sábado, 16 de março de 2019


263. Recordando as velhas comédias de pastelão


Jober Rocha*


                                 Segundo os dicionários, as comédias de Pastelão consistiam em um determinado gênero de comédias cinematográficas em que predominavam cenas de tropelias; explorando-se motivos de riso fácil e gosto discutível, implicando, por vezes, até em violência física entre os atores e coadjuvantes.
                                              O termo em português derivou das cenas usadas com frequência neste tipo de comédia, em que um conflito ou briga acabava descambando para uma "guerra de comida", com os personagens jogando tortas e/ou pastelões uns nos outros.
                                               Mal comparando é o que se vê, desde há muito tempo e com excessiva frequência, em vários dos representantes dos três poderes da república e em autoridades das diversas expressões do poder nacional.
                                               As cenas são tantas e, caso suas motivações e seus efeitos perversos não conspirassem contra os destinos da própria nação para se tornar uma potência mundial e o dos cidadãos aspirarem a viver em um país desenvolvido, seriam, sem dúvida alguma, apenas motivo para muitos risos e chacotas.
                                                   Aqueles que me leem não pensem que me refiro aos três poderes da república do momento, mas, como já dito anteriormente, essa comédia de pastelão é encenada e repetida milhares de vezes (se não milhões), pelos representantes dos três poderes e outros dirigentes da sociedade civil, nos níveis federais, estaduais e municipais, desde há muitos anos e em diversas administrações.
                                             Se duvidam de mim procurem acompanhar, através de vídeos recentes e antigos, as seções dos parlamentos federais, estaduais e municipais. Ali encontrarão cenas cômicas que, por serem tão engraçadas, deixariam ofuscados até comediantes clássicos, como Charles Chaplin, Keaton, Harold Lloyd, Roscoe Arbuckle, Harry Langdon, Raymond Griffith, André Deed, Max Linder, Stan Laurel, Oliver Hardy, Mack Sennett e os nossos Oscarito, Mazzaropi, Grande Otelo, Ankito, etc. 
                                                   Pena que os atores destas cenas a que me refiro estavam dispondo, com suas falas e seus atos, sobre os nossos destinos de cidadãos e sobre os destinos do nosso país. E o pior de tudo isto é que tais artistas representando seus papéis no cenário nacional não se veem como aquilo que em realidade são, isto é, simples cômicos ou bufões a serviço de um partido, de uma ideologia ou de seus próprios interesses; mas, se imaginam como artistas sérios e importantes na ribalta, representando importantes papéis dramáticos nos palcos dos parlamentos, onde, infelizmente, suas falas, seus diálogos, seus pronunciamentos, não são mais do que simples representações teatrais que sempre fazem em busca de aplausos, porém, algumas vezes, recebendo vaias e apupos de uma ou outra plateia contrariada. Algumas vezes parlamentares atiram objetos em direção a outros parlamentares, como se tratassem de tortas das antigas comédias de pastelão.
                                                  Vejam os prejuízos acarretados ao país por medidas erradas, tomadas por certas autoridades públicas à nível ministerial, que deveriam ser especialistas nas áreas em que atuam; porém, que nada mais são do que simples políticos ali colocados em razão de acordos partidários. Muitas medidas tomadas por eles são, pouco depois, canceladas, modificadas ou substituídas por outras, para, pouco depois, serem, novamente, canceladas, modificadas ou substituídas, em um círculo vicioso atroz que demonstra incompetência e descaso. Parece, muitas vezes, que estamos assistindo àqueles velhos filmes dos Três Patetas (Moe Howard, Larry Fine e Curly Howard), nos quais as tropelias se sucediam umas às outras provocando gargalhadas do público espectador.
                                                  Observem as manobras judiciais que fazem alguns dos representantes das mais altas cortes, para condenar ou absolver determinadas personalidades políticas e empresariais que não podem ser condenadas ou, então, que devem ser condenadas. Em análises casuísticas e através de pareceres esdrúxulos, juristas ‘vendem seus peixes’ para uma plateia desatenta e desinteressada dos problemas nacionais, que aplaudem ou vaiam tão somente de acordo com suas conveniências pessoais ou ideológicas. Por vezes, assistindo à sessão de alguma alta corte sobre determinado assunto jurídico, me vem à mente cenas de alguns dos filmes de Charles Chaplin, como, por exemplo, Tempos Modernos e o Grande Ditador.
                                                       Contemplem os acordos internacionais e/ou os empréstimos, sem garantias, estabelecidos com ‘países amigos e ideologicamente afinados’, acordos e/ou empréstimos estes lesivos para o nosso país e em alguns casos criminosos. Em vários desses acordos e/ou empréstimos os verdadeiros objetivos, velados, eram apenas os de transferir dinheiro para fora do país, de modo a fortalecer as economias e as ações políticas ideológicas de determinadas nações comunistas do continente sul americano. Em outros era a de perdoar dívidas e/ou de transferir dinheiro para ditaduras africanas de modo a receber, de volta, parte deste dinheiro público depositada em contas particulares no exterior. Tais episódios assemelham-se aos daquelas comédias de O Gordo e o Magro, em que o vilão, de início levando vantagem, ao final, acaba preso e encerrado em uma cela de algum presídio situado em local distante.
                                                        Atentem para os ataques e as defesas feitas por alguns organismos da imprensa e da Grande Mídia, em geral, com respeito a diversas personalidades públicas que precisam ser defendidas (por representarem a manutenção do ‘Status Quo’ e a continuação do apoio a uma mídia venal que subsiste com recursos públicos) ou que precisam ser atacadas (por representarem o combate ao mesmo ‘Status Quo’ e o fechamento das torneiras por onde se esvaem as verbas públicas milionárias de propaganda e de publicidade). Alguns destes episódios poderiam fazer parte de comédias como Les Vacances de Monsieur Hulot, com Jacques Tati.
                                                      Mirem o que ocorre nas escolas públicas brasileiras, desde as de primeiro grau até as universidades. Alunos exercendo domínio sobre funcionários e professores; depredando instalações públicas e implantando, muitas vezes, verdadeiros regimes de terror ideológico nas instituições de ensino públicas, com agressões físicas e verbais a professores e a funcionários.
Nas altas esferas da educação nacional, supostos pedagogos e psicopedagogos, que encontraram um lugar ao sol na administração pública em virtude do nepotismo ou de alguma sinecura, introduzem novas regras nas escolas e novas matérias na grade curricular, sem se darem conta do atraso a que submetem nossos jovens estudantes quando comparados aos estudantes de outros países. Vale lembrar que em recente pesquisa divulgada pela UNESCO - The Education for All (EFA) / Global Monitoring Report (GMR), o nosso país (em um ranking, com 127 países, que mede o desempenho na educação) ficou na 88ª posição. Com este resultado, o Brasil ficou atrás de vizinhos sul-americanos como Argentina, Chile, Equador e Bolívia.
                                                 Podemos atribuir tudo isto a simples incompetência pedagoga ou, indo mais além, imaginarmos um plano macabro e maquiavélico de impedir os nossos jovens de pensarem por si mesmos, com clareza, discernimento e objetividade (e desta forma evitarem a assimilação de determinada ideologia espúria muito disseminada no meio escolar).
                                                     Poderíamos seguir discorrendo sobre tudo aquilo que ocorre em muitos outros setores nacionais; todavia, nosso objetivo não é o de despertar o riso nos leitores, como ocorre nas chamadas comédias de pastelão. Nestas comédias as cenas são fictícias e planejadas para provocar o riso do público. Em nosso país as cenas cômicas (e trágicas ao mesmo tempo) de nossas autoridades são reais e ocorrem por falta de planejamento, por ausência de protocolos de engajamento, por má fé ou por simples incompetência e despreparo dos atores.
                                                      Como a história da cinematografia evoluiu ao longo dos tempos, esperemos que a nossa sociedade faça o mesmo e que nos livremos de autoridades que, não sendo nem formadas em artes cênicas e em dramaturgia, são, contudo, especialistas em promover comédias, em inventar dramas e em desempenhar farsas...
_*/ Economista e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.


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segunda-feira, 4 de março de 2019

262. Por que na velhice nos tornamos rabugentos, e seletivos com respeito às amizades


Jober Rocha*


                                 Rabugento, como todos sabem, é aquele que tem mau humor, intolerância e tende a implicar e a se queixar de tudo. Também é conhecido como irritadiço, rabuja, ranheta e ranzinza. Esta é uma característica comum a muitos idosos, como eu e, talvez, como você.
                                              Sem nenhuma pretensão de passar por psicólogo, creio que os motivos que conduzem muitos a tornarem-se rabugentos na velhice estão ligados a causas como: Percepção de que a vida se esvai diariamente e não podem fazer nada a respeito, a não ser lamentarem-se; frustração por não terem conseguido realizar os sonhos que sonharam na juventude; desilusões de ordem afetiva, laboral, familiar, financeira, sexual, etc.
                                             Acompanhada da rabugice vem, também, uma maior seletividade com respeito aos novos e aos velhos amigos. Creio que isso se dá em virtude de aquele sentimento, comum na juventude, de perdoar eventuais falhas de caráter alheias (ou mesmo de chegar a vencer a intolerância que muitos nos causam), por desejar ser bem aceito por alguém ou pelos demais, objetivando ser querido ou mesmo vir a pertencer à algum grupo, vai se atenuando ou perdendo com a idade e com a maturidade que normalmente a acompanha.
                                              Com a idade e a vivência, passamos a ser mais críticos e menos condescendentes com os erros, falhas e omissões. Isto ocorre por já termos presenciados, ao longo da vida, inúmeros episódios em que tais condescendências conduziram a situações infelizes, dolorosas e algumas vezes trágicas. 
                                             Por outro lado, de tanto ver prevalecer as injustiças, nosso sentimento particular de justiça se acendra e fica mais sensível, fazendo com que julguemos os demais com muito maior rigor do que deveríamos.
                                                  Por sermos, em teoria, mais experientes, somos também mais cobrados e, em reciprocidade, também cobramos mais.
                                                Alguém poderia argumentar: - Mas, sendo vocês mais idosos e mais experientes, deveriam ser mais tolerantes e mais compreensivos. 
                                                  Concordo, apenas, em parte. A tolerância e a compreensão, embora consideradas virtudes éticas por alguns filósofos, como Aristóteles (que as considerava ligadas a alma, quando esta era moderada ou guiada pela razão) e como virtudes cardeais por Santo Ambrósio e Tomás de Aquino, por exigirem a disciplina dos desejos, também podem ser prejudiciais quando aplicadas de forma generalizada e não de maneira excepcional e com um caráter seletivo. Explico-me melhor: aqueles que exercem às atividades de mestre, de fiscal e de juiz, por exemplo, só podem ser tolerantes e compreensivos com os erros, as falhas e as omissões, de forma excepcional e, mesmo assim, analisando caso a caso; pois, ao contrário, agindo de forma generalizada, afastar-se-iam das suas missões de ensinar, de fiscalizar e de julgar.
                                                      Voltando, pois, ao tema discutido, para muitos de nós a vida se encarregou de demonstrar que os amores e as amizades nem sempre são eternas como inicialmente pensávamos. Que os amigos e os amantes também traem, nem sempre por desejarem conspirar contra nós de forma maldosa, mas, apenas, por considerarem seus interesses próprios em primeiro lugar. Que a bondade e a caridade nem sempre significam virtudes, mas, por vezes, vícios naqueles que estão acostumados a gozar de satisfação toda vez que praticam algum ato bom ou caridoso. Que muitas vezes, por uma transvaloração de valores, o mal pode ser considerado bem e este, por sua vez, ser considerado mal.
                                                      E assim, meus caros, amigos, chegamos à idade madura com as nossas idiossincrasias que nos transformam, algumas vezes, em velhos ranzinzas e refratários às novas amizades e, por vezes, a algumas amizades antigas.
                                                   Não mencionarei razões ideológicas, políticas e patológicas que também tornam os idosos (e muitos jovens) intolerantes com respeito a certas pessoas que abordam determinados assuntos ou pensam de determinada maneira.
                                                   Em contrapartida, existem, também, os anciãos carentes; isto é, aqueles que, por razões distintas daquelas aqui já mencionadas, se tornaram dependentes da afeição alheia. Não tentarei analisar as condicionantes destes casos, por fugirem ao escopo inicial do presente texto. 
                                                      O fato é que passamos a ser menos tolerantes com os erros alheios e a nos policiarmos menos com respeito àquilo que a esquerda nominou de comportamento politicamente correto. Na velhice, costumamos dar às coisas os verdadeiros nomes que elas possuem, por razões de ordem filológicas e genealógicas e não por motivos conjunturais, de ordem político-social.
                                                       Também nos tornamos menos tolerantes com respeito a ignorância alheia. Pelo fato de muitos anciãos possuírem uma razoável cultura e outra relevante experiência, tornam-se menos condescendentes com a ignorância alheia. Coisas que por eles são sabidas, desde há muito tempo, não admitem que sejam, ainda, ignoradas ou desconhecidas por seus interlocutores. De tanto verem determinadas ações e procedimentos, empregados no passado por diversas vezes, darem errado e proporcionarem resultados catastróficos em muitas ocasiões, passam a ser críticos ferrenhos daqueles que ainda teimam em utilizá-los por desconhecimento de seus péssimos resultados ou efeitos.
                                                     Muitos, por saberem que só lhes restam poucos anos mais de vida, procuram se fixar apenas nas coisas importantes, deixando de lado as que são acessórias e que fazem a felicidade dos mais novos. Por isto, com frequência, são criticados por estes como sendo rabugentos, de mau humor e intolerantes.
                                                A própria saúde, debilitada, faz com que as nossas fontes de preocupação se desloquem dos assuntos do momento para os nossos assuntos particulares. Saber-se com uma moléstia grave, com a necessidade de uma cirurgia cara e perigosa, com depressão, etc. retira todo o bom humor que uma pessoa idosa, porventura, já teve alguma vez na sua vida.
                                                  As dificuldades de ordem financeira, na velhice, constituiriam a pá de cal a ser atirada no ultimo resquício de bom humor que poderia haver sobrado intacto no íntimo de algum ancião aposentado ou pensionista da previdência oficial.
                                                 Por estas razões, caro leitor abaixo dos cinquenta anos, seja menos crítico com relação aos seus amigos e parentes provectos. Entenda que eles não são o que são por vontade própria, mas pelos condicionantes da existência humana. Você, com toda a certeza, será como eles quando chegar a sua vez. Torça para que o compreendam quando chegar esta ocasião e que o desculpem pelo fato de ser um velho rabugento.


*_/ Economista e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.