245. Inês ainda não é morta! *
Jober Rocha**
A História mundial está cheia de episódios em que, lutando contra todas as adversidades e obstáculos que se lhes apresentavam, determinadas pessoas seguiram em frente, sem desanimar e sem se acovardar. Algumas obtiveram a vitória como prêmio, puderam usufruir dela e receberam o reconhecimento de seus contemporâneos; outras, foram derrotadas e perderam as suas vidas; mas, posteriormente, conquistaram o título de heróis e, para sempre, serão venerados e lembrados pelos seus companheiros.
No entanto, inúmeras vitórias dos primeiros e muitas das derrotas dos segundos, não foram justas e nem meritórias; tudo depende, sempre, em qual dos lados estavam pelejando os representantes do bem e da justiça, os únicos a fazerem jus ao título de heróis, segundo a minha maneira de ver.
Digo isto, porque, também, os criminosos, muitas vezes, obtêm vitórias, usufruem delas e são reconhecidos pelo resto da quadrilha; da mesma forma que alguns destes, depois de mortos, continuam sendo reverenciados por suas facções criminosas.
Os recentes acontecimentos da guerra civil urbana que assola, na atualidade, a cidade e o Estado do Rio de Janeiro tem, constantemente, evidenciado episódios de confronto em que tombam combatentes de ambos os lados da contenda. De uma parte os representantes da lei e da ordem, eufemisticamente chamados, pela esquerda, de guarda pretoriana das elites capitalistas (quando combatem a eles e aos criminosos comuns, por eles protegidos e treinados como potenciais membros de um eventual Exército Revolucionário, a ajuda-los na tomada e na manutenção do poder para a implantação do chamado narco-socialismo bolivariano), da outra os criminosos e suas diversas facções que possuem total liberdade de ação em muitos territórios já dominados nas periferias urbanas e em várias outras regiões do interior do Estado (e, pelos esquerdistas, chamados, também eufemisticamente, de pobres e inocentes vítimas de um sistema capitalista selvagem, cruel e injusto).
Desde os tempos de Leônidas (540 a.C- 480 a.C) com os seus 300 guerreiros espartanos, que ficaram para proteger a retirada do exército grego, bloqueando e impedindo o imenso exército persa, chefiado por Xerxes, de entrar na Grécia através do Desfiladeiro das Termópilas, homens corajosos se dispuseram a dar as suas vidas pela independência e sobrevivência de seus países.
No caso mencionado dos espartanos, todos eles morreram naquela batalha que a História preservou com o nome do desfiladeiro. Este episódio tem servido como exemplo do poder que um exército patriótico pode exercer, defendendo o solo pátrio, com apenas um pequeno grupo de combatentes portadores de honra e de fidelidade.
Em nosso próprio país, ao longo de edificantes exemplos no passado, possuímos diversos casos de abnegação, de coragem e de patriotismo, dos quais destacarei, apenas, o do tenente Antônio João Ribeiro (1823-1864); embora a Segunda Grande Guerra e as missões de paz das quais participamos, a seguir, como também a ação diária de policiais estaduais e federais, estejam repletas de episódios do mais puro heroísmo e de enormes sacrifícios pessoais por parte de nossos militares, policiais e, também, de nossos civis.
O tenente Antônio João Ribeiro (1823-1864), que mencionei, era comandante militar de Dourados, na então província de Mato Grosso. Em 1864, a frente de quinze companheiros, liderou a defesa da província ante a invasão dos militares paraguaios, em número muito superior, no episódio da nossa História conhecido como Guerra da Tríplice Aliança.
Antes de morrer, enviou ao seu chefe militar a seguinte mensagem, que se tornou célebre: “Sei que morro, mas meu sangue e o dos meus companheiros servirão de protesto solene contra a invasão do solo da minha pátria”.
Um monumento na Praia Vermelha, no Rio de Janeiro, em sua homenagem, relembra para a posteridade o histórico fato, em reconhecimento à sua bravura e a de seus subordinados.
O lado contrário, àquele que subverte a ordem, as leis, a moral e os bons costumes, também possui os seus mártires, que, no entanto, não podem ser chamados de heróis; posto que, lutavam por seus interesses particulares e mesquinhos (ou pelos proveitos de seus bandos e quadrilhas, que vivem em função do mal) e não pelos interesses da coletividade, que vive em função bem.
Alguém poderá argumentar: de qual lado está o bem e de qual está o mal?
Quanto a genealogia do bem e do mal, ficarei ao lado do filósofo Immanuel Kant em sua obra ‘Crítica da Razão Prática’, quando afirma que a religião (cuja principal preocupação gira em torno do bem e do mal ou das virtudes e dos vícios) não pode ser baseada na ciência nem na teologia, mas, sim, na moral.
Na obra do filosofo, encontramos os seguintes pensamentos:
“Temos de encontrar uma ética universal e necessária; princípios ‘a priori’ de moral, tão absolutos e certos quanto a Matemática. Temos de mostrar que a razão pura pode ser prática; isto é, pode, por si só, determinar à vontade, independentemente de qualquer coisa empírica; que o senso moral é inato e não derivado de experiência. O imperativo moral de que precisamos, como base da religião, deve ser um imperativo absoluto, categórico”.
“A mais impressionante realidade em toda a nossa experiência é, precisamente, o nosso senso moral, nosso sentimento inevitável, diante da tentação, de que isto ou aquilo está errado. Podemos ceder; mas, apesar disto, o sentimento lá está”.
“E uma boa ação é boa não porque traz bons resultados, ou porque é sabia, mas porque é feita em obediência a esse senso íntimo do dever, essa lei moral que não vem de nossa experiência pessoal, mas legisla imperiosamente e ‘a priori’ para todo o nosso comportamento, passado, presente e futuro”.
Portanto, caros amigos leitores, sempre existira, em qualquer contenda, dois (ou até mais) lados. Entretanto, o lado correto é aquele em que os contendores não lutam por seus interesses mesquinhos, egoístas e ilegais; mas, sim, pelos interesses honestos, altruistas e legais, presentes e futuros, de toda uma coletividade.
Esse senso ‘ a priori’ de que nossa atitude é errada, quando ela realmente é, está sempre presente em nosso íntimo; embora muitos indivíduos não sigam o que diz a sua voz interior.
Todos sabemos, por exemplo, em qualquer lugar do planeta e em qualquer época ou ocasião, que furtar algo que não nos pertença é errado; que não devemos fazer aos outros aquilo que não gostaríamos que os outros nos fizessem; que maltratar, agredir ou abandonar pessoas vulneráveis são coisas erradas; embora todos os dias nos deparemos com tais ocorrências sendo praticadas em todos os quatro cantos do planeta.
Tais acontecimentos podem ser bem justificados por profissionais do Direito e da Retórica; mas, mesmo absolvidos os seus protagonistas pelas leis humanas, eles mesmos, no íntimo, sabem que procederam de forma errada, em razão deste sentimento interno do dever, que está presente em todos os seres humanos conforme bem menciona Kant.
Os psicólogos, psiquiatras, psicanalistas e neurologistas, poderão identificar e estudar patologias mentais que impeçam estas percepções mencionadas, mas, elas serão sempre exceções para justificar a regra.
A razão disto tudo, que até aqui foi dito por mim, é para reafirmar que o nosso país está vivendo uma situação, que tende a se acirrar; na qual o bem e o mal travam um combate mortal que já produziu milhares de vítimas e que ainda produzirá muitas mais. O bem é representado por aqueles que pensam, honestamente, no todo; isto é, no bem-estar da população brasileira. O mal é representado por aqueles que só pensam em si, em seus grupos, em seus partidos; em suma, em seus interesses mesquinhos de poder e de riqueza.
Esse combate está sendo travado, diuturnamente, entre os agentes da lei e da ordem e os narcotraficantes, nas periferias pobres das cidades, e, também, entre os promotores de justiça, procuradores da república, juízes, e os chamados ‘criminosos de colarinho branco’, nas grandes cidades e na capital federal.
Todavia, o aparelhamento político-ideológico promovido nas últimas duas décadas, nos três poderes da república, tem dificultado a ação dos verdadeiros agentes da lei e da ordem, que pensam apenas na coletividade, cujo trabalho, muitas vezes é sabotado, desqualificado, desacreditado ou, simplesmente, destruído por aqueles que só pensam em si mesmo e nos interesses de seus grupos ideológicos, venais ou ambas as coisas ao mesmo tempo.
O próximo governo que teremos, a partir de 2019, irá, sem dúvida, definir para que lado a balança irá pender: se para o lado do bem ou do mal. Não teremos, certamente, outra oportunidade de reverter um quadro que se apresenta caótico e catastrófico, a exemplo do grande país vizinho, a Venezuela, que enveredou pelo mesmo caminho que alguns ideólogos, nacionais e internacionais, pretendem para o nosso país.
A pergunta que faço, finalizando este texto, é se continuaremos a ter exemplos, como aqueles dados pelos patriotas que tivemos no passado, para legar às nossas gerações futuras como uma demonstração de que, felizmente, “Inês ainda não é morta” *; pois continua viva no coração dos brasileiros que amam este país e que por ele, se preciso for, darão as suas próprias existências.
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_*/ "Inês é morta" é uma expressão da língua portuguesa que significa "não adianta mais". Hoje em dia a frase é usada para expressar a inutilidade de certas ações. Muitas vezes esta expressão completa é "Agora é tarde, Inês é morta", o que indica que é tarde demais para tomar alguma atitude a respeito de algo.
_**/ Economista e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.