258. Os Mitos Metafísicos
Jober Rocha*
A ideia de elaborar este texto surgiu durante uma conversa com um jovem de 9 anos que me fez uma pergunta e eu, para responde-la, tive de usar um pouco de imaginação; o que acabou por dar ensejo a ideia de escrever algo sobre tema tão interessante.
Para que eu seja compreendido de forma inteligível e idêntica por todos os meus estimados leitores, definirei, inicialmente, os sentidos dos principais vocábulos a serem utilizados neste texto.
Segundo pode ser visualizado no Wikipédia, a biblioteca da WEB, o termo Mito consiste em uma narrativa de caráter simbólico e imagético (Imagético consistindo em estruturas abstratas e genéricas advindas da dinâmica da imagem e caracterizadas pela observação humana); ou seja, o mito não é uma realidade independente, mas evolui com as condições históricas e étnicas relacionadas a uma dada cultura, que procura explicar e demonstrar, através da ação e do modo de ser dos personagens, a origem das coisas. Assim, seria correto dizer que o mito depende do tempo e do espaço para existir e para ser compreendido.
A Metafísica, por sua vez, consiste em uma disciplina da Filosofia e, ainda segundo a mesma biblioteca da WEB, trata dos problemas centrais da filosofia teórica e constitui uma tentativa de descrever os fundamentos, as condições, as leis, a estrutura básica, as causas ou princípios (bem como, também, o sentido e a finalidade) da realidade como um todo ou dos seres em geral.
A Metafísica distingue-se, portanto, das ciências particulares por conta do objeto a respeito do qual está preocupada, isto é, o ser em sua totalidade e, ademais, por se tratar de uma investigação a priori.
Na Metafísica lida-se com alguns problemas importantes, dentre os quais destacam-se os de Necessidade e de Contingência. Algo necessário é aquilo que é verdadeiro por necessidade. Algo contingente é aquilo que pode ser classificado como verdadeiro ou não, dependendo das contingências ou do acaso.
Carma, por outro lado, é um vocábulo presente em várias culturas e religiões, como o budismo, o hinduísmo e o espiritismo, que exprime um conceito Metafísico. Para traçar um paralelo com a Ciência, ele seria como a famosa lei física da ação e reação. Transpondo isto para o campo espiritual, significa que todas as atitudes de um indivíduo gerariam consequências, nesta ou em outras vidas futuras.
A chamada Lei do Carma, também conhecida como justiça celestial, funcionaria de modo a que todo o bem ou todo o mal que, eventualmente, tenhamos feito em uma de nossas vidas irá nos trazer consequências, boas ou más, futuramente, seja ainda nesta ou em próximas existências que, forçosamente, teríamos.
O carma, por se situar dentro do campo de estudo da Metafísica, está sujeito, portanto, aos aspectos da necessidade e da contingência; ademais de ele não ser, conforme a definição de mito já citada anteriormente, ‘uma realidade independente, mas algo que evolui com as condições históricas e étnicas relacionadas a uma dada cultura, que procura explicar e demonstrar, por meio da ação e do modo de ser dos personagens, a origem das coisas’.
A existência do carma, em que pese grande parcela da população mundial nela acreditar, não pôde ser ainda demonstrada; razão pela qual consiste, até então, apenas, em uma especulação propagada por algumas religiões.
Todavia, inicialmente, analisarei o fenômeno do carma, considerado por mim como um mito metafísico, pelo aspecto da sua necessidade.
É evidente que toda ação física que façamos acarretará uma ou mais consequências físicas. Poderá, também, acarretar uma ou mais consequências espirituais é claro, desde que o espírito exista em realidade. Caso o espírito exista, seria, assim, necessário que reencarnasse, ao menos mais uma vez, para que os efeitos do carma eventualmente existente se fizessem presentes.
Nenhum ser humano vivo, no entanto, possui ao nascer e durante a vigência de sua existência conhecimento, lembranças ou recordações, conscientes, de uma vida anterior (a menos que seja submetido ao processo de regressão hipnótica, regressão esta que, embora executada normalmente por profissionais das áreas de psicologia e de hipnotismo, não oferece provas concretas de que se trate de um fenômeno metafísico verdadeiro e não, apenas, de uma criação mental do paciente, ao ser sugestionado pela mente do hipnotizador).
Supondo, portanto, a necessidade do carma, podemos questionar a razão do seu total desconhecimento pelo espírito quando encarnado. O que será que eu fiz de tão bom ou de tão mal, em uma existência passada, que nesta vida atual tenho a infelicidade de necessitar pagar através do sofrimento e das vicissitudes ou a felicidade de receber mediante o prazer, o deleite e o gozo, sem nenhum conhecimento prévio, daquilo que fiz em outra existência, para merecer um ou outro?
As leis e os arcabouços jurídicos que tratam dos crimes e das penas, em nosso planeta, preveem que todos aqueles que cometem crimes e tenham que pagar por eles, saibam por quais delitos estão sendo acusados e condenados. É este conhecimento prévio das razões da punição, que permite ao réu punido arrepender-se e/ou não mais voltar a cometer, outra vez, o mesmo delito.
Assim sendo, caso o carma fosse necessário, certamente, para que se tratasse de algo construtivo e pertencente a uma suposta justiça divina, seria preciso que o ser humano soubesse, previa e conscientemente, as razões das vicissitudes ou das benesses pelas quais teria, necessariamente, de passar na atual existência. Isto, todavia, não ocorre. Logo, a afirmação de que aquele ser humano que hoje sofre enfermidades físicas e mentais, carências e privações de toda ordem, problemas de natureza familiar e afetiva, vícios, etc., ou que, por outro lado, hoje é rico, feliz e poderoso, deve este seu sofrimento ou esta sua felicidade a alguma coisa que realizou em outra vida, não possui amparo, no meu modo de ver, na hipótese da necessidade.
Analisando-se a ideia do carma pelo aspecto da contingência, podemos observar que se trata, evidentemente, de um mecanismo auxiliar e coadjuvante das leis e dos aparatos jurídicos e institucionais coercitivos, vigentes em todos os países do planeta, da mesma forma como também agem as ideias de pecado, de céu e de inferno, no sentido de manter os seres humanos sempre sob controle das autoridades e temerosos daquilo que poderia, eventualmente, ocorrer com seus espíritos, após a transposição da linha que separa os territórios da vida e da morte. Como vimos anteriormente, nem tudo que é contingente é verdadeiro; mas, como o nome indica, atende as contingências de tempo e espaço. Esta concepção, portanto, tem sido útil até os dias atuais, na medida em que atende a necessidades religiosas e políticas, ditadas estas pela coerção pacífica ou pela servidão consentida dos indivíduos.
Caso inexista o espírito, por outro lado, não haveria sentido em falar de carma; pois, as ações físicas dos seres humanos teriam, apenas, consequências físicas, semelhantes àquelas que ocorrem quando as patas dos cavalos pisam as flores e as plantas das campinas ou quando o bando de leões famintos busca antílopes e zebras para se alimentar nas planícies africanas.
Uma outra hipótese, que proponho aqui, no entanto, como ponto de partida para uma possível nova discussão sobre o assunto, é a de que a Teoria da Seleção Natural proposta por Darwin, para a evolução das espécies em um universo material dimensional, também pudesse vigorar com relação aos espíritos em um universo etéreo multidimensional ou em um multiverso. A única garantia que possuímos no momento (e que tanto a Ciência quanto a Filosofia atual asseguram) é de que a matéria, em suas menores divisões como a dos átomos e suas subdivisões, é eterna e sempre existiu. No que se relaciona ao espírito as hipóteses levantadas, quanto a sua existência e eternidade, têm sido objeto da Filosofia e da Religião; mas jamais foram provadas ou admitidas pela Ciência. Os espíritos, caso existissem, poderiam, portanto, em tese, não serem eternos como a matéria, contrariamente ao que as religiões sempre postularam; pois se veem como intermediadoras de relações eternas entre o Criador e as almas das criaturas, enquanto as instituições humanas são vistas por elas como seculares.
Assim, a hipótese da seleção natural entre os espíritos (caso eles existam realmente), seleção está que ora imagino apenas para provocar discussão, poderia ocorrer, segundo penso, pela necessidade de sobrevivência e adaptação destes espíritos ao ambiente etéreo e multidimensional onde habitam. Através dela seriam os espíritos mais adaptados àqueles únicos que persistiriam pois, no ambiente etéreo ou na dimensão espiritual em que habitariam normalmente. Os espíritos com características mais adequadas para existir em um determinado ambiente seriam, portanto, mais propensos a sobreviver naquele ambiente e a multiplicarem-se (quem sabe se os espíritos não poderiam, enquanto espírito, se multiplicar?).
Aqueles espíritos menos adequados ao ambiente etéreo reencarnariam e, caso não atingissem, pela via da encarnação, as características evolutivas requeridas, poderiam ser eliminados (quem sabe se isto não faria parte de um mecanismo semelhante àquele que vigora para os corpos físicos?). Lembro a todos os leitores três das sete leis de Hermes Trismegisto, contidas em Le Kaibalion, publicado em 1908:
1. O todo é mente, o universo é mental.
2. O que está em cima é como o que está embaixo e o que está embaixo é como o que está encima.
3. Tudo é duplo; tudo tem polos; tudo tem seu oposto; o igual e o desigual são a mesma coisa; os opostos são idênticos em natureza, mas diferentes em graus; os extremos se tocam; todas as verdades são meias-verdades; todos os paradoxos podem ser reconciliados.
1. O todo é mente, o universo é mental.
2. O que está em cima é como o que está embaixo e o que está embaixo é como o que está encima.
3. Tudo é duplo; tudo tem polos; tudo tem seu oposto; o igual e o desigual são a mesma coisa; os opostos são idênticos em natureza, mas diferentes em graus; os extremos se tocam; todas as verdades são meias-verdades; todos os paradoxos podem ser reconciliados.
Se o todo é mente e o universo é mental, podem coexistir infinitas realidades entre todas as formas de vida, material e espiritual, porventura existentes. Se o que está em cima é como o que está embaixo, não há razão para supor que as leis que regem a vida material sejam diferentes daquelas que regem a vida espiritual. Se todas as verdades são meias verdades e se os paradoxos podem ser reconciliados, o corpo e o espírito, a vida e a morte, o passado e o futuro podem ser, apenas, faces diferentes de uma mesma moeda cujo valor e fabricante desconhecemos.
Vejam bem, meus caríssimos leitores, que as ideias atuais dominantes acerca da existência de espíritos e das suas imortalidades, se tratam todas, apenas, de considerações de ordem filosófica e religiosa, mas não de ordem científica. Assim, as características virtuosas vantajosas de determinados espíritos, em uma população espiritual, poderiam, teoricamente, ser passadas para a geração seguinte, através de mudanças evolucionárias, em um mecanismo semelhante àquele descoberto pelo insigne pesquisador e naturalista Charles Darwin.
Os espíritos menos adaptados a vida etérea poderiam ser aqueles que necessitariam reencarnar no universo material para evoluir e, eventualmente, não alcançando seu objetivo, poderiam ser eliminados, fazendo com que uma característica espiritual desvantajosa se tornasse cada vez mais rara. Quem saberia dizer ao certo, sem se tratar apenas de meras especulações, como as coisas se passariam no plano espiritual?
Observem, amigos leitores, que no plano das ideias tudo é possível. Esta possibilidade é tão plausível quanto qualquer outra, desde que estejam todas no plano das ideias e quando a verdade nos é totalmente desconhecida.
Ocorre que, desde a antiguidade mais remota, a Filosofia e a Religião, que trazem subjacentes em seus fundamentos a Ideologia, agasalham as hipóteses que mais lhes beneficiam. Por isto, na atualidade, no ocidente e no oriente capitalistas, para grande parte das populações, o espírito existe, é imortal, encarna uma ou sucessivas vezes e busca, sempre, o aperfeiçoamento, que dependerá das virtudes e do bom caráter daqueles seres humanos nos quais, eventualmente, os espíritos passaram a habitar e se transformaram em almas. As almas dos indivíduos que não se adequarem às leis e aos bons costumes, isto é, não evoluírem espiritualmente, teriam que desencarnar para, posteriormente, retornarem em outras vidas de modo a buscar cumprir novamente, ou pelo menos tentar outra vez, estas suas missões não completadas.
Evidentemente para o Criador que tudo pode, a necessidade que teria qualquer espírito por Ele criado, de reencarnar em um corpo material para tentar evoluir espiritualmente (objetivo este que o espírito não teria conseguido alcançar nas encarnações anteriores) seria totalmente dispensável. Formular esta hipótese, portanto, na minha modesta maneira de ver, seria até desmerecer a capacidade criativa daquele Ser que tudo pode. Como afirma a primeira lei do Kaibalion, o universo é mental; portanto, a denominada evolução espiritual, se realmente se tratasse de algo necessário, prescindiria da obrigação de encarnação do espírito em algum universo material.
Nos países, tanto ocidentais quanto orientais, dominados pela ideologia marxista (onde as religiões são consideradas como o ópio do povo e, por isso, têm suas atividades restringidas), vivendo em regimes comunistas ateus, as populações não possuem, creio eu, estas preocupações de ordem Metafísica. Nestes países os indivíduos respeitam as leis, os costumes e as instituições, simplesmente, por suas convicções próprias ou por temerem as eficientes, violentas e implacáveis ações da polícia política e dos organismos de segurança do Estado, aplicadas aos refratários.
Sintetizando tudo aquilo que foi dito, creio eu que a Metafísica, na atualidade, se encontra eivada de mitos que alimentam as Religiões e, até mesmo, a própria Filosofia da qual faz parte. Creio também que para criaturas finitas, mortais e limitadas como os seres humanos (habitando um pequeno planeta de um pequeno sistema solar, em um universo infinito, incomensurável e eterno, que faz parte de um conjunto infinito de infinitos universos), a probabilidade de algum dia chegarmos a compreender a Metafísica da existência da vida, da forma como gostaríamos, reduz-se a zero.
Observem, amigos leitores, que no plano das ideias tudo é possível. Esta possibilidade é tão plausível quanto qualquer outra, desde que estejam todas no plano das ideias e quando a verdade nos é totalmente desconhecida.
Ocorre que, desde a antiguidade mais remota, a Filosofia e a Religião, que trazem subjacentes em seus fundamentos a Ideologia, agasalham as hipóteses que mais lhes beneficiam. Por isto, na atualidade, no ocidente e no oriente capitalistas, para grande parte das populações, o espírito existe, é imortal, encarna uma ou sucessivas vezes e busca, sempre, o aperfeiçoamento, que dependerá das virtudes e do bom caráter daqueles seres humanos nos quais, eventualmente, os espíritos passaram a habitar e se transformaram em almas. As almas dos indivíduos que não se adequarem às leis e aos bons costumes, isto é, não evoluírem espiritualmente, teriam que desencarnar para, posteriormente, retornarem em outras vidas de modo a buscar cumprir novamente, ou pelo menos tentar outra vez, estas suas missões não completadas.
Evidentemente para o Criador que tudo pode, a necessidade que teria qualquer espírito por Ele criado, de reencarnar em um corpo material para tentar evoluir espiritualmente (objetivo este que o espírito não teria conseguido alcançar nas encarnações anteriores) seria totalmente dispensável. Formular esta hipótese, portanto, na minha modesta maneira de ver, seria até desmerecer a capacidade criativa daquele Ser que tudo pode. Como afirma a primeira lei do Kaibalion, o universo é mental; portanto, a denominada evolução espiritual, se realmente se tratasse de algo necessário, prescindiria da obrigação de encarnação do espírito em algum universo material.
Nos países, tanto ocidentais quanto orientais, dominados pela ideologia marxista (onde as religiões são consideradas como o ópio do povo e, por isso, têm suas atividades restringidas), vivendo em regimes comunistas ateus, as populações não possuem, creio eu, estas preocupações de ordem Metafísica. Nestes países os indivíduos respeitam as leis, os costumes e as instituições, simplesmente, por suas convicções próprias ou por temerem as eficientes, violentas e implacáveis ações da polícia política e dos organismos de segurança do Estado, aplicadas aos refratários.
Sintetizando tudo aquilo que foi dito, creio eu que a Metafísica, na atualidade, se encontra eivada de mitos que alimentam as Religiões e, até mesmo, a própria Filosofia da qual faz parte. Creio também que para criaturas finitas, mortais e limitadas como os seres humanos (habitando um pequeno planeta de um pequeno sistema solar, em um universo infinito, incomensurável e eterno, que faz parte de um conjunto infinito de infinitos universos), a probabilidade de algum dia chegarmos a compreender a Metafísica da existência da vida, da forma como gostaríamos, reduz-se a zero.
Como dizia Voltaire em sua obra O Filósofo Ignorante: - Detenho-me quando falta luz em meu archote!
_*/ Economista e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.
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