sábado, 4 de novembro de 2017



148. A Geração dos Correspondentes de Guerra


Jober Rocha*


                 Todas as sociedades sentem necessidade da Literatura. Através dela os indivíduos que as compõem aprendem, se informam, passeiam pelo espaço físico e pelo tempo, enfim, se abstraem da vida comum e enfadonha que levam em suas medíocres existências.
                               Em nosso país, nos dias atuais, noto que a Literatura dos escritores está sendo substituída pela dos jornalistas. Muito poucos leitores acompanham os lançamentos literários dos escritores nacionais. Livrarias estão cerrando suas portas. O sonho e a ficção, produzidos pelas mentes dos escritores, estão sendo substituídos pela dura realidade do dia a dia nas grandes cidades, descritas pelos jornalistas.
                             As notícias que atualmente mobilizam a nossa sociedade são aquelas que dizem respeito à violência urbana dos assaltos, dos enfrentamentos, dos combates entre as forças da lei e os traficantes de drogas, das denúncias envolvendo políticos e empresários no desvio de recursos e no superfaturamento de obras públicas.
                              O crime e a corrupção, generalizados pelo território nacional, transformaram o nosso país em uma zona de guerra, de onde os escritores se retiraram e cederam seus lugares aos jornalistas, correspondentes de guerra.
                        Ficou difícil para aqueles ter a paz de espírito necessária para dar vazão à imaginação criativa, de modo a produzir grandes e belas obras literárias, em um cenário de guerra e de devastação moral e de costumes, como o que estamos vivendo.
                           O mais fácil, para quem gosta de escrever, é transformar-se em um jornalista do cotidiano, verdadeiro correspondente de guerra preocupado, apenas, em informar sobre o desenrolar diário dos combates e sobre a ação policial e da justiça, em sua ânsia de tentar conter a sanha criminosa de uma multidão de marginais, seja nos morros e na periferia dos miseráveis, seja nas capitais (inclusive a federal) e nos gabinetes e palácios dos poderosos. 
                           Para que a população amedrontada não busque outras terras, como refugiados de guerra, insere-se na Mídia muita notícia sobre esportes, sobre seitas, sobre futilidades (como filmes, novelas, mexericos e fofocas sobre artistas), tentando mostrar que a vida segue normal e que as instituições ainda funcionam com certa tranqüilidade. Em suma, tentam mostrar que ainda “reina a paz em todo o Território Nacional”.
                        A crise econômica, o desemprego, os baixos salários, o alto custo dos livros, por sua vez, também desestimulam a oferta e a demanda literária. Quem ganha pouco não compra livros como fonte de lazer e de instrução. Quem vive daquilo que escreve, não encontrando público leitor para suas obras, fica desestimulado e reduz seu ritmo ou, até, mesmo, busca outra atividade para se manter. 
                         Os poucos escritores que continuam escrevendo são aqueles que possuem fonte de renda própria e não dependem da profissão de escritor; em suma, escrevem porque gostam e porque não conseguem reprimir a imaginação criativa, tendo que extravasá-la. Muitos, embora brasileiros, vivem e moram no exterior onde encontram a paz de espírito para produzirem suas obras, vindo aqui apenas para divulgá-las.
                      Resta, pois, aos profissionais da escrita transformarem-se em verdadeiros correspondentes de guerra, escrevendo sobre o seu cotidiano de violência; seja sob a forma de pequenos textos e de crônicas na internet, no facebook ou na imprensa.
                    Assim, vê-se uma profusão de textos diários sobre crimes vários; prisão de traficantes; mortes de policiais; desvios de recursos; delações premiadas; declarações de políticos, de advogados e de autoridades negando crimes e acusações, etc.
                         Estas são as matérias que absorvem o tempo daqueles que o possuem para ler, não restando, pois, oportunidades para a Literatura do sonho, da ficção e da abstração produzidas pelos verdadeiros literatos; já que, a dura e crua realidade da vida veio absorver a atenção e todo o tempo disponível dos leitores.
                     Estando, pois, a sociedade brasileira vivendo uma situação de guerra não declarada e não assumida por nossas autoridades que, em razão de seus interesses próprios, afirmam e reafirmam a normalidade democrática e o funcionamento normal das instituições, proliferam no Teatro de Guerra Nacional os correspondentes de guerra, jornalistas e profissionais da escrita encarregados de transmitir às populações sitiadas em suas residências (gradeadas, muradas e cercadas de arames farpados), as notícias sobre o desenrolar dos combates, as ações das forças da lei e da ordem e as reações apresentadas pelo crime organizado ou não.
                      Enquanto isso, os amantes da Literatura, sonham com dias melhores e com aqueles famosos cavaleiros cantados em prosa e verso, tão comuns na era medieval, que libertavam os povos oprimidos da tirania, dos crimes e dos maus governantes. 

_*/ Economista, Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.

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