369. Uma fábula tropical**
Jober Rocha*
No tempo em que os animais falavam, em um lugar nos trópicos cujo nome não desejo mencionar, os inúmeros animais que ali viviam em uma grande floresta, muito invejada por animais de outros países, resolveram demonstrar seus descontentamentos com os desmandos de certos animais importantes, com a violência que corria solta em todos os cantos da floresta e com o roubo de frutas e sementes praticado pelos ratos, indo em conjunto reclamar com o leão, o rei dos animais.
Afinal, eles o haviam escolhido rei há pouco tempo pelas suas reconhecidas qualidades de força, destemor, honestidade e justiça. Ocorre que, logo após o leão ter assumido as suas funções de rei, ele, todo o seu séquito e a maioria dos animais da floresta, perceberam que, na realidade, ele não reinava sobre nada; não passando de uma figura decorativa.
Logo alguns animais se deram conta de que os ratos, que até então tinham comandado aquela floresta, a tinham desorganizado de tal forma e modificado as formas de pensar dos animais e de entenderem a vida comunitária em uma floresta, que poucos eram aqueles que obedeciam fielmente ao novo rei.
Os animais começaram a inteirar-se de que havia um governo paralelo e subterrâneo, encarregado de desacreditar o leão como rei dos animais e de desfazer todas as suas ordens, com o intuito de substituí-lo na função de mais alta autoridade da floresta pela hiena, para eles um animal muito mais confiável do que o leão (principalmente, em virtude dos membros deste governo paralelo temerem os urros que, eventualmente, o leão lançava aos ares e que lhes causavam arrepios de medo. A hiena, segundo pensavam, quando muito, apenas, gargalhava e eles confiavam plenamente na reconhecida desonestidade dela para assumir cargo tão importante).
Os animais da floresta, principalmente as abelhas, as que mais trabalhavam, notaram que todos os ratos continuavam a roubar, para si mesmo e para os seus familiares e parentes próximos (Esquilos, Castores, Cutias e as Pacas), os alimentos que eram de propriedade coletiva dos diversos animais da floresta e que estavam depositados no tesouro real.
As abelhas, boas observadoras, eram as que mais trabalhavam e desejavam uma floresta bem cuidada, próspera, com flores exuberantes, onde fauna e flora fossem preservadas e elas pudessem desempenhar a função para a qual foram criadas, isto é, trabalhar e produzir o mel e a geleia real, fonte de alimento para diversas espécies animais, além de contribuir para a polinização e, por conseguinte, para a vida de muitas espécies vegetais.
Os papagaios, a serviço do governo paralelo, em seus voos pela mata ou do alto dos galhos das grandes árvores, reclamavam em altos brados e falavam contra os atos do leão, tentando influenciar os demais animais da floresta, sob os aplausos e gritos estridentes das araras e maritacas que recebiam, em paga por terem comparecido àquelas manifestações organizadas, sementes de girassol e algumas frutas.
Todos eles haviam recebido instruções do tal governo paralelo para desconstruir a imagem do leão, mostrando-o como um animal ignorante, meio amalucado, que só pensava em proteger a sua ninhada e que não estava preparado para as altas responsabilidades de ser um rei da selva.
As tartarugas, a quem cabia analisar e julgar os conflitos porventura surgidos, trabalhavam a passos de tartaruga quando se tratava das matérias do interesse do leão e a passos de lebre quando os assuntos eram do interesse dos ratos. Por vezes, as matérias extrapolavam as suas esferas de competência e eram, por elas mesmas, encaminhados para os urubus, a quem incumbia decidir, em definitivo, para qual dos lados as pendências iriam pender. Lembremo-nos que urubus e hienas gostam do mesmo tipo de iguarias e, portanto, pensam de maneira similar com relação a muitos assuntos.
Os macacos, a quem cabia estabelecer as regras de convivência a serem por todos respeitadas, eram os primeiros a violá-las argumentando que, se tinham a capacidade de viver nos altos galhos das árvores e no solo, possuíam, por isto mesmo e segundo eles, foros privilegiados pela própria Natureza; assim, podiam fazer o que bem quisessem, tanto nas alturas das árvores quanto no rés do chão.
Os macacos disputavam o poder com o leão e com os urubus que, juntamente com os Castores e os João de Barro, naturais empreiteiros encontrados em quase todas as florestas, formavam aquele governo paralelo mencionado anteriormente.
Os elefantes e os rinocerontes no solo; os hipopótamos nas águas; e as águias nos ares, constituíam, a rigor, os grandes garantidores do poder real do leão e os eventuais moderadores em questões mais sérias de desavenças entre o leão, os macacos e os urubus. Os dois primeiros por serem os mais fortes em terra; o terceiro o mais forte nas águas e o quarto a mais forte e veloz nos ares.
Os dois primeiros deveriam proteger o leão dos inimigos terrestres, o terceiro dos inimigos aquáticos e o quarto dos inimigos alados. Ocorre que cada um deles possuía, também, os seus próprios objetivos particulares.
Os elefantes e rinocerontes passavam seus dias a comerem folhas tenras e cascas de árvores, vez por outra emitindo um bramido ou grunhindo para espantar quem estivesse por perto e demonstrar poder e força. Alguns biólogos e zootécnicos, na atualidade, afirmam que eles de nada se esquecem, mas eu tenho cá as minhas dúvidas.
O mesmo faziam nas águas os hipopótamos, espantando os eventuais crocodilos que deles se aproximassem a uma distância ameaçadora. As águias, embora enxergassem longe, só pensavam em seus alimentos, que disputavam com os gaviões e falcões.
Nenhum destes mencionados tinha o costume de buscar o conflito por livre iniciativa com animais dos quais não fossem os predadores (até por que, com exceção das águias, eles eram herbívoros), mas sempre procuravam conviver de forma pacífica com todos os demais animais da floresta, mesmo que estes pudessem se constituir em seus potenciais inimigos. O conflito, com animais externos à floresta era sempre evitado. Com animais da própria floresta só raramente ocorria e, mesmo assim, depois de vencê-los, em seguida, eram todos os derrotados perdoados por aquele que estivesse chefiando a manada na ocasião.
O leão, finalmente, vendo que ninguém o obedecia como o rei daquela floresta, pediu auxílio aos elefantes e aos rinocerontes. Estes responderam-lhe que a floresta estava em paz e que não havia motivo para que deixassem uma região de chuvas e de fértil pasto, como aquela em que eles estavam, em busca de uma nova região que poderia ser de seca e de aridez do solo.
O leão buscou os hipopótamos, que afirmaram estar em uma região de rios profundos e com bastante plantas aquáticas e gramas, não vendo motivos para tomarem outro caminho, que poderia conduzi-los para planícies secas e áridas.
Como as águias estivessem preocupadas em procurar pequenos roedores para conduzi-los, coercitivamente, aos seus ninhos, onde os filhotes as esperavam famintos, o leão resolveu, finalmente, recorrer aos camaleões.
Pediu, então, a estes que, usando de seus mimetismos, buscassem se infiltrar sem serem percebidos entre os macacos, as tartarugas e os urubus, de forma a ouvir destes as suas maquinações e adiantar-lhe tudo aquilo que seus inimigos tramavam contra ele.
Algumas semanas depois, o leão, foi procurado por alguns camaleões que traziam péssimas notícias. Disseram-lhe sobre a existência de um complô tramado entre seus inimigos, que objetivavam destituí-lo do mais alto cargo para o qual havia sido escolhido pela maioria dos animais e entregar aquela floresta para ser administrada pelos bichos da seda, vindos de um continente longínquo e trazendo com eles novas tecnologias de manejo de florestas (falaram em algo como usar cinco Gs, que significaria: Gerir uma Gentalha na floresta com Grotesca e Genocida Ganância), coisa que ele, um simples leão de floresta, desconhecia totalmente.
Os bichos da seda, segundo afirmavam os camaleões, haviam prometido cargos e dinheiro para todos aqueles animais de destaque que apoiassem suas pretensões, pois no lugar distante onde eles viviam a terra era estéril, existiam pouquíssimos recursos naturais e eles careciam dos nossos recursos, já que lá, na terra deles, existiam bilhões de bichos da seda para alimentar.
O leão ficou preocupadíssimo com tudo aquilo que ouvira dos camaleões. Possuía três alternativas: ser destituído por algum dos inúmeros artifícios engendrados pelos seus inimigos; abdicar do cargo de rei dos animais ou solicitar ajuda externa.
O leão, aproveitando suas boas relações com o bisão, rei de umas extensas e ricas terras mais ao norte solicitou, por intermédio das abelhas trabalhadoras, a ajuda deste para manter afastado da sua floresta os bichos da seda e para ajudá-lo a combater seus três principais inimigos internos.
O bisão, em resposta trazida pelas abelhas, disse ao leão que seu mandato de rei das terras do norte estava expirando em breve; mas que contava ser reconduzido. Caso fosse (e tinha certeza de que o seria) o ajudaria a expulsar não só os bichos da seda, como também os ratos, os macacos, as tartarugas e os urubus, daquela rica floresta que despertava tanto interesse nos animais de todo o planeta.
Moral da estória: “O que não for bom para a colmeia, como um todo, também não será bom para a abelha. O que não for bom para a abelha, não será bom para a floresta. O que não for bom para a floresta, não será bom para toda a fauna e a flora que ali vivem, existindo o risco daquela floresta vir a se tornar futuramente um deserto”.
_*/ Economista e doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.
_**/ As fábulas são composições literárias curtas, escritas em prosa ou versos, em que os personagens são animais que apresentam características humanas.
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