Deste modo a concentração de riqueza gera concentração de poder.
Manter a ralé na linha - regulamentar a terceirização do trabalho em todas as áreas e profissões.
Fabricar consensos e criar consumidores – Estabelecer outras formas de controle social. Uma delas é a ditadura do pensamento único e a fabricação de consensos por meio das grandes empresas de mídia, controladas pela plutocracia. Busca-se transformar os eleitores em meros consumidores de política. Escolher entre republicano ou democrata torna-se o mesmo que escolher entre Coca-Cola ou Pepsi, Nike ou Adidas, Windows ou Apple.
Marginalizar a população - Tamanha impotência diante do sistema gera frustração e ódio contra as instituições. Como a mídia fabrica consensos, gerando uma massa sem senso crítico e com um pensamento único, o povo compra facilmente o discurso das elites e passa a culpar o governo por todos os seus problemas. O objetivo é fazer as pessoas odiarem ‘tudo o que está aí’ e temerem umas às outras. A indignação contra a democracia cria terreno fértil para o surgimento de lideranças antidemocráticas, servindo de válvula de escape para a raiva da população, ao mesmo tempo em que atende aos interesses econômicos das elites.

                                           Vejam, portanto, meus caros amigos, que muito daquilo que se passa no executivo e no legislativo dos USA, onde vive o professor Chomsky, não é, em sua essência, diferente daquilo que se passa por aqui, embora em nosso país, sem dúvida alguma, esse muito seja inúmeras vezes potencializado. O que, certamente, será diferente entre os nossos dois países é o funcionamento do sistema judiciário. Lá, diferentemente do nosso país, a impunidade não se instala e progride; pois, a justiça costuma ser rápida e imparcial e a Suprema Corte Norte-americana só é acionada e se ocupa, apenas, daqueles casos que realmente lhe competem.
                                          Quando afirmei que os brasileiros se encontram entre a cruz e a caldeirinha, eu quis ressaltar que os nossos óbices são tantos e de tal magnitude, que alguém bem-intencionado, como o atual presidente, terá uma imensa dificuldade em reverter o presente quadro de falência democrática e institucional pelo qual passamos. 
                                                    Aparentemente, segundo alguns, somos uma democracia participativa onde reina a calma e a paz social. Na prática, somos uma ditadura de elites venais, que se aliam ora com a esquerda ora com a direita, visando seus interesses particulares e egoístas. Constituímos, pois, um vulcão prestes a explodir e estamos bem próximos daquele ponto de não retorno, isto é, entre a cruz e a caldeirinha...


_*/ Economista e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha. 

_*/ Da Academia Brasileira de Defesa.

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