130. A Arte e a Ciência de passar despercebido
Jober Rocha*
É uma característica natural, da maior parte dos seres humanos, gostar de se destacar em alguma coisa, de ser notado e admirado pelos demais. Desde os tempos mais remotos, inúmeros personagens famosos, ao longo da História Humana (reis, imperadores, filósofos, inventores, escritores, médicos, guerreiros, sacerdotes, etc.), têm buscado sobressair-se sobre seus contemporâneos, deixando seus nomes indelevelmente escritos no Livro da Vida.
Muitos tiveram os seus nomes imortalizados em razão de suas virtudes, outros em razão de seus vícios; mas o fato é que, tanto uns quanto os outros, destacaram-se em suas épocas, chamando a atenção daqueles que viviam neste mundo e despertando sobre eles a atenção dos que habitavam no mundo dos Deuses e das Divindades, fazendo com que alguns destes (com poder decisório sobre o trânsito das almas humanas), focassem seus espíritos e olhares divinos naquelas simples criaturas feitas de matéria.
Conta-se que um centurião romano que, por covardia, fugia de uma batalha, ao ser repreendido pelo próprio imperador, César, sacou da espada e tentou matá-lo, para poder continuar fugindo; sendo morto pela guarda pessoal do imperador. Ao despertar a atenção para a sua pessoa, o centurião encontrou a morte. Talvez, se houvesse se entregado ao inimigo como prisioneiro ou se escondido em uma gruta, atrás de alguma pedra, teria sobrevivido alguns anos a mais.
Por outro lado, inúmeros são os episódios em que a longa vida desfrutada por milhares, se não por milhões, de indivíduos deveu-se, unicamente, ao fato de terem passado totalmente despercebidos no período de suas existências, sem nunca e em nada se destacarem (a não ser na Ciência e na Arte de camuflarem os seus corpos e as suas qualidades). Para isto, contribuiu muito a sabedoria que tais indivíduos foram capazes de desenvolver e acumular ao longo de suas vidas; mas, como nada deixaram por escrito sobre tema tão importante, tomo eu a iniciativa de fazê-lo para satisfação daqueles que se interessam em poder desfrutar de uma vida longa.
Inicialmente, todo aquele que se destaca, chama a atenção dos semelhantes e provoca, de início, ciúmes e inveja daqueles que não possuem aquelas qualidades que fizeram com que ele se destacasse.
Em segundo lugar, aqueles que se distinguem dos demais, por saberem que são melhores do que eles, em alguma coisa, se transformam em pessoas orgulhosas e passam a atrair, mais ainda, os ciúmes e a inveja dos seus contemporâneos; porém, agora, dois possíveis novos sentimentos entrariam em cena, quais sejam: os da raiva e da vingança. Sejamos sinceros e objetivos: reconheçamos que os seres humanos sentem raiva dos indivíduos orgulhosos e buscam deles se vingar, quer os leitores acreditem ou não nesta afirmação. Observem os seus ambientes de trabalho e contemplem os vizinhos que possuem no entorno da suas residências, para verem se tenho ou não razão?
Aqueles que, em sentido oposto, se distinguem por suas maldades e péssimas qualidades são, também, objeto de raiva e de vingança por parte de seus contemporâneos, evidentemente.
Isto tudo que foi dito já fora percebido, desde a mais remota antiguidade, pelos eremitas. Tanto é assim, que sempre procuraram o ermo das florestas e os cumes das altas montanhas geladas para edificarem suas covas, onde passariam o resto de suas vidas (que seria, certamente, bem longa), meditando, alternadamente, sobre assuntos supérfluos e importantes. Digo supérfluos e importantes, porque quem já tentou meditar sabe do que estou falando. Noventa e nove por cento dos pensamentos que nos assediam, durante uma seção de meditação, são sobre coisas supérfluas. Só a muito custo conseguimos expulsá-los e deixar fluir o um por cento das coisas importantes.
Mas, voltando ao assunto principal: ao despertarmos a atenção dos nossos contemporâneos sobre as qualidades ou defeitos que temos, nós atraímos, como mencionado, todos aqueles sentimentos já referidos; porém, ao chamarmos a atenção dos Deuses sobre as nossas pessoas, seja pelo excesso de virtudes ou de vícios, corremos o grande risco de sermos por eles chamados, logo em seguida, para elogios, no primeiro caso, ou para reprimendas, no segundo.
Assim, depois de muito meditar, cheguei a algumas conclusões sobre a Arte e a Ciência de desfrutar de uma vida longa; as quais, eu passo a relatar aos leitores que tiveram a cortesia e a amabilidade de chegarem até esta parte:
1. Viaje com freqüência, pois quando o Criador se lembrar de você, terá dificuldades ou mesmo não conseguirá encontrá-lo em trânsito; tantas são as escadarias dos aeroportos e dos metrôs, os conveses dos navios, os pubs londrinos, os museus franceses, etc. etc. etc.
2. Faça longas caminhadas pelas matas fechadas (usando roupas camufladas para dificultar sua localização); fique fora do seu domicilio a maior parte do tempo (já que este é um ponto de referência para pessoas mal intencionadas que queiram abreviar sua passagem pelo planeta, e para espíritos etéreos, estes a lhe buscarem por ordem do Criador pelas razões já expostas); use roupas que não despertem a atenção dos olhares humanos ou do Olho de Horus (aquele olho do Deus egípcio que tudo vê). Seja comedido em tudo o que fizer. Fale baixo. Não emita a sua opinião para estranhos; não busque discussões pelo simples prazer de vencê-las. Não se vanglorie de nada. Não queira amealhar riqueza, pois esta é uma das coisas que mais desperta a atenção, neste plano físico e no plano etéreo, sobre você.
3. Não busque a glória efêmera de um destaque humilhante sobre os seus contemporâneos; glória esta que poderá abreviar-lhe os dias. Ao contrário, seja conhecido como aquele indivíduo irresponsável e que nada leva a sério. Os humanos escarnecerão de você, chamando-o de um ‘pobre coitado’, e os Deuses o deixarão em paz; pensando: - Este pobre de espírito ainda tem muito que aprender para evoluir. Deixemo-lo ficar mais um pouco, neste planeta de expiação e de aprendizado...
4. Passe a maior parte do tempo em alguma biblioteca pública, lendo ou escrevendo. Aproveite o longo tempo que irá desfrutar com este seu anonimato, para instruir-se e, quem sabe, não necessitar mais voltar a um planeta como este onde nada parece dar certo, onde todos são inimigos de todos, onde os viciosos parecem mais felizes e mais bem aquinhoados do que os virtuosos, onde as injustiças parecem ser a tônica e o mérito causa inveja e é malvisto.
Evidentemente, estas regras não valem para aqueles que acham ‘valer mais um gosto do que seis vinténs’ e que estão em busca de qualidade de vida e não de quantidade de dias vividos. A estes, recomendo-lhes que rasguem este texto ao terminar a sua leitura ou que o guardem no armário do banheiro; pois, nunca se sabe do dia de amanhã...
_*/ Economista e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.
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