134. O Analista de Curtidas, Comentários e Compartilhamentos no Facebook
Jober Rocha*
Após cerca de quarenta anos trabalhando como analista em uma agência de pesquisas de opinião, de propaganda e de marketing, ele, já aposentado e para manter-se em forma intelectualmente, afastando-se, assim, do Mal de Alzheimer (enfermidade comum às pessoas da sua família), resolvera dedicar-se à análise e a interpretação das curtidas, comentários e compartilhamentos de seus amigos virtuais, no Facebook (FB), e também dos amigos dos seus amigos.
Achava que com isto poderia descobrir, antecipadamente, alguma tendência psicossocial nascente; antecipar-se a possíveis revoltas e revoluções, em andamento; perceber mudanças no comportamento moral da sociedade brasileira; identificar novas ideologias sendo implantadas sub-repticiamente no país; constatar a morte de antigas religiões ou o desabrochar de novas seitas; etc. etc. etc.
Na realidade ele não saberia o que fazer, na prática, com o resultado das suas eventuais descobertas; mas, a preocupação maior que tinha, conforme já dito, era com a manutenção da saúde mental, evitando alguma doença que fosse fruto da ociosidade intelectual.
Dando início ao seu novo projeto de vida, começou, então, por pertencer ao maior número possível de grupos no FB e tentar obter a maior quantidade de amigos virtuais que se dispusessem a aceitá-lo como tal.
Feito isto, procurava, diuturnamente, alimentar os grupos a que pertencia com matérias polêmicas, que originassem inúmeros comentários, curtidas e compartilhamentos; os quais, ele, meticulosamente, catalogava, classificava e analisava estatisticamente, calculando a média, a moda, a mediana, a variância e o desvio padrão.
Em grupos ideológicos de direita ele postava matérias de esquerda, e vice-versa. Em grupos religiosos, divulgava textos ateus, e, em grupos ateus, matérias religiosas. Uma hora ele defendia o governo e em outra o atacava. Era contra e a favor da corrupção, contra e a favor do aborto. Homofóbico algumas vezes, defensor dos Movimentos GLBT em outras ocasiões. A favor da civilização em diversas oportunidades, e da barbárie logo em seguida. A polêmica era o seu objetivo e as discussões que se seguiam (por vezes acaloradas) o seu campo de pesquisas.
Suas matérias e comentários eram alvo da apreciação de muitos internautas e da total execração de inúmeros outros. Ele coletava, sistematicamente, todas as respostas às suas matérias; respostas estas em que buscava significados ocultos nas entrelinhas, além de correlacionar as mesmas com a alta do dólar, a queda na bolsa e a variação na taxa de juros.
Em pouco tempo o local do seu escritório, na residência, tornou-se pequeno para guardar tanta informação acumulada e ele passou a ocupar, também, um dos outros quartos do apartamento em que morava, no centro da cidade.
Parte substancial do seu salário de aposentado passou a ser gasta com folhas de papel A4 e com cartuchos de tinta da pequena impressora. Os relatórios e gráficos eram produzidos diariamente, e em enormes quantidades, correlacionando nomes de pessoas com posições ideológicas, religiosas, filosóficas e comportamentais. As paredes da casa eram cobertas por papéis contendo gráficos em barra, em setores, histogramas, etc.
Em breve, as matérias polêmicas que postava passaram a ser alvo da observação acurada das agências governamentais de inteligência; dos movimentos revolucionários extremistas radicais, instalados no país e no exterior; e dos fundamentalistas religiosos, notadamente os islâmicos. Mais um pouco e os seus passos passaram a ser seguidos e vigiados, bem de perto, por uma gama enorme de indivíduos desejosos de expulsar seu corpo físico definitivamente do nosso planeta e a sua alma desta dimensão, despachando-a para outros planos de existência.
Uns achavam que ele constituía uma ameaça potencial à democracia; outros que ele era uma ameaça real à ditadura do proletariado; outros, ainda, imaginavam que ele ameaçava a volta da monarquia e dos regimes autocráticos; alguns achavam que ele as incentivava.
Religiosos o julgavam o próprio anticristo ou, no mínimo, um integrante graduado das hordas de Satanás. Ateus o viam como um fanático religioso, discípulo e seguidor de Antônio Conselheiro, líder da comunidade de Canudos, na Bahia, ou de James Warren ‘Jim’ Jones, fundador e líder do grupo ‘Templo dos Povos’, que se suicidou com todos os seus seguidores em Jonestown, na Guiana.
Alguns dos grupos a que ele se vinculara no FB, passaram, a partir de então, a exigir a aprovação prévia, por qualquer dos responsáveis pelo grupo, de todas as matérias postadas. Assim, sempre que recebiam algum texto dele, simplesmente, negavam logo a sua divulgação, sem a necessidade de maiores explicações, prévias ou posteriores.
Diversos amigos virtuais deixaram de seguir o seu nome ou passaram a ocultar as publicações dele, na página inicial do FB. Em pouco tempo, ele, um ilustre desconhecido perdido na multidão dos internautas, passou a ser monitorado por diversas entidades secretas, nacionais e internacionais. Sua vida esteve por um fio em inúmeras ocasiões, sendo ele, milagrosamente, salvo das mãos dos carrascos, exclusivamente, pela graça da Providência Divina.
Enquanto isto, as suas análises estatísticas prosseguiam. Chegou a descobrir uma alta correlação positiva entre o aparecimento, no FB, de notícias sobre a presença de naves alienígenas nos céus do país e as prisões de políticos brasileiros no âmbito da operação Lava a Jato. Isto o levou a concluir que seres extraterrestres, capturados em nosso território, em razão da alta tecnologia de que dispunham para ler as mentes e chegar aos pensamentos de políticos e empresários, estariam colaborando com a Justiça Brasileira para a análise da veracidade das delações premiadas dos envolvidos; objetivando, com isto, cair nas boas graças das nossas autoridades e facilitar as suas próprias liberações de volta ao espaço sideral de onde vieram. Ele chegou, mesmo, a preparar uma matéria a este respeito e divulgá-la em um dos grupos do FB, que tratava de assuntos relacionados com UFO’s e outros casos insólitos.
Em uma análise que fez encontrou correlação inversa entre o montante roubado dos cofres públicos brasileiros, pelos políticos e empresários corruptos, e a taxa de mortalidade no Zimbabwe, país da África austral anteriormente conhecido como Rodésia do Sul. Quanto mais se roubava aqui, ao longo dos anos, mais a mortalidade decrescia naquele país africano. Isto o levou a concluir que nem tudo estava perdido; já que, alguma coisa de bom resultara do roubo escancarado praticado contra o nosso erário público. Talvez, com a divulgação, na Mídia, daquele resultado que obtivera em suas análises, os políticos e empresários brasileiros envolvidos na Lava a Jato acabassem, até, por vir a receber medalhas e comendas da ONU e daquele país africano, como causadores que teriam sido (através de suas ações criminosas, ao longo dos anos) de uma maior longevidade da população do Zimbabwe.
Alcançou inúmeras e inéditas conclusões, ao correlacionar a mortandade de peixes nas lagoas brasileiras, com a quantidade de bombas lançadas pela coalizão no Iraque e com os preços do cacau na bolsa de Nova Iorque. Passava os dias, as tardes e as noites redigindo textos em que analisava as correlações que descobria entre as mais diversas variáveis, e as implicações políticas, econômicas, militares e psicossociais destas relações mútuas de dependência que detectava.
Certo dia concluiu que o fim do mundo estava próximo, pois encontrara uma relação direta de dependência (uma correlação positiva) entre a queda de meteoros na superfície da Lua e a extinção de diversas espécies animais e vegetais em nosso planeta. Como a queda de meteoros naquele satélite natural aumentava a cada dia, supôs que todas as espécies logo se extinguiriam em nosso planeta. A partir desta conclusão, vendeu tudo o que tinha, encerrou a sua participação em todos os grupos do FB, desfez todas as amizades virtuais e desapareceu.
Um amigo de infância dele, em viagem de férias pelo sertão da Paraíba, afirmou ter visto um tipo muito parecido trajando bata branca encardida e suja de pó, portando um cajado e vasta cabeleira branca, além de comprida barba emaranhada, seguido por meia dúzia de adeptos andrajosos que entoavam cânticos religiosos, enquanto ele, vociferando, lançava pragas e maldições à tecnologia da Informática e a sua disseminação através das redes sociais...
-*/ Economista e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.
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