quarta-feira, 21 de outubro de 2020

 401. Como muitos indivíduos fazem para manter a sua ignorância bem escondida  


Jober Rocha*



              Ignorância, conforme nos informam os dicionários, consiste em um estado mental de quem não está a par da existência ou ocorrência de algo ou de quem não tem conhecimento ou cultura, por falta de estudo, experiência ou prática.

              A subjetividade da ignorância pode ser estendida a inúmeros domínios, como o das leis, dos costumes, dos comportamentos, da verdade e da razão, por exemplo. Assim, uma pessoa ignorante poderia ser também considerada como ‘incompetente, inexperiente, mal-educada, pretensiosa, presunçosa e bronca’.

                  Inúmeros pensadores já se manifestaram sobre ela, como, por exemplo, Rui Barbosa, que afirmou: ‘A chave misteriosa das desgraças que nos afligem é esta; e somente esta: a Ignorância! Ela é a mãe da servilidade e da miséria’. Ou então William Shakespeare: ‘Só há uma treva: a ignorância’. Ou o filósofo Sócrates: ‘O início da sabedoria é a admissão da própria ignorância’.

                   Muitos outros pensadores, ao longo da história, já se manifestaram sobre a ignorância; mas, ficaremos apenas com estes três para não cansar os leitores.

                        A ignorância, todavia, pode ser bem escondida e milhares, se não milhões, de seres humanos fazem isto todos os dias. Existem, evidentemente, várias formas de escondê-la que são comumente utilizadas por cidadãos comuns, políticos, cientistas, professores, sacerdotes, militares e profissionais liberais e é sobre isto que trataremos neste texto. De tanto observá-los, acabei por perceber algumas delas, embora isto não esgote o assunto.

                     Iniciarei com a forma mais comum, que é a de, simplesmente, balançar a cabeça afirmativamente durante um diálogo, como se estivéssemos entendendo e concordando com o que está sendo dito pelo nosso interlocutor, muito embora nada saibamos sobre aquele assunto. 

                     Aquele que nos fala ficará impressionado com a nossa ‘cultura’, já que concordamos com o balançar afirmativo da cabeça sobre tudo o que fala e ele, com certeza, se julga alguém muito culto.

                          Outra forma de a escondermos consiste em nada dizer é adotar um comportamento impassível, como se soubéssemos mais do que ele, mas que não o quiséssemos contraditar. Se o oponente perguntar o que achamos da questão, devemos responder: - Penso de forma diferente, mas não gosto de criar polêmicas, notadamente com amigos; portanto, nada direi a respeito!

                         Uma variante consiste em, durante a conversa, ao perceber que nada sabe sobre o que está sendo discutido e que podem, eventualmente, solicitar a sua opinião, é a de alegar alguma reunião importante em outro lugar, um compromisso anterior, uma conferência que terá de fazer, pedir desculpas e sair rápido daquele local.

                      A ignorância costuma ser, também, escondida com a utilização de palavras rebuscadas e de pouco conhecimento dos ouvintes. Podem ser palavras pouco utilizadas de caráter técnico ou, até mesmo, palavras antigas que já caíram em desuso. Isto passa por um sinal indiscutível de cultura e é um método muito usado por cientistas, professores de pós- graduação, políticos, sacerdotes, magistrados, médicos, advogados e economistas, quando desejam demonstrar cultura, e fazer crer aos seus ouvintes ou leitores sobre a veracidade daquilo que escreveram ou sobre o que falam.

                           Quantas asneiras, parvoíces e estultices, ao longo da história, já foram aplaudidas de pé, pelo fato de os ouvintes ou leitores não terem compreendido nada daquilo que foi dito ou escrito por alguém que nada sabia sobre o assunto que tratava; mas, que era profundo conhecedor do uso da retórica e da construção de falácias com termos rebuscados e pouco usados. 

                        Quantos não se especializaram em técnicas de Neurolinguística, para dar credibilidade às asneiras, baboseiras, disparates e bobagens proferidas, sempre aos gritos como manda a técnica, para uma plateia política ou religiosa hipnotizada pelo magnetismo do orador?

                       Uma forma mais cruel de esconder a ignorância é a de apelar para a violência física. Sempre foi muito utilizada, pois, neste caso, quem a pratica aparece como o anjo do bem agindo contra o agente do mal. A verdade estaria com aquele que usa da violência para combater os que desejam promover o mal. 

                       O ato serve, portanto, para esconder a falta de conhecimento e de argumentos contraditórios, por parte dos violentos, e que são mantidos encobertos pela violência praticada.

                       Outra forma também utilizada consiste em adotar poses, roupas, procedimentos, etc., condizentes com a postura de um intelectual. Em suma, possuir uma aparência que seja interpretada e identificada, conforme a época e os costumes, com a de pessoas sábias e cultas.

                      Assim, ora deixando os cabelos e as barbas crescerem, ora usando óculos de grau, ternos bem feitos, togas, paramentos, jalecos e fardas impecáveis, ora carregando consigo livros, bastões de mando, cajados de profetas e pastores de almas, pastas de couro, estetoscópios, teses doutorais, processos jurídicos, medalhas, condecorações, comendas, etc., pode-se passar para o público, em geral, uma aparência de alguém que prima por possuir grande cultura e enormes conhecimentos.

                      Isto, meus caros, é o que fazem, diariamente, milhares, se não milhões, de seres humanos em todo o mundo. São pessoas que vivem de vender algo que não possuem consigo mesmo, pessoas que vivem de iludir o próximo (quase sempre crédulo, inocente e também ignorante), objetivando obter poder e riqueza, usando, para tanto, dos mais variados artifícios que desenvolveram ou aprenderam com a esperteza nata que possuem.

                      A grande questão que se coloca é a seguinte: como distinguir o joio do trigo? Evidentemente que existem milhares, se não milhões, de pessoas verdadeiramente cultas, sábias e inteligentes entre os cientistas, os filósofos, os militares e os sacerdotes, em todos os cantos do mundo.

                     Creio que para tanto, seria necessário, da parte dos ouvintes e leitores, um mínimo de conhecimento e de informação, de modo a poder perceber quando alguém fala com conhecimento de causa ou, simplesmente, emite sua opinião sobre algum assunto sem nada conhecer sobre ele, notadamente quando o assunto é de caráter político ou religioso, temas que ocupam grande parte das discussões mundialmente.

                      Imagino que se milhares, se não milhões, de pareceres, teses, livros, discursos, pronunciamentos, homilias, ordens do dia, sentenças, perícias, laudos, etc., feitos por indivíduos que procuravam demonstrar conhecimento e sapiência, deixassem de ser feitos, em nada mudariam os destinos dos países, das populações e dos indivíduos isoladamente.

                     Estes foram, simplesmente, trabalhos inócuos, sem utilidade prática nenhuma, apenas com o objetivo de demonstrar sabedoria, de esconder a ignorância, de justificar o injustificável ou de ganhar dinheiro e adquirir poder; trabalhos estes que, ou já foram destruídos por sua inutilidade ou que, por falta de serventia, jazem esquecidos em prateleiras de arquivos mortos pelos quatro cantos do mundo.

                       Todavia, muitos de seus autores ganharam dinheiro e poder com as sandices que disseram ou escreveram. Este é um grande paradoxo que vislumbro nas Ciências, nas Filosofias, nas Religiões e na Política, em geral: A ignorância da maioria enriquece e concede poder à falsa sabedoria de outros tantos ignorantes, que, com malícia, esperteza, egoísmo e maldade, conseguem enganar a todos, infelizmente ou felizmente, durante quase todo o tempo... 


_*/ Economista e doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.


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