143. Desisto!
Jober Rocha*
Caros leitores, eu peço a todos que me perdoem este desabafo, mas, infelizmente, cheguei à triste conclusão de que é inútil despender qualquer esforço maior, tentando mudar o atual quadro psicossocial brasileiro.
Tudo por aqui caminha mal. Tudo, ou quase tudo, aquilo que parte da iniciativa do governo (municipal, estadual e federal) é mal feito, por ignorância ou de forma proposital. Estamos regredindo diariamente, sob os olhares complacentes de autoridades que deveriam ser as promotoras e guardiãs das leis, da ordem e do desenvolvimento.
Muitos cidadãos, fanatizados por suas ideologias, criticam o que ainda existe de bom e de certo e elogiam o que vigora de mau e de errado (que buscam generalizar para o país inteiro), em uma transvaloração de valores. Apenas no Estado em que nasci e onde vivo, morre um policial quase que diariamente, assassinado por marginais. Os combustíveis são fraudados e dezenas, senão milhares, de veículos estão nas oficinas, com sérios problemas de motor, em razão dos efeitos danosos dos solventes misturados ao álcool e a gasolina por empresários desonestos e inescrupulosos.
Rouba-se por todos os lados, em todas as horas do dia e da noite. As ruas, estreitas em sua maioria, estão constantemente engarrafadas de veículos durante o dia inteiro, dificultando o ir e vir das pessoas para os seus trabalhos, para as suas casas e para os seus lazeres. Os transportes coletivos, sempre apinhados de passageiros, jamais cumprem seus horários.
Os hospitais e postos de saúde, congestionados de pacientes, carecem de médicos, de enfermeiros, de materiais e de equipamentos. Por outro lado, profissionais de saúde, mal remunerados, perdem o estímulo que tinham e, na falta de apoio institucional, limitam-se apenas ao trivial, sem nenhuma dedicação maior ou interesse pela situação dos impacientes pacientes.
Nas escolas públicas professores com os salários aviltados e, muitas vezes, recebendo-os com atraso de alguns meses, sofrem nas mãos de alunos totalmente desinteressados em aprender algo de útil, que possibilite os seus ingressos futuros no mercado de trabalho. Em vários setores da máquina estatal, pessoas normalmente despreparadas profissionalmente ocupam funções técnicas ou de chefia, às quais foram guindadas pelo nepotismo ou pelo apadrinhamento político-partidário.
No setor empresarial, a regra, quase sempre, é apenas a de visar o ganho de lucros máximos, sem nenhum compromisso com a qualidade ou a com a durabilidade dos itens produzidos. Os azeites são fraudados, conforme denunciam os órgãos de imprensa. Frauda-se nos pesos, nos tamanhos, nos componentes e ingredientes dos produtos. Remédios são feitos apenas com farinha e não com os sais químicos informados nas bulas. Injetam-se bolhas de ar dentro das embalagens, para caber menos produtos; colocam-se os biscoitos inclinados dentro de seus pacotes, para caber menos; constantemente diminui-se a quantidade oferecida nas embalagens, mantendo-se o mesmo preço.
Agentes fiscalizadores do Estado, em muitas ocasiões, fazem vista grossa a estas irregularidades em razão de propinas recebidas. Muitos afirmam que a nossa agropecuária e o setor energético já pertencem, em sua maioria, aos chineses, que os adquiriram bem barato em época de recessão econômica. Os setores industriais se desnacionalizam a olhos vistos em razão da falta de recursos e da queda nas vendas, motivadas pela má administração de governos sucessivos. A recessão está batendo a nossa porta e qualquer um pode constatar a quantidade de lojas, empresas, consultórios, salas de profissionais liberais, fechadas nestes dois últimos anos em todas as cidades e capitais do país. Cerca de 20 milhões de pessoas estão desempregadas e o déficit orçamentário do governo federal é da ordem de quase duzentos bilhões de reais.
Relativamente aos indivíduos eleitos para nos representar nas assembleias legislativas, na câmara e no senado, dá até desânimo comentar, tantos são os casos escabrosos relatados pela mídia envolvendo a maioria destes políticos. Mais da metade dos cerca de quinhentos e poucos deputados, integrantes da Câmara, respondem a processos na justiça. No senado deve ser a mesma coisa.
No que respeita às religiões, constata-se que muitas delas transformaram-se em negócios altamente lucrativos, tendo em vista uma população inculta, despolitizada e ingênua como a nossa. Muitos sacerdotes praticam verdadeiros atos de estelionato com os seus seguidores, obrigando-os, através de ações psicologicamente formuladas, a venderem seus bens e doarem o valor apurado nas vendas a estes sacerdotes, com a promessa de que receberão do Criador muito mais do que aquilo que doaram.
O contrabando tornou-se algo corriqueiro, vendido nas ruas e praças das cidades. Pelas fronteiras desguarnecidas do país entram armas, munições, cigarros, perfumes, roupas, bebidas, etc. etc. etc. Os dois primeiros itens abastecem o crime organizado e também o desorganizado. Os demais abastecem as populações pobres em razão dos baixos preços, já que não pagam impostos.
As chamadas ‘balas perdidas’ são encontradas nos corpos de cidadãos pacatos que tentam conviver com a guerra civil urbana não declarada de direito, mas existente de fato. Facções criminosas trocam tiros, entre si, pela disputa de pontos de venda de drogas e também com a polícia, que apenas ‘enxuga gelo’ ao reprimi-las, pois logo seus integrantes presos estarão nas ruas novamente.
Milhões de desempregados perambulam pelas ruas do país buscando alguma alternativa que lhes permita sobreviver: vendendo balas nos sinais de trânsito ou fazendo malabarismos; trabalhando como camelôs; guardando ou lavando veículos (os chamados ‘flanelinhas’); distribuindo folhetos de publicidade, etc. etc. etc. Epidemias de dengue, chigungunha, zika, febre amarela, etc. povoam as nossas cidades e campos, fazendo milhares, senão milhões, de vítimas anuais. Vetores outros, como ratos, moscas e baratas também povoam as cidades aos milhões, trazendo com eles mais enfermidades e mais vítimas.
As nossas forças armadas, empobrecidas e desmotivadas, muitas vezes, operam em regime de meio expediente, por não terem condições de fornecer comida para os seus integrantes. Os equipamentos estão sucateados e os treinamentos e exercícios profissionais também são reduzidos, por medida de contenção e economia. Bases Aéreas e quartéis foram alienados para a iniciativa privada. O projeto do submarino movido a energia nuclear parou por falta de recursos. Dizem que as forças armadas, em conjunto, teriam munição apenas para um dia de combates.
Em grupos do Facebook destinados ao comentário de assuntos filosóficos, científicos e religiosos, seus integrantes se digladiam trocando ofensas quando possuem pontos de vista contrários sobre qualquer assunto. A competição atual não é mais apenas por empregos, mas também por idéias e pontos de vista. Todos querem a prevalência dos seus e, quando isto não ocorre, partem para as ofensas pessoais, injúrias e difamações.
As agências dos bancos e as repartições públicas, em suas maiorias, apresentam filas colossais. As filas dos primeiros, certamente, não são devidas à carência de recursos financeiros, como alegado pelos responsáveis pelas segundas. Nestas filas, muitas vezes, perdemos uma boa parte do dia, quando não o dia inteiro. As fraudes são muito comuns e sobejamente conhecidas: aparelhos que retém os cartões magnéticos dos clientes nos caixas eletrônicos; boletos de pagamento falsos, que enviam os recursos pagos para contas diferentes das verdadeiras.
Assaltos e roubos, nas vias públicas, ocorrem infinitas vezes; já nem sendo mais comunicados às autoridades policiais pelas vítimas, notadamente o roubo dentro de coletivos e o furto de celulares. Nosso país é o maior, mundialmente, em número de roubos de veículos e roubo de cargas.
A burocracia estatal aumenta a cada dia. Dezenas de certidões (com firma reconhecida) e de cópias autenticadas são solicitadas para tratar de assuntos corriqueiros. Para abrir uma empresa, contratar um empregado, mudar de atividade, fabricar alguma coisa, exercer qualquer atividade, têm-se que recolher diversas guias de impostos e taxas aos cofres públicos. A burocracia é tão grande que se têm, com frequência, de contratar despachantes para obter aquilo que poderia ser resolvido de forma simples e imediata. O Estado não tem prazo para responder as solicitações do contribuinte, mas os contribuintes têm prazo para solicitar ao Estado, seja lá o que for.
Se algum leitor acredita que este quadro possa, eventualmente, vir a ser modificado no futuro, eu respondo que penso haver um vício intrínseco ou uma falha de origem a permear a chamada ‘civilização brasileira’, contaminando nossa gente e nossas instituições. Uma entropia, que se apresenta ciclicamente, parece desorganizar e destruir parte daquilo de bom que havia sido feito, até então, deixando incólume o que de mal foi realizado e que ainda existe.
Se pedissem uma receita ao Prêmio Nobel de Economia, sobre a forma de consertar o país, antes de se pronunciar sobre problemas econômicos, ele, com certeza, diria: em primeiro lugar construam presídios e façam cumprir a lei, inexoravelmente. Nada de prisões domiciliares, indultos de natal, de páscoa, do dia dos pais, do dia das crianças, de São João, etc. Criminosos condenados a trinta anos de cadeia deveriam cumpri-los integralmente e não cumprir apenas seis anos, como na atualidade. Em segundo lugar, acabem com os privilégios dos políticos e das autoridades: nada de veículos oficiais, planos de saúde no exterior, aposentadoria após o segundo mandato, foro privilegiado, verbas de gabinete, emendas parlamentares, assessores, abonos, residências oficiais, empregados domésticos, auxílios moradia, creche, etc. etc. etc. Os políticos são empregados do povo e não patrões. Em sua maioria, em nosso país, eles ganham tanto ou mais que muitos empresários de sucesso, dirigentes e donos de grandes empresas, para o pouco que fazem. As imagens feitas no plenário da câmara e do senado mostram, quase sempre, a maioria das cadeiras vazias ou diversos políticos dormindo.
Finalizando, quero dizer a todos que cansei de esperar por alguma mudança na triste realidade do nosso país. Não vejo nenhuma possibilidade desta mudança ocorrer no futuro; pelo contrário, a situação deve se agravar com a entrada de milhares, senão milhões, de imigrantes e refugiados políticos vindos de distantes países islamitas, do Haiti, da Venezuela, etc. Não pretendo tomar parte na guerra fratricida que, sem dúvida alguma, acabará por se instalar definitivamente no país. Pretendo mudar-me para outro lugar, distante daqui. Portugal é uma boa alternativa para os aposentados. De lá, passeando por ruas e avenidas tranquilas e seguras, saboreando bolinhos de bacalhau e tomando vinho em algum restaurante lisboeta, estarei sempre ligado, acompanhando de perto o sofrimento dos brasileiros no país que não deu certo.
_*/ Economista e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.
_*/ Economista e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.
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