262. Por que na velhice nos tornamos rabugentos, e seletivos com respeito às amizades
Jober Rocha*
Rabugento, como todos sabem, é aquele que tem mau humor, intolerância e tende a implicar e a se queixar de tudo. Também é conhecido como irritadiço, rabuja, ranheta e ranzinza. Esta é uma característica comum a muitos idosos, como eu e, talvez, como você.
Sem nenhuma pretensão de passar por psicólogo, creio que os motivos que conduzem muitos a tornarem-se rabugentos na velhice estão ligados a causas como: Percepção de que a vida se esvai diariamente e não podem fazer nada a respeito, a não ser lamentarem-se; frustração por não terem conseguido realizar os sonhos que sonharam na juventude; desilusões de ordem afetiva, laboral, familiar, financeira, sexual, etc.
Acompanhada da rabugice vem, também, uma maior seletividade com respeito aos novos e aos velhos amigos. Creio que isso se dá em virtude de aquele sentimento, comum na juventude, de perdoar eventuais falhas de caráter alheias (ou mesmo de chegar a vencer a intolerância que muitos nos causam), por desejar ser bem aceito por alguém ou pelos demais, objetivando ser querido ou mesmo vir a pertencer à algum grupo, vai se atenuando ou perdendo com a idade e com a maturidade que normalmente a acompanha.
Com a idade e a vivência, passamos a ser mais críticos e menos condescendentes com os erros, falhas e omissões. Isto ocorre por já termos presenciados, ao longo da vida, inúmeros episódios em que tais condescendências conduziram a situações infelizes, dolorosas e algumas vezes trágicas.
Por outro lado, de tanto ver prevalecer as injustiças, nosso sentimento particular de justiça se acendra e fica mais sensível, fazendo com que julguemos os demais com muito maior rigor do que deveríamos.
Por sermos, em teoria, mais experientes, somos também mais cobrados e, em reciprocidade, também cobramos mais.
Alguém poderia argumentar: - Mas, sendo vocês mais idosos e mais experientes, deveriam ser mais tolerantes e mais compreensivos.
Concordo, apenas, em parte. A tolerância e a compreensão, embora consideradas virtudes éticas por alguns filósofos, como Aristóteles (que as considerava ligadas a alma, quando esta era moderada ou guiada pela razão) e como virtudes cardeais por Santo Ambrósio e Tomás de Aquino, por exigirem a disciplina dos desejos, também podem ser prejudiciais quando aplicadas de forma generalizada e não de maneira excepcional e com um caráter seletivo. Explico-me melhor: aqueles que exercem às atividades de mestre, de fiscal e de juiz, por exemplo, só podem ser tolerantes e compreensivos com os erros, as falhas e as omissões, de forma excepcional e, mesmo assim, analisando caso a caso; pois, ao contrário, agindo de forma generalizada, afastar-se-iam das suas missões de ensinar, de fiscalizar e de julgar.
Voltando, pois, ao tema discutido, para muitos de nós a vida se encarregou de demonstrar que os amores e as amizades nem sempre são eternas como inicialmente pensávamos. Que os amigos e os amantes também traem, nem sempre por desejarem conspirar contra nós de forma maldosa, mas, apenas, por considerarem seus interesses próprios em primeiro lugar. Que a bondade e a caridade nem sempre significam virtudes, mas, por vezes, vícios naqueles que estão acostumados a gozar de satisfação toda vez que praticam algum ato bom ou caridoso. Que muitas vezes, por uma transvaloração de valores, o mal pode ser considerado bem e este, por sua vez, ser considerado mal.
E assim, meus caros, amigos, chegamos à idade madura com as nossas idiossincrasias que nos transformam, algumas vezes, em velhos ranzinzas e refratários às novas amizades e, por vezes, a algumas amizades antigas.
Não mencionarei razões ideológicas, políticas e patológicas que também tornam os idosos (e muitos jovens) intolerantes com respeito a certas pessoas que abordam determinados assuntos ou pensam de determinada maneira.
Em contrapartida, existem, também, os anciãos carentes; isto é, aqueles que, por razões distintas daquelas aqui já mencionadas, se tornaram dependentes da afeição alheia. Não tentarei analisar as condicionantes destes casos, por fugirem ao escopo inicial do presente texto.
O fato é que passamos a ser menos tolerantes com os erros alheios e a nos policiarmos menos com respeito àquilo que a esquerda nominou de comportamento politicamente correto. Na velhice, costumamos dar às coisas os verdadeiros nomes que elas possuem, por razões de ordem filológicas e genealógicas e não por motivos conjunturais, de ordem político-social.
Também nos tornamos menos tolerantes com respeito a ignorância alheia. Pelo fato de muitos anciãos possuírem uma razoável cultura e outra relevante experiência, tornam-se menos condescendentes com a ignorância alheia. Coisas que por eles são sabidas, desde há muito tempo, não admitem que sejam, ainda, ignoradas ou desconhecidas por seus interlocutores. De tanto verem determinadas ações e procedimentos, empregados no passado por diversas vezes, darem errado e proporcionarem resultados catastróficos em muitas ocasiões, passam a ser críticos ferrenhos daqueles que ainda teimam em utilizá-los por desconhecimento de seus péssimos resultados ou efeitos.
Muitos, por saberem que só lhes restam poucos anos mais de vida, procuram se fixar apenas nas coisas importantes, deixando de lado as que são acessórias e que fazem a felicidade dos mais novos. Por isto, com frequência, são criticados por estes como sendo rabugentos, de mau humor e intolerantes.
A própria saúde, debilitada, faz com que as nossas fontes de preocupação se desloquem dos assuntos do momento para os nossos assuntos particulares. Saber-se com uma moléstia grave, com a necessidade de uma cirurgia cara e perigosa, com depressão, etc. retira todo o bom humor que uma pessoa idosa, porventura, já teve alguma vez na sua vida.
As dificuldades de ordem financeira, na velhice, constituiriam a pá de cal a ser atirada no ultimo resquício de bom humor que poderia haver sobrado intacto no íntimo de algum ancião aposentado ou pensionista da previdência oficial.
Por estas razões, caro leitor abaixo dos cinquenta anos, seja menos crítico com relação aos seus amigos e parentes provectos. Entenda que eles não são o que são por vontade própria, mas pelos condicionantes da existência humana. Você, com toda a certeza, será como eles quando chegar a sua vez. Torça para que o compreendam quando chegar esta ocasião e que o desculpem pelo fato de ser um velho rabugento.
*_/ Economista e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.
*_/ Economista e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.
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