Segundo os dicionários, o medo é uma sensação que proporciona o estado de alerta corporal, demonstrado pelo receio de fazer alguma coisa, geralmente por se sentir ameaçado, tanto física quanto psicologicamente. Quando o medo é muito intenso denomina-se pânico ou pavor. A ansiedade, por sua vez, pode ser considerada como o prenuncio do medo.
O medo tem seu lado bom e seu lado mau. O bom é que previne ações muito arrojadas ou temerárias, que podem expor a vida do agente e de outras pessoas a sua volta. O mau, é que tolhe ações importantes que poderiam salvar a vida do agente e de outras pessoas à sua volta.
O medo acarreta estímulos físicos que se originam na mente dos indivíduos, podendo se transformar em doenças, como fobias (cujo número é enorme na Medicina Psicossomática, passando das centenas ou milhares), síndrome do pânico, etc., e que, muitas vezes, podem incapacitar os indivíduos para o trabalho e para a vida social.
Segundo alguns cientistas, trazemos conosco, algumas vezes, medos que datam do Paleolítico, do Neolítico, do Mesozoico e do Cenozoico, herdados do DNA de nossos ancestrais e que hoje fazem parte do nosso. Segundo eles o medo é um mecanismo de aprendizagem, mas, também evolutivo e de sobrevivência da espécie humana, em geral, e dos indivíduos, em particular.
Em um breve apêndice, mencionarei as idades do homem e como são contadas.
Os povos, em geral, contavam o tempo tendo por referência as suas crenças. Os judeus contam-no a partir da criação do mundo, que supõem haver ocorrido há cerca de seis mil anos. Os árabes contam-no a partir da fuga de Maomé de Meca para Medina, ocorrida 622 anos após o nascimento de Jesus. Os povos que viveram antes do nascimento da escrita são referidos com os povos pré-históricos, não fazendo, portanto, parte dos quatro grandes períodos da história da humanidade, mencionados a seguir.
A Idade Antiga é contada do surgimento da escrita, mais ou menos 4.000 anos antes de Cristo, até a queda do Império Romano, em 476 depois de Cristo (século V).
Em 533 D.C. o monge Dionisio Exiguo, conhecido como O Pequeno, propôs a divisão da História em dois ciclos: um antes e um depois do nascimento de Cristo. O nascimento ficou sendo o ano 01 D.C, embora Jesus tenha nascido cerca de 4 a 6 anos antes. Anteriormente o tempo, no Império Romano, era contado a partir da data de fundação de Roma.
A Idade Média teve início no século V e foi até a queda de Constantinopla, em 1453 D.C. (século XV). A Idade Moderna se inicia no século XV e vai até a Revolução Francesa de 1789 (século XVIII) e a Idade Contemporânea vem do século XVIII até os dias atuais.
Voltemos agora ao cerne do nosso texto.
Os próprios familiares, desde priscas eras, se encarregavam de colocar medo nas crianças, temendo algum comportamento inusitado por parte destas que lhes acarretasse algum malefício físico ou mental. As religiões, criadas em razão do medo, de modo geral, e as cristãs, de modo particular, fazem o mesmo com seus seguidores, ameaçando-os com sofrimentos e padecimentos, após o desencarne, em regiões desconhecidas normalmente denominadas inferno e purgatório.
Mencionamos que o medo originou as religiões, em virtude de podemos afirmar, com toda a convicção, que as algemas mentais que nos prendem aos troncos da sujeição e do domínio das elites, começaram a ser colocadas com o surgimento dos mitos e das religiões.
A função do mito é, exclusivamente, a de lidar com as angustias dos indivíduos na tentativa de superar o vazio que o ser humano enfrenta diante dos mistérios da criação.
Oliveira Martins, em seu livro “Mitos da Religião” destaca:
“A Mitologia consiste no sistema dos sonhos primitivos com que o pensamento inconsciente dos povos representa a seu modo a Natureza. O mito e o fato são, pois, na essência, uma e a mesma coisa, vista por maneiras diversas. Tanto o pensamento cria um mito quando representa ou corporifica noções mentais, como quando anima ou define objetos reais”.
“È fato conhecido e estudado que da admiração e do medo, gerados pelo instinto do conhecimento (característica intelectual da espécie humana), nascem os mitos que são a raiz da religião. Assim é absurdo negar a qualquer homem a faculdade mitogenica, como é absurdo afirmar a existência de raças sem religião”.
“A criação de mitos é, assim, uma função espontânea inerente ao espírito humano, da mesma forma que a fala”.
“A função psicológica inventora dos mitos é universal e essencialmente humana O mito é, pois, a parte subjetiva das religiões, enquanto o medo é sua parte objetiva. Este medo do inominado foi o que fez a raça humana tremer e fugir, produzindo o calafrio e a palidez; foi á impressão que levou o homem primitivo a cair de rastros adorando um Deus. Do mito que deu realidade a quimeras, nasceu o medo religioso, nasceu Deus, cuja imagem é sempre dupla “ Bem ou malfazeja, terrível como as sombras errantes animadas ou simpática à maneira da luz do céu sereno”.
“Com o primeiro Deus surgiu o primeiro sacerdote, porque uma autoridade que se sente sem se ver; a quem se obedece e se teme sem se conhecer, envolve, em si, a necessidade de um intermediário”.
“Por outro lado, a alma humana, neste momento da sua compreensão, seria a ponte que colocaria o homem em relação com a divindade, á ponte que ligaria o mundo real ao fantástico, o mundo do sonho ao mundo dos astros”.
“No Céu, no Paraíso, no Olimpo, junto aos deuses, partilhando-lhes a essência e a vida, a alma também seria um intermediário necessário”.
“A tendência para a unidade, por sua vez, é ingênita no espírito humano e toda a mitologia, quer seja animista (percepção infantil do mundo, invenção dos espíritos ou almas, seres fantásticos, etc.), naturalista (ideia de uma causa da existência humana, dos animais e das coisas) ou idealista (o mundo externo e o mundo interno representam-se para a imaginação como aspectos de substancias que, no seu desenvolver, o pensamento reduzirá à pureza de ideias), procede unificando os deuses no seio de uma Doutrina Monoteísta”.
“Houve quem chamasse a religião de uma doença (Fuerbach) e quem a radicalizasse psicologicamente no medo (Schleiermacher)”;
“A religião seria, pois, a doença do medo”. (Grifo meu)
“Outros denominam a religião como a teoria das relações entre o homem e o universo”.
“Resumindo, desde o surgimento do homem sobre a face da terra, as religiões tiveram suas origens no fato dos homens verem, sentirem e explicarem, a seu modo, a existência e, cheios de medo, colocarem-se de joelhos perante o desconhecido. Naquela ocasião tudo em sua volta consistia em sombra e morte. Não havia sociedade, nem leis: não havia moral, nem ciências, surgindo daí os mitos de representação simples. Depois, a sociedade constitui-se como uma cristalização e esboçam-se ideias científicas; isto é, percepções e opiniões obtidas pela comparação e pela observação. Surge, então, outra esfera de mitos, os mitos da invenção, porque é por via deles que o pensamento inventa os casos que solicitam a sua curiosidade”.
“Posteriormente, quando deuses morais e criadores introduzem-se, os mitos sociais e cosmogônicos progridem, pondo, a par da mitologia remota, os ditos mitos do pensamento, que são as invenções abstratas da teologia e da filosofia”.
“Assim, o medo já transformado em respeito e submissão, torna-se amor, piedade e caridade”.
“Surgidas às religiões, consolidadas e adotadas por todas as raças, como uma necessidade intrínseca do ser humano para explicar o inexplicável, surge, também, a associação do sacerdote (como intermediário entre o indivíduo e a divindade) e os detentores do poder temporal terrestre. Desta forma, um poder passa a precisar do outro; posto que, ambos se complementam”.
Desde os tempos imemoriais, os governantes governam pela graça de Deus, ou de Deuses, segundo afirmam eles próprios e confirmam os sacerdotes. Esta associação entre os poderes terrestres e os religiosos, existente em todos os cantos do planeta, além de legitimar os primeiros busca manter os povos conformados com seus destinos; pois, se Deus existe (e isto é fora de dúvida) e escolheu aquele governante, aquela oligarquia, aquele partido ou aquela religião, para cuidar dos destinos daquele povo, não há porque contestar tal escolha. Mesmo porque os verdadeiros valores, aqueles que realmente importam para os seguidores de alguma religião, são os transcendentais que os aproximam da sua divindade. Os bens que devem ser buscados não são os materiais (aqueles buscados avidamente pelos governantes e detentores do poder), mas sim os bens imateriais (as virtudes que devem ser buscadas pelo homem comum para obter uma vida melhor após a morte). Esta colocação, acatada pelas populações religiosas, evita quaisquer contestações sobre legitimidade do poder e sobre a apropriação da riqueza gerada por aquele povo.
Alguns cientistas espiritualistas afirmam que certos tipos de medo apresentado por seres humanos se tratam de experiências mal sucedidas em suas vidas anteriores, como, por exemplo: a claustrofobia (medo de lugares fechados), que teria a sua origem no fato de que o indivíduo, em outra encarnação, sofreu intensamente e veio a falecer em algum lugar fechado, de onde não conseguiu se libertar. O medo do mar, por parte de alguém, pode significar que morreu afogado em outra existência, etc.
Uma diferença importantíssima entre a fobia e a síndrome do pânico, moléstias que acometem parcela significante das populações, mormente em épocas como a que vivemos na atualidade, trata-se do seguinte: o indivíduo fóbico é capaz de se defender da ansiedade ao associá-la a um objeto externo que caracteriza a sua fobia ou medo. O indivíduo portador do transtorno de pânico não pode prever um ataque, por isso é incapaz de se defender quando ele acontece e, como afirmado, um ataque de pânico pode ocorrer a qualquer momento e em qualquer lugar. A ausência de um objeto definido, contra o qual o sujeito possa se defender, pode gerar, muitas vezes, uma sensação de morte súbita ou de iminente loucura.
O Psicólogo Sigmund Freud (1856 – 1939) sempre se interessou pelas fobias, mesmo antes da descoberta do inconsciente. Teria declarado em um de seus trabalhos: “A primeira experiência de medo, pelo menos do ser humano, é o nascimento, e este significa objetivamente ser separado da mãe, podendo ser comparado a uma castração da mãe”.
Para Jacques Lacan (1901 - 1981), segundo texto da profa. Doris Rinaldi, “o que provoca angústia não é a nostalgia do seio materno, nem a alternância da presença/ausência da mãe. O que é angustiante é quando não há possibilidade de falta, quando a mãe está o tempo todo em cima”.
Ainda conforme o texto, “em primeiro lugar, para Lacan a angústia é um afeto”. “A angústia não é uma emoção, mas um afeto especial que tem estreita relação de estrutura com o que é um sujeito”. “Este afeto especial Lacan diz que é da ordem de uma perturbação e não de um sentimento”.
Carl Gustav Jung (1875 – 1961), em um texto sobre a angústia, afirmava: “Não tem importância saber qual a possível causa original de tal problema. A busca pela causa pode ser enganosa, já que a existência do medo continua, não porque foi originalmente iniciada num passado remoto, mas porque uma tarefa está acionada em você no momento presente, e, enquanto permanecer não finalizada, todo dia ela produz medo e culpas de novo”.
As teorias psicológicas, evidentemente, como nas demais ciências e na Filosofia se sucedem umas as outras. A verdade de hoje é abandonada amanhã, quando surge outra verdade, mais moderna e mais condizente com o pensamento e a realidade atuais. Basta ver como os médicos antigos entendiam as moléstias e as tratavam e comparar tais métodos e tratamentos com os atuais.
Tanatofobia, ou medo da morte, trata-se do medo patológico da morte e se constitui em uma das dez fobias mais comuns entre os seres humanos. Dizem que o medo da morte é a origem de todos os demais medos. Para aonde iremos, o que será de nossos projetos, de nossos familiares? São questões estas que assolam muitos indivíduos a todos os momentos, aumentando-lhes o medo da morte.
O instinto de sobrevivência, inato aos seres humanos, faz com que todos nós sintamos medo em algumas ocasiões. Todavia, como somos distintos uns dos outros, alguns superam o medo que sentem, enquanto outros se deixam por ele dominar. O medo tem muito a ver com o desconhecimento, logo, a presença do conhecimento elimina de início, muitas das razões para se ter medo.
Muitos indivíduos considerados como heróis nada mais foram do que pessoas comuns, que conheciam o terreno em que pisavam e que tinham a plena convicção de não correrem qualquer perigo, ao fazerem aquilo que fizeram e que os elevou à categoria de heróis. Como disse o general George Smith Patton (1885 – 1945), durante a Segunda Grande guerra: “Se aceitarmos a definição consagrada de coragem como qualidade de não conhecer o medo, então nunca vi um homem corajoso”.
Diversos autores contemporâneos já discorreram sobre o medo em suas obras, como, por exemplo: Políticas do Medo, de Adauto Novaes; Devemos temer a morte, de Francis Wolf; Medos de ontem e de hoje, de Jean Delumeau; Do medo ao terror, de Jacques Ranciere; Elogio ao medo, de Maria Rita Kahl; Racionalização do medo na política, de Maria Isabel Limangi; O medo como virtude de substituição, de Nathalie Fragneux; A construção do medo no cinema, de João Luiz Vieira; O medo como procedimento heurístico e como instrumento de persuasão em Hans Jonas.
Ao longo da História Humana, alguns filósofos também se dedicaram ao tema das emoções, dentre elas o medo. A primeira Teoria das Emoções parece ter sido desenvolvida por Platão, em sua obra Filebo. Aristóteles fez uma análise filosófica interessante sobre as emoções. Inúmeros outros pensadores se dedicaram ao assunto, como Agostinho de Hipona (Santo Agostinho), Tomás de Aquino, o bispo Telésio, Thomas Hobbes, René Descartes, Kant, etc. Não é nosso propósito, porém, descrever o pensamento destes filósofos do passado.
Na atualidade, as massas humanas são conduzidas pelo medo: medo das pandemias, das enfermidades, do desemprego, do desabastecimento, das convulsões sociais, das guerras externas, da fome, da miséria, dos cataclismos, da concorrência predatória, etc. Grande parte destes medos são, artificialmente, criados pela mídia a serviço dos “donos do mundo”. O ministro da Propaganda na Alemanha Nazista, Joseph Goebbels (1897 – 1945), já dizia, quando ainda estava no poder: "A essência da propaganda é ganhar as pessoas para uma ideia de forma tão sincera, com tal vitalidade, que, no final, elas sucumbam a essa ideia completamente, de modo a nunca mais escaparem dela. A propaganda quer impregnar as pessoas com suas ideias. É claro que a propaganda tem um propósito. Contudo, este deve ser tão inteligente e virtuosamente escondido que aqueles que venham a ser influenciados por tal propósito NEM O PERCEBAM." “Dê-me o controle da mídia e farei de qualquer país um rebanho de porcos”.
Suas antigas ideias foram, desde então, aperfeiçoadas pelos detentores da grande mídia e estes aperfeiçoamentos acabaram sendo estudados pelo professor Noam Chonsky (1928 - ), linguista, filósofo, sociólogo, cientista cognitivo, comentarista e ativista político. Chomsky afirmou que "a propaganda significa para a democracia o mesmo que o porrete significa para o estado totalitário". Desta forma, para Chomsky, a massificação da cultura se dá, basicamente, através de um artifício totalitário servindo a interesses econômicos. É através do medo que somos dominados pelas elites, medo este que faz com que muitos se viciem em drogas alienantes da realidade e que consumam remédios de tarja preta e álcool.
O fato é que com o desenvolvimento de novos fármaco-químicos ansiolíticos (que causam inibição leve do sistema nervoso) os transtornos de ansiedade, como os distúrbios do pânico e as fobias sociais; os transtornos do humor, como a bipolaridade e a depressão; as síndromes psicóticas, como a acatisia; as vertigens e os distúrbios do equilíbrio, podem ser suprimidos, permitindo aos indivíduos levarem uma vida normal, sem nenhum medo patológico além daqueles medos comuns provocados pela Mídia, com que somos constantemente massacrados, na atualidade, pelas nossas autoridades.
_*/ Economista e doutor pela Universidade de Madrid, Espanha;