428. O Caso número 23
Jober Rocha
- Caso número 23!
Com uma voz de falsete o magistrado, envolto em uma grossa capa preta, chamou o próximo caso a ser julgado.
- O Estado contra o senhor José Manuel da Silva, acusado de ter sido apanhado urinando na rua!
- Confessa senhor José Manuel?
- Claro meritíssimo. Em um país como este é a única coisa que resta ao cidadão comum!
- Como assim?
- Quando votamos e elegemos os políticos municipais (prefeitos e vereadores), não é simplesmente para pagar-lhes um salário e enche-los de mordomias. É para que zelem pelo município: consertem os buracos das ruas, os sinais de trânsito apagados, limpem as praças, varram as ruas e também, dentre outras, que coloquem banheiros públicos para serem usados pela população!
- Em nosso município não existe um único banheiro público nas ruas. Por isso, eu, estando com a bexiga cheia e transitando pela Rua das Ameixas Pretas, onde só existem residências particulares cujas entradas são vedadas a estranhos, resolvi urinar na rua antes que a minha bexiga estourasse. Estou convencido de que fiz a coisa certa, pois, caso contrário, as consequências advindas para mim seriam muito piores. Ficaria meses internado no péssimo hospital municipal, sendo atendido por profissionais mal pagos e sem interesse nenhum pelo meu caso particular. Poderia acabar falecendo com uma septicemia. Para evitar tudo isto, eu urinei na calçada da Rua das Ameixas Pretas, sob os olhares admirados de algumas senhorinhas. Não sei meritíssimo se admirados pelo inusitado do fato ou se pelo ‘tamanho do problema’...!
- Senhor José Manuel da Silva, o seu caso não é tão simples assim. Existem outros fatores em jogo, como a violação da moral pública; a subversão dos costumes; o fato de expor órgão sexual de tamanho anormal aos olhares de crianças e mulheres; molhar a via pública com líquido de odor fétido; fazer suas necessidades fisiológicas na exata hora em que o sino da igreja tocava, chamando os fiéis para a missa, em um flagrante desrespeito às coisas divinas e, finalmente, ter molhado a perna da calça do guarda que foi detê-lo, com um resto de urina que sobrara em sua bexiga!
- Veja, portanto, que você pode ser incluído em vários itens da legislação penal e, embora muitas mulheres do município torçam pela sua liberação, a grande maioria dos homens quer vê-lo atrás das grades, na cadeia!
Nesse exato momento, o promotor levantou-se de sua cadeira e disse:
- Se fosse só pelo inusitado do ‘tamanho do problema’, o Ministério Público não faria carga sobre o fato, mas temos que levar em consideração todas as demais implicações cíveis e criminais que o acontecimento suscita. Temos que pensar na defesa do Estado e nas gerações futuras!
O advogado do Sr. José Manuel da Silva, até então calado, levantou-se, pediu vênia ao juiz e disse:
- Meus senhores e minhas senhoras algum dos presentes já se encontrou, porventura, em uma situação igual a do meu cliente? Com a bexiga cheia no meio da rua de um bairro desconhecido, formado só de casas, sem nenhuma loja onde pudesse haver um banheiro destinado aos clientes?
- Se alguém já passou por esta situação sabe bem da aflição que dominou o meu cliente na ocasião!
- Acredito que todos aqui presentes, na mesma situação, teriam feito exatamente o que ele fez. Em uma hora trágica como esta, passa-se por cima de tudo: moral, costumes, religiosidade, obediência às leis, amizades, respeito, etc. A necessidade fisiológica a tudo isso se sobrepõe, mandatória. Lembrem que, em Jó 8.1-11, Jesus teria dito: - Quem dentre vós não tiver pecado, atire a primeira pedra!
-Pergunto, pois aos presentes: qual de vós nunca deixou algumas gotas de urina cair na sua cueca ou calcinha, antes de poder aliviar sua bexiga em um confortável banheiro?
- Recordem que meu cliente estava distante de qualquer banheiro e sua bexiga necessitava ser esvaziada a qualquer custo, após os primeiros pingos começarem a sair descontrolados.
- Aquele que jamais molhou a cueca ou a calcinha, que condene o meu cliente!
O Juiz, então, com a cueca já molhada, pois estava sem ir ao banheiro desde as oito horas da manhã, arquivou o caso e deu por encerrada a seção. A seguir, os presentes começaram a se levantar e caminhar em fila indiana para os dois banheiros existentes no local. Alguns tinham as pernas fechadas e comprimiam o ventre. Outros já aparentavam manchas visíveis de urina nas roupas.
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