quinta-feira, 1 de dezembro de 2016


129. Uma Noite Inesquecível**

Jober Rocha*


         Ninguém saberia dizer como aquela notícia, da vinda e do pouso de uma nave com extraterrestres, chegou à pequena cidade de São João Marcos em uma tarde ensolarada do mês de maio de 1935; mas, o fato é que ela se propagou como um rastilho de pólvora, entre os seus pacatos moradores urbanos e a gente humilde e trabalhadora do campo.
            A notícia surgiu, inicialmente, em uma conversa informal no Bar do Landi (imigrante de origem italiana, residente no local desde há muitos anos). Dali caminhou para a igreja, onde, naquele exato momento, se realizava uma missa pela alma do fazendeiro Juvêncio, falecido em queda do cavalo enquanto cavalgava bêbado, de volta para a sua fazenda. Da missa a notícia seguiu para o bordel local, conhecido como Casa da Dolores, onde o assunto foi motivo de especulações entre os frequentadores; bem como, de dúvidas por parte das moças que ali trabalhavam. Dentre estas dúvidas, a primeira e principal era saber se os extraterrestres frequentariam ou não aquele local mal afamado. A segunda, caso a primeira se confirmasse, era saber quais as suas preferências femininas. A terceira era imaginar em qual moeda pagariam as despesas e a cotação dela com relação a nossa própria moeda.
        Da Dolores a notícia seguiu célere para a Loja Maçônica da cidade, onde foi objeto de comentários, por parte do Mestre de Cerimônias, durante o Tempo de Estudos e, em razão de haver se tornado motivo de inúmeras discussões acirradas entre os aprendizes, companheiros e mestres, o Venerável viu-se obrigado a encerrar a sessão daquela noite de segunda-feira com um único e rápido golpe do malhete (os leitores maçons, evidentemente, entenderão melhor todo este processo).
          Como a maioria das pessoas mais influentes da cidade fazia parte da Maçonaria, a notícia logo estava em todas as casas; dali, se espalhando rapidamente para os cortiços e para os casebres da periferia.
           No dia seguinte apareceu uma nota no pequeno jornal local ‘ São João Marcos News’, que dizia: “Cabograma recebido dos Estados Unidos da América do Norte confirmou a iminente descida em São João Marcos, de uma nave tripulada por extraterrestres, originária de distante constelação. Segundo a agência de notícias americana, os interesses dos alienígenas são totalmente pacíficos e visam, unicamente, ao estreitamento dos laços de amizade com os habitantes de São João Marcos, povo ordeiro e trabalhador, cuja fama de boa gente já ultrapassou o nosso Sistema Solar e atingiu os mais distantes rincões do Universo”.
           O Conselho Municipal, imediatamente, se reuniu para traçar uma estratégia de como fazer para recepcionar tão distintas personalidades, viajantes estelares cheios de saber, conhecimento e experiência.
          A primeira medida foi selecionar a Comissão de Recepção, que seria constituída pelas famílias do prefeito, do juiz, do promotor, do delegado e pelo padre da igreja matriz. Alguns abastados fazendeiros se ofereceram para adquirir, por alto valor, alguma vaga ou desistência de última hora.
            A segunda medida foi elaborar um programa de atividades e de visitas ao município e seus arredores. A inauguração da nova creche, a visita à lagoa dos jacarés e uma ida ao mirante, faziam parte da programação.
                    A terceira foi de definir um local para o pouso e de mandar construir uma pequena pista e uma sede (onde as altas autoridades e os viajantes pudessem se confraternizar, beber da aguardente local, trocar presentes e saborear alguns quitutes preparados por Dona Cotinha, baiana e viúva do antigo médico da cidade). Os habitantes locais, no entanto, não contavam com o fato de aquela nota do jornal haver extrapolado as fronteiras do município e ter atingido outras cidades vizinhas.
              Pouco tempo depois, inúmeros veículos a motor, carroças puxadas por bois e burros, viajantes a pé e a cavalo, começaram a chegar à sede do município, lotando os dois pequenos hotéis e o galpão nos fundos da igreja matriz.
                 O prefeito já havia mandado fazer uma placa de bronze a ser colocada em local de destaque, com os seguintes dizeres: “Os extraterrestres, em reconhecimento a excelente administração do prefeito Zequinha na Prefeitura de São João Marcos, decidiram visitar o município no ano de 1935, durante o seu mandato, para colher subsídios sobre como bem administrar uma cidade, de modo a poderem levar novos conhecimentos de Administração Pública para a Galáxia e para o Sistema Solar de onde vieram”.
                 O padre, baseando-se na iniciativa do prefeito, também havia mandado fazer placa para colocar nas proximidades do altar-mor, nos seguintes termos: “No ano da graça de 1935, viajantes extraterrestres oriundos do espaço sideral, tendo tomado ciência das palavras proferidas pelo padre Josias no púlpito da Igreja Matriz de São João Marcos (quando este falava sobre a existência de um messias, na antiga cidade de Jerusalém, que pregava a existência de um Reino dos Céus), vieram diretamente daquele referido Reino dos Céus para confirmar ao ilustre povo deste nosso município, como a mais absoluta das verdades, tudo aquilo que, até então, havia sido dito pelo venerado padre Josias”.
                  A Associação dos Estudantes de São João Marcos, capitaneada por Dona Dorinha, diretora do grupo escolar local, iniciou a confecção de diversas faixas e cartazes de boas vindas a tão distintos visitantes. As faixas, dentre outras coisas, diziam: “Estudantes de São João Marcos saúdam ilustres visitantes extraterrestres e pedem o fim da discriminação planetária!”. “Queremos fazer intercâmbio cultural e estagiar no planeta de vocês!” “Pela gratuidade no transporte intergaláctico!” “Pelo fim do lixo espacial!”
                      Alguns dos bares da cidade lançaram novos pratos e diferentes drinques, apelando para a inusitada notícia, que atraía turistas até aquele distante município. Assim, anunciavam: “Filé à Extraterrestre (filé com arroz, fritas e um tempero secreto de origem extraterrestre)”; “Sopa de Poeira Espacial (grãos de poeira espacial, ervilhas e torradas produzidas pelo atrito na atmosfera terrestre); “Batida Estelar (cachaça, suco de meteoro e gotas de orvalho, batidos no vácuo).
                 Pelas ruas da cidade foram sendo instaladas diversas barraquinhas, cujos proprietários pareciam orientais e os produtos que vendiam assemelhavam-se àqueles originários da China. Havia naves espaciais que apitavam e acendiam luzes coloridas, foguetes que soltavam fumaça e disparavam raios luminosos, máscaras de seres extraterrestres, etc.
                    O Governador do Estado, cuja sede do governo ficava na Cidade de Niterói, adiantando-se ao prefeito do Município de São João Marcos, enviou uma equipe, daquela capital, para montar o sistema de som, o palanque e as arquibancadas, pois pretendia fazer um discurso de saudação aos visitantes e tentar obter recursos financeiros à fundo perdido, para algumas obras que marcariam com ‘chave de ouro’ o final do seu governo.
                 Na Cidade do Rio de Janeiro, Capital Federal, a pequena notícia do jornal ‘São João Marcos News’ também havia chegado, por intermédio de um assessor parlamentar que retornava das férias em casa de parentes naquele longínquo município. Logo, formou-se uma comitiva de deputados e senadores que, desejosos de comparecer ao evento, solicitaram passagens e diárias para uma semana, além de prepararem uma ‘Moção de Boas Vindas’ e de concederem, a todos os extraterrestres, a ‘Comenda do Mérito Parlamentar Interestelar Brasileiro’, criada especificamente para agraciar tão nobres visitantes. 
                  O Presidente da República, também alertado, só não iria ao histórico acontecimento em razão de compromissos internacionais inadiáveis, ademais de pane no Rolls Royce presidencial.
               Em poucos dias o município regurgitava de gente. Os alojamentos e acomodações eram insuficientes para tantas pessoas. Muitos dormiam nas calçadas, sob marquises. Alguns trouxeram barracas e as montavam próximo ao local onde seria efetuado o pouso da nave.
                  O discurso que o prefeito faria acabou vazando para a imprensa e, pelo que foi divulgado no jornal local, começava assim: “Caríssimos, idolatrados e magnânimos seres de outras galáxias. Nesta benfazeja ocasião em que pautado pelos mais nobres sentimentos de fidalguia, de fraternidade, de cordialidade e de admiração me dirijo a vossas excelências espaciais...”
                    Em um mutirão incessante, as ruas eram varridas, as paredes caiadas, as árvores podadas, o lixo recolhido. O delegado e alguns agentes faziam incursões na periferia, para deter os poucos e conhecidos ‘ladrões de galinha’ que viviam pelas aforas da cidade.
             Finalmente, chegou o grande dia, previsto não se sabe por quem, para a descida dos alienígenas. O pouso se daria por volta das vinte horas, no local demarcado. Enorme multidão aguardava, na hora aprazada, a chegada da nave. As principais agências espaciais, do mundo inteiro, embora desconfiadas de charlatanice, haviam enviado seus observadores e as moças da Casa da Dolores jamais tinham tido tantos clientes pagando em moedas fortes (dólares, euros, rublos, ienes e yuans).
                    Minutos antes das vinte horas, uma agitação percorreu a multidão. Alguém afirmara haver visto uma luz se movendo no negro céu. Alguns apontavam para o norte, outros para o sul. Fotógrafos e cinegrafistas preparavam suas câmeras e flashes. Infelizmente, tinha sido apenas um boato falso.
                Chegaram as vinte e uma, vinte e duas, vinte e três, vinte e quatro horas, e nada dos extraterrestres aparecerem. Começou a ventar e a esfriar e, por volta das duas da madrugada, caiu um forte aguaceiro, obrigando a maioria dos presentes a se dispersar. Muitos voltaram para suas casas ou para seus quartos nos hotéis. Os que estavam nas barracas, após consumirem diversas garrafas de cachaça, dormiam a sono solto. Alguns, mais religiosos, ajoelhados e molhados pela chuva, oravam, tremendo de frio.
                   Em pouco tempo, já não restava mais ninguém naquele local. Garrafas e latas vazias, sacos plásticos, jornais e revistas, caixotes e restos de comida atirados ao solo, atestavam que a raça humana ainda não estava preparada, culturalmente, para o contato com deuses oriundos do espaço e pertencentes à outra raça, talvez milhares de anos, mais evoluída que a nossa.
Ao longe eram ouvidas risadas e musica sendo tocada na Casa da Dolores, onde as moças eram insuficientes para atender a tantos clientes.
                    Os únicos que viram a grande nave iluminada, sobrevoando baixo o lugar do pouso, foram um cavalo que pastava e um gato, caminhando por sobre as telhas de um telhado em busca de uma gata. Tendo a nave, com quatro visitantes extraterrestres, feito duas passagens baixas, quase tocando o solo, e não encontrando ninguém no local, velozmente retornou para a imensidão do espaço sideral de onde viera...


_*/ Economista e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.
_**/ Conto premiado no Concurso Literário de Contos de São João Marcos - 2016

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