quinta-feira, 6 de abril de 2017

137. O Estagio


                                  Jober Rocha*




São Petersburgo, Império da Rússia, 18 de março de 1842.

De: Aleksandr Nicolaevich Romanov, primogênito e príncipe herdeiro (czarevich), filho de Nicolau I, da Rússia e da princesa Carlota, da Prússia.

Para: Sua Alteza Imperial Pedro de Alcântara João Carlos Leopoldo Salvador Bibiano Francisco Xavier de Paula Leocádio Miguel Gabriel Rafael Gonzaga – Dom Pedro II, mui digno Imperador Constitucional e Perpétuo Defensor do Brasil.

Assunto: Estagio não remunerado para conselhos políticos, treinamento sobre governabilidade e noções para uma boa administração de um império. 



Majestade,
Na qualidade de príncipe herdeiro do Império da Rússia e com a idade atual de 22 anos (exatamente sete anos mais velho do que Vossa Majestade, prematuramente declarado e coroado Imperador do Brasil), dirijo-me a presença de Vossa Alteza, nesta oportunidade, pelos motivos que a seguir passarei a expor:

1. Minha educação, como futuro imperador da Rússia, é feita sob a supervisão de Vasily Zhukovsky, poeta liberal e tradutor competente, muito conhecido por aqui, que incluiu em meu aprendizado várias disciplinas importantes para o desempenho da sagrada missão de um imperador; bem como, o estudo das principais línguas europeias. Imagino que Vossa Alteza esteja passando por algo semelhante no Brasil, pelas mãos do seu tutor José Bonifácio de Andrada; em que pese haver assumido o Império com apenas cinco anos de idade e coroado imperador aos quinze. 
Meu pai, o Czar Nicolau I, diferentemente do seu, D. Pedro I, não deseja abrir mão, prematuramente, do império para mim. Cuida de sua saúde com extremo rigor, alimenta-se bem, faz exercícios físicos e mantém alguns médicos de confiança sempre ao seu lado. Pelo visto, espera viver cem anos ou mais.

2. Enquanto a minha vez não chega, estudo e faço planos para o futuro da Rússia. Eu gostaria de implantar grandes mudanças em meu país, logo após ser declarado Czar, como, por exemplo: liberdade de expressão, incentivo à iniciativa privada, reforma da Administração do Império, desenvolvimento da exploração dos Recursos Naturais, expansão e melhoria da rede ferroviária, melhoria da condição de vida dos camponeses, fim da servidão em todas as províncias, implantação do serviço militar obrigatório, abolição do castigo corporal aos militares, uma nova administração judicial baseada no modelo francês, um código civil e criminal mais simplificado, um novo código penal, a criação de uma polícia rural, etc.
 Imagino que Vossa Alteza, embora comandando um império com características diferentes daquelas deste em que vivo e que, algum dia, deverá ser por mim chefiado pela graça de Deus, possui os mesmos sentimentos ou desejos semelhantes. Reconheço que qualquer reforma é muito mais fácil de ser tentada em países menos populosos e mais homogêneos, do que em grandes impérios como o da Rússia e o do Brasil; entretanto, aguardo ansioso o dia em que poderei tentar implantar as mudanças que vislumbro.

3. Vossa Majestade não imagina quanto o invejo. Aos quinze anos de idade já comanda um vasto império, enquanto eu, com vinte e dois, creio que jamais chegarei a sentar no trono do Czar. Enquanto Vossa Alteza recebe as homenagens e reverências de toda a sua corte e de todo o seu povo, eu, aqui em Moscou, sou um ilustre desconhecido e ninguém me leva a sério. 
Os ministros, os duques, arquiduques, condes e barões, passam por mim e não fazem nenhuma reverência. Acho que pensam que eu nunca chegarei a substituir meu pai ou que seus títulos de nobreza são maiores do que o meu, um simples filho de Czar. Enquanto Vossa Alteza participa de reuniões com seus ministros e conselheiros, eu fico andando pelos vastos corredores do palácio imperial, buscando alguém que me escute e que acredite em meu potencial como guerreiro e como futuro administrador de um império tão vasto quanto o russo.

4. Por vezes, durante a estação fria, nesta corte onde as pessoas somente pensam em festas e ostentações, tenho ímpetos de largar tudo, tomar um navio e, como um simples passageiro, desembarcar no Porto do Rio de Janeiro onde, certamente, encontrarei uma temperatura tropical amena e aquele sol que aquece os corpos e proporciona uma bela cor bronzeada. Por aqui todos os cortesões apresentam aquela cor pálida, que nos deixa sempre em dúvida se estão ou não doentes.  
Ao fazer minhas refeições, quase sempre compostas de carnes gordurosas, fico sonhando com as deliciosas frutas tropicais saboreadas, com toda a certeza, por Vossa Alteza. Ao banhar-me nos rios quase congelados do meu país, imagino os riachos de águas límpidas e tépidas do Brasil; por vezes, com cachoeiras maravilhosas que massageiam os corpos dos banhistas. Sonho com as areias mornas das praias que banham o território de vosso imenso império.

5. Durante as guerras, notadamente a Caucasiana (iniciada em 1817 e ainda se desenrolando); a Revolta de Dezembro de 1825 (da aristocracia militar contra a nobreza); a Guerra Russo-Persa de 1826/28 (quando tomamos a Armênia); a Guerra Russo-Turca de 1828/29, quando tomamos a foz do Danúbio e a Costa Leste do Mar Negro; e a Revolta da Polônia de 1830/31, o gasto de recursos e a perda de vidas humanas é enorme. Muitas destas guerras poderiam ter sido evitadas, caso as pessoas fossem menos ambiciosas e violentas. 
Quando exprimo estes meus pensamentos em público, na corte, sou taxado de “bonzinho”, de “inocente”, de “fraco” e de “sem ambição”. Invejo, mais uma vez, Vossa Majestade, que administra um império tão vasto quanto este daqui sem necessitar ir à guerra contra os vizinhos e sem revoltas militares internas. Como devem ser tranquilos os dias passados na corte de Vossa Alteza. Como devem viver felizes os vossos súditos.

6. Considerando o até aqui exposto, Vossa Majestade já deve imaginar como me sinto, sendo sem ser, podendo sem poder, mandando sem mandar. Dizem que represento o futuro do império, mas acho que este futuro ainda demorará muito a chegar ou pode ser, até, que nunca chegue. 
Fui informado que meus pais estão buscando uma esposa para mim, dentre as casas reais europeias, conforme é tradição da realeza russa e de outras tantas realezas. Outra vez invejo Vossa Alteza, que pode escolher, por si mesmo, aquela que o acompanhará por toda a vida, sem a necessidade de atender aos interesses políticos, estratégicos e econômicos dos pais.

7. Finalizando, chego ao motivo pelo qual tomei a liberdade de escrever à Vossa Majestade: somos jovens e temos uma grande responsabilidade pela condução dos negócios e destinos de nosso império. Eu, embora tenha tido bons mestres e tutores, não possuo nenhuma experiência sobre a administração imperial e, após a revolta de dezembro de 1825, tenho muito receio da aristocracia militar. 
Muitos destes aristocratas, pelo simples fato de terem comandado tropas vitoriosas, acham que os territórios conquistados lhes deveriam pertencer por direito. Esquecem que são, apenas, servos do Czar e servidores do império. 
Assim, gostaria de fazer uma visita ao Brasil e aprender, mediante um estagio não remunerado junto a Vossa Majestade, os meandros e as nuances da boa administração quanto aos aspectos políticos, militares, econômicos e psicossociais de um império. As noticias que aqui me chegam são muito elogiosas com respeito à capacidade administrativa de Vossa Alteza e, por esta razão, estou certo de que terei muito a aprender em vossa corte, caso me honre com a aceitação da presente solicitação. As minhas despesas nas terras do Brasil e aquelas decorrentes do séquito que me acompanhará, enquanto durar este meu período de estagio junto ao vosso império, serão todas custeadas pelo Império Russo. 
Rogo a Vossa Majestade que me ajude, neste momento difícil da minha existência.

Aleksandr Nicolaevich Romanov
Czarevich do Império da Rússia



Nota do autor:
Cópia da presente correspondência foi encontrada em um baú, no porão do Palácio de Tsarskoe Selo, no ano de 1923, onde o Czar Nicolau II, neto de Alexandre II (Aleksandr Nicolaevich Romanov), vivia com a família antes da fatídica Revolução de 1917, que eliminou, para sempre da Rússia a Dinastia Romanov.  Junto da cópia, havia uma carta de D. Pedro II alegando que, por problemas políticos conjunturais, a visita de Aleksandr teria de ser adiada. Os historiadores acham que Pedro II gostava mais de aprender do que de ensinar.
O Czar Alexandre II morreu assassinado em 13.03.1881, aos 63 anos, na cidade de São Petersburgo, pela explosão de uma bomba lançada por Ignaty Grinevetsky, membro da organização terrorista Vontade do Povo.
O imperador Pedro II foi deposto por militares em 15.11.1889, embora querido pelo povo brasileiro. Faleceu em Paris, no dia 05.12.1891, aos 66 anos, vitimado por uma gripe que evoluiu para pneumonia. Décadas depois da morte a sua reputação foi restaurada e os seus restos mortais foram trazidos de volta para o Brasil. Nos arquivos do império foi encontrada a carta de Aleksandr com o seguinte comentário de Dom Pedro II (então com quinze anos) a margem do texto: “Ora, onde já se viu. Estagio não remunerado. Era só o que faltava!”


_*/ Economista e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.




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