sábado, 11 de agosto de 2018

242. Sobre as velhas amizades e o nosso eterno egoísmo...


Jober Rocha*



                                 Recente uma matéria que recebi pelo ‘whatsapp’, vinda de um amigo de infância, dizia o seguinte:

                                       “Talvez um dia todos nós, amigos eternos, iremos nos separar e sentiremos saudade de todas as conversas jogadas fora, dos sonhos que tivemos, da amizade que desfrutamos. Os dias irão passar e com eles os meses e os anos, até que esse contato que sempre mantivemos entre nós se torne cada vez mais raro.
                                         Uma ocasião, no futuro, nossos filhos verão aquelas velhas fotos que tiramos juntos e perguntarão: - Quem são essas pessoas? 
                                              Naquela oportunidade, com toda a certeza, a saudade irá bater em nossos corações e em nossas mentes e, com os olhos cheios de lágrimas, diremos: - São meus velhos amigos e foi com eles que vivi os melhores momentos da minha vida”!

                                                  O texto, capaz de nos emocionar na atualidade, evidentemente, buscava destacar o papel da amizade na vida das pessoas. Ocorre que implícito neste destaque, que é dado à amizade, encontra-se a figura do nosso velho egoísmo. 
                                                        Aos leitores que não entenderam aonde eu quis chegar com este meu pensamento, explico-me melhor: o que o texto deixa implícito, para aqueles que conseguem ler nas entrelinhas, é que, no futuro, os nossos olhos cheios de lágrimas não chorarão pela amizade que tínhamos pelos nossos antigos companheiros; mas, sim, pelos melhores momentos das nossas vidas, que poderiam ter ocorrido, também, na companhia de outras pessoas que não esses velhos amigos pranteados. 
                                                        Essa saudade e este resgate, que buscamos em nosso passado, dizem respeito a uma época em que ainda tínhamos sonhos, em que desconhecíamos as vicissitudes que o destino nos reservaria e na qual os nossos entes mais queridos ainda estavam todos vivos. São estas características e estas particularidades que fazem com que sintamos saudades daquela fase de nossas existências, nos emocionemos e vertamos as copiosas lágrimas mencionadas no final do texto recebido.
                                                     Quando falamos dos amigos da juventude e logo as imagens de alguns deles nos venham instantaneamente à mente, com toda a certeza, como sempre ocorreu desde que o primeiro homem pisou o solo do planeta, constatamos, em razão da distância que nos separa daquele tempo e por possuirmos, hoje, maior conhecimento sobre os seres humanos e suas idiossincrasias do que tínhamos naquela época, que aqueles velhos amigos eram, também, regidos por seus próprios interesses e por suas eventuais necessidades, sonhos e objetivos. 
                                                       Assim, não podemos afirmar com plena convicção e sem medo de errar, principalmente depois de transcorridos tantos anos, que nossos velhos e inesquecíveis amigos nunca chegaram a nos trair ou a nos enganar, quando não de fato e de forma concreta, ao menos em desejo ou em vontade; que nunca tiveram nenhum pensamento mau a nosso respeito e que sempre foram nossos amigos fiéis e incondicionais; que nunca conspiraram contra nós, principalmente quando nossos interesses mútuos conflitavam. 
                                                  Da mesma forma, esses questionamentos também podem ser feitos com relação aos nossos antigos amores que, na ocasião em que ocorreram, todos nós julgávamos únicos e eternos.
                                          Creio que foi o filósofo Aristóteles (384 a.C. a 322 a.C.), em sua ‘Ética a Nicômaco’, um dos primeiros a escrever substancialmente sobre a amizade, que considerava uma virtude extremamente necessária à vida. Segundo alguns pesquisadores, os escritos de Aristóteles consistem na mais completa e bela análise que, filosoficamente, já se fez sobre o fenômeno da amizade. Pena que, naquela oportunidade, a Ciência da Psicologia ainda não tivesse sido desenvolvida e atingido o estágio atual, pois estou certo de que o filósofo teria abrilhantado, ainda mais, as suas conclusões sobre o assunto.
                                                 Embora o conhecimento e o estudo dos fenômenos de ordem psicológica já fizessem parte da Filosofia desde o tempo dos filósofos gregos, o termo Psicologia só foi encontrado, pela primeira vez, em livros filosóficos do século XVI. Foi formado pela junção de duas palavras gregas: ‘psique’ (alma) e “logos” (doutrina ou ciência); sendo a alma considerada como o princípio subjacente a todos os fenômenos da vida mental e espiritual.
                                                     Só a título de curiosidade encontramos que, no ano de 1590, Rudolf Goclenius já se referia a Psicologia como sendo a Ciência da Alma; todavia, apenas em 1879 a Psicologia separou-se da Filosofia, da qual até então fizera parte
                                                    Pode-se constatar, segundo afirmações de diversos pensadores da antiguidade, que a felicidade e o prazer sempre foram os dois grandes objetivos humanos, a nortearem as ações dos indivíduos durante as suas existências terrestres e a constituírem fonte inesgotável de ocupação do tempo e da mente dos filósofos e dos homens de Ciência, desde priscas eras.
                                                     Assim, buscando as origens das ações humanas que conduziriam à felicidade ou à infelicidade, através do campo da Ciência, o médico e psicanalista Sigmund Freud (1856-1939) estabeleceu o Princípio do Prazer (ou do egoísmo) que, traduzido em outras palavras, seria o desejo de gratificação imediata que acompanharia todos os indivíduos em suas ações. Tal desejo conduziria o ser humano a buscar o prazer e a evitar a dor, mais ou menos na mesma linha de raciocínio seguida desde a antiguidade clássica por alguns filósofos.  
                                                    O Princípio de Prazer (por Freud estabelecido), opor-se-ia ao Princípio de Realidade (também por ele formulado) que se caracterizaria pelo adiamento da gratificação do prazer. O Princípio da Realidade faria, assim, parte do amadurecimento normal do indivíduo, ao aprender a suportar a dor e adiar a gratificação do prazer. Ao fazer isso, ele passaria a reger-se menos pelo Princípio do Prazer e mais pelo Princípio da Realidade, embora, subjacente aos seus atos reinasse o prazer ou o egoísmo; isto é, o amor exagerado aos próprios interesses ou ao exclusivismo, que leva uma pessoa a se tomar como referência a tudo.
                                                          Em sua atuação clínica, segundo narram os seus biógrafos, Freud chegou à conclusão de que a mente funcionava de modo a desejar alcançar o prazer e evitar o desprazer. Assim, se por último lugar o psiquismo buscava eliminar excitações, por primeiro lugar almejava alcançar prazer. Logo, a sensação de prazer era a experiência qualitativa de uma redução de excitações dentro do psiquismo, ou seja, prazer significava descarga de excitações.
                                                       Mesmo que os meus queridos leitores possam não acreditar nisto, estou convencido de que o fator que faz com que busquemos expandir as nossas amizades, principalmente na fase da mocidade, é este malfadado Princípio do Prazer, descrito por Freud. 
                                                    O Princípio da Realidade faz com que sejamos mais seletivos com respeito à novas amizades na idade madura e, mais seletivos ainda, na idade provecta. Nossos prazeres com a maturidade são de outras naturezas (referem-se ao aprendizado e ao trabalho de um modo geral ou ao conhecimento acerca de alguma coisa específica, em particular; as viagens; ao acompanhamento da vida dos filhos, dos netos e familiares; aos prazeres da mesa e da cama, etc.). A mocidade, no entanto, nos pega totalmente desprotegidos e com a guarda aberta, seja em razão de ainda não termos conseguido refrear ou domar integralmente o nosso EGO, seja pela ânsia de conhecimentos sobre tudo o que é novo e desconhecido, seja pela falta de maturidade e de experiência de vida; assim, acabamos, em muitos casos, sendo verdadeiros escravos de determinados prazeres nesta fase da vida, sendo a obtenção e a conservação de amigos um deles. É nessa época que são desenvolvidos também os vícios, que podem vir a abreviar a nossa existência ou a desencaminhá-la, e alguns destes vícios costumam ser, na realidade, trazidos até nós pelos próprios amigos de então.
                                                       Mas, seguindo a linha de raciocínio anterior, lembro-me bem de um depoimento que ouvi de um ex - combatente da Segunda Guerra Mundial, que havia saltado de paraquedas em território francês durante o desembarque na Normandia, no Dia D. Ele fora convidado a repetir, sessenta anos depois, o salto que fizera naquele fatídico dia 06 de junho de 1944, junto com outros paraquedistas sobreviventes. Na ocasião do novo salto, ele declarou: - Venho aqui, hoje, resgatar o meu passado!
                                                       Notem que ele não disse que veio rever velhos amigos ou companheiros de juventude e de caserna, mas, apenas, resgatar o seu passado, época em que, certamente, era saudável, nada temia e tinha todo um futuro pela frente. 
                                                Ao fazê-lo, através daquele salto comemorativo, era como se tudo aquilo que vivenciou fosse revivido em sua mente, como se ele rejuvenescesse novamente através de uma mágica poção constituída pela emoção de pular de uma aeronave no vazio, suspenso, apenas, por um simples paraquedas. 
                                                   Ali, pendurado naquele paraquedas no espaço, não estava mais o ancião carcomido pela velhice, pelas enfermidades, pelas dívidas, pelas infelicidades da existência e pela proximidade da morte; mas, simplesmente, o jovem que nada temia, que acreditava no futuro e que resolvera enfrentar seus desafios, medos e temores em busca de um destino melhor e promissor.
                                                         É esse mesmo sentimento que todos nós vivenciamos ao nos reunirmos com velhos amigos de infância ou de juventude. O que buscamos, através das conversas que mantemos e das recordações que teimamos sempre em trazer à baila e reviver, nestas ocasiões, é retornarmos àqueles anos em que tudo podíamos e que o futuro somente a nós mesmos pertencia, segundo acreditávamos. Ao fazer isto, estaríamos tentando trazer de volta o passado e mantê-lo aprisionado, mesmo que por alguns minutos, enfatizando, assim, mais o Princípio do Prazer que o Princípio da Realidade, já que este jamais poderá ser comparado com aquele.
                                                        Não foram os amigos os responsáveis pelos melhores momentos de nossas vidas, embora possam ter participado deles. Como alguém já disse, em alguma ocasião, a felicidade estará, ou não, sempre dentro de nós mesmos. Não a encontraremos solitária, vagando pelas ruas a procura de alguém em quem possa se instalar e, no momento seguinte, fazer feliz. 
                                                    Não quero que pensem, contudo, que sou refratário a amizade nem aos amores. Eles nos ajudam a suportar, muitas vezes, o pesado fardo da existência humana e servem de apoio e incentivo para que nos superemos e consigamos nos realizar plenamente.
                                                Finalizando, como tudo na vida possui, no mínimo, duas interpretações, reporto-me a dois pensamentos opostos sobre a amizade:
                                               “É preciso ter sempre alguém em quem se possa confiar e falar abertamente, ao menos em um raio de dez quilômetros. Não adianta se estiver mais longe do que isso”. (Guerdjef).

                                                “Não te abras com teu amigo, que ele outro amigo tem; e o amigo do teu amigo, possui amigos também...” (Mario Quintana).


_*/ Economista e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.

Um comentário:

  1. Caro " velho" amigo.
    Belas e profundas considerações. Considero a amizade como as que temos entre bequeanos, tão natural que nem imagino usar de empatia para aprofundar relacionamento. Não há posturas avaliativas de julgamentos para quaisquer momentos da vida transcorrida.
    Forte abraço, parabéns, obrigado, Darley

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