149. A falácia da santidade nas religiões
Jober Rocha*
O presente texto tem por objetivo evidenciar, com base na Filosofia e na Ciência, que a santidade, supostamente atribuída pelas religiões a alguns seres humanos, nada mais é do que uma falácia.
Segundo os dicionários o termo falácia deriva do verbo latino 'fallere', que significa enganar. Designa-se por falácia, portanto, um raciocínio errado com aparência de verdadeiro. Na lógica e na retórica, uma falácia é um argumento logicamente inconsistente, sem fundamento, inválido ou falho na tentativa de provar eficazmente o que alega. Argumentos que se destinam à persuasão podem parecer convincentes para grande parte do público, apesar de conterem falácias; mas não deixam de ser falsos por causa disso.
O vocábulo santo, por sua vez, em conformidade com o dicionário mundial Wikipédia, teria vindo do termo latino 'sanctu' e trataria de tudo aquilo que fosse sagrado; ou seja, que estivesse conforme os preceitos religiosos e a divindade. Santidade, por conseqüência, seria a qualidade ou a virtude de ser santo.
Especificamente para a Igreja de Roma, santo seria todo aquele ser cujo espírito já estaria no céu, junto de Deus, aguardando a segunda vinda de Cristo. Aqueles indivíduos que a Igreja reconheceu como santos, através da canonização, teriam sido pessoas que, segundo ela, desempenharam uma obra admirável ou cuja vida serviria de exemplo aos demais cristãos. Na Igreja Ortodoxa e na Igreja Anglicana pessoas reconhecidas por virtudes especiais poderiam receber, também, o título de Santo; entretanto, a Igreja de Roma foi a que mais gerou santos na sua História. Na atualidade existem cerca de três mil santos oficialmente reconhecidos, embora o total geral daqueles que receberam este título, ao longo da história do cristianismo, seja desconhecido.
Só João Paulo II, em 25 anos de pontificado, chegou a proclamar 476 santos e 1.314 beatos. Esse título de santo denotaria, assim, que, além de um grande caráter, a pessoa estaria na graça de Deus. Ademais, a falta do reconhecimento formal do título não significaria, necessariamente, que o indivíduo não fosse classificado como um santo pela igreja, pois aqueles que não possuíssem o reconhecimento formal receberiam o título de santos anônimos.
Assim, a figura do santo passou a ser endeusada pelas igrejas, de um modo geral, fazendo com que inúmeros de seus mais ardorosos adeptos buscassem, a todo custo, atingir este status glorioso, seja mediante ações virtuosas em vida ou, até mesmo, submetendo-se a padecimentos e martírios, como inúmeros casos ocorridos ao longo da História. Uma possível explicação para este comportamento além da argumentação de que a santidade corresponde a uma falácia são fornecidas nas páginas que se seguem e suas origens remontam a antes do cristianismo existir como religião.
Todavia, ao iniciar a explanação da nossa tese, convém deixar claro que desde a mais remota antiguidade os seres humanos já tinham sido inoculados pelo vírus da curiosidade, do questionamento e da preocupação metafísica sobre a natureza humana, seus desejos e comportamentos. Esta não é, portanto, uma doença contemporânea.
Nos tempos de Aristóteles já constituíam preocupações dos filósofos, descobrir e explicar por que os seres humanos agiam da forma como agiam, em busca da felicidade e do prazer.
Pelo lado religioso, Sidarta Gautama (563 a.C – 483 a.C), fundador do Budismo, estudou as causas do sofrimento a as condições necessárias para eliminá-lo e atingir o Nirvana (estado de perfeita paz mental semelhante à santidade), que consistiria na liberação total do sofrimento e na aniquilação do desejo, fator que, segundo ele, gerava o sofrimento.
Deixando a religião, provisoriamente, de lado e atendo-nos a Filosofia, encontramos que vários filósofos ao longo da História discorreram sobre o prazer e a felicidade e suas importâncias e conseqüências nas ações humanas. Muitas daquelas considerações foram, mais tarde, apropriadas pelo cristianismo e incorporadas às suas próprias crenças e liturgias.
Na verdade tais idéias sobre prazer e felicidade tiveram grande importância para a origem da filosofia, bem como de várias religiões. Elas fizeram parte das primeiras reflexões filosóficas sobre Ética, que foram elaboradas na Grécia antiga. Muitos filósofos que discorreram sobre o assunto, desde aqueles tempos, possuíam pensamentos bem semelhantes, inclusive alguns deles coincidentes com os escritos de Sidarta Gautama.
Demócrito de Abdera (460 a.C.- 370 a.C.) julgava que a felicidade era ‘a medida do prazer e a proporção da vida’. Para atingi-la, ‘o homem precisava deixar de lado as ilusões e os desejos e alcançar a serenidade’. A filosofia, segundo ele, ‘era o instrumento que possibilitava esse processo’.
Sócrates (469 a.C.- 399 a.C.) deu novo rumo à compreensão da ideia de felicidade, postulando que ela não se relacionava, apenas, à satisfação dos desejos e necessidades do corpo, pois, para ele, o homem não era só o corpo, mas, principalmente, a alma. Assim, ‘a felicidade era o bem da alma, que só podia ser atingido por meio de uma conduta virtuosa e justa’. Para Sócrates, ‘sofrer uma injustiça era melhor do que praticá-la’.
Antístenes (445 a.C.- 365 a.C.), seu discípulo, acrescentou um toque pessoal à ideia de felicidade do mestre, considerando que 'o homem feliz é o homem auto-suficiente'. A ideia de auto-suficiência continuou diretamente vinculada à de felicidade nos setecentos anos seguintes.
O maior discípulo de Sócrates, que, efetivamente, levou a especulação filosófica adiante de onde a deixara seu mestre, foi Platão (427 a.C.- 347 a.C.), o qual considerava que 'todas as coisas têm sua função. Assim, como a função do olho é ver e a do ouvido, ouvir, a função da alma é ser virtuosa e justa, de modo que, exercendo a virtude e a justiça, ela obtém a felicidade'.
Aristóteles (384 a.C.- 322 a.C.) dedicou todo um livro à questão da felicidade: a ‘Ética a Nicômaco’ (que é o nome de seu filho, para quem o livro foi escrito). Amigo de Platão, mas, em suas próprias palavras, ‘mais amigo da verdade’, Aristóteles criticou o idealismo do mestre, reconhecendo a necessidade de elementos básicos como a boa saúde, a liberdade (em vez da escravidão) e uma boa situação socioeconômica para alguém ser feliz.
Após Alexandre ‘O Grande’, no mundo grego, surgiram quatro principais escolas filosóficas buscando os caminhos da felicidade. Tais escolas iriam se estender até o fim do Império romano e propagavam as chamadas filosofias helenísticas.
Uma delas consistiu no Epicurismo, que se tratava de um sistema filosófico proposto pelo filósofo Epicuro (341 a.C - 271 a.C), conhecido como “Profeta do prazer e da amizade”, que pregava ‘a procura dos prazeres moderados, para atingir um estado de tranquilidade e de libertação do medo, com a ausência de sofrimento corporal, pelo conhecimento do funcionamento do mundo e da limitação dos desejos’. Quando os desejos fossem exacerbados, segundo ele, 'poderiam ser fonte de perturbações constantes, dificultando o encontro da felicidade, que consistiria em manter a saúde do corpo e a serenidade do espírito'.
Segundo Epicuro, 'para ser feliz seria necessário controlar os nossos medos e desejos, de maneira que o estado de prazer fosse estável e equilibrado, com um consequente estado de tranquilidade e de ausência de perturbação'.
A finalidade da filosofia de Epicuro não era teórica, mas bastante prática. Buscava, sobretudo, ‘encontrar o sossego necessário para uma vida feliz e aprazível, na qual os temores perante o destino, os deuses ou a morte, estariam definitivamente eliminados’. Para isso, fundamentava-se em uma teoria do conhecimento empirista, em uma física atomista e na ética.
A ideia que Epicuro tinha era a de que, 'para ser feliz, o homem necessitava de três coisas: liberdade, amizade e tempo para filosofar'.
Epicuro defendia que 'nada estava além dos nossos sentidos e que não existiria nenhuma realidade que não poderia ser entendida com auxílio dos nossos cinco sentidos, princípio este denominado naturalismo radical'.
Epicuro pregava, ainda, que 'os deuses existiam, mas não estavam preocupados conosco’. Se os deuses não se encarregavam de nosso destino, benção ou maldição; caberia a nós mesmos esta responsabilidade. A felicidade ou o sofrimento dependeria, portanto, das escolhas de cada um.
Epicuro afirmava, também, 'a ideia da morte como sendo o nada’. A dor e o sofrimento residiam nas sensações, na vida como fardo; e se a morte era o total aniquilamento do viver, nada teríamos a temer. A lógica da sua filosofia era a de que, ‘se a vida e as sensações causavam o sofrimento do indivíduo, a morte existiria para cessar essas sensações. Portanto, era inadmissível imaginar que ocorreria sofrimento, pois a morte ocasionaria o extermínio das sensações’.
Para Epicuro, ‘o desejo se originava de uma falta, que podia partir da natureza (desejo natural) ou de uma opinião falsa (desejo frívolo)’.
Em sua época, e mesmo posteriormente, Epicuro possuía muitos discípulos e seguidores.
Outra escola helenística foi o Estoicismo, que apresentava uma visão unificada do mundo, consistindo de uma lógica formal, uma física não dualista e uma ética naturalista. Os estoicos enfatizavam a ética como o foco principal do conhecimento humano. O estoicismo ensinava o desenvolvimento do autocontrole e da firmeza, como um meio de superar emoções destrutivas. Defendia que ‘tornar-se um pensador claro e imparcial, possibilitava compreender a razão universal (logos)’. Um aspecto fundamental do estoicismo envolvia a melhoria da ética do indivíduo e de seu bem-estar moral: 'A virtude consistia em um desejo que estava de acordo com a natureza'. Este princípio também se aplicava ao contexto das relações interpessoais; ‘libertar-se da raiva, da inveja e do ciúme e aceitar, até mesmo, os escravos como iguais aos outros homens, porque todos os homens são igualmente produtos da natureza’.
A ética estoica defendia uma perspectiva determinista. Com relação àqueles que não tinham a virtude estoica, Cleanto, uma vez, opinou que o homem ímpio é ‘como um cão amarrado a uma carroça, obrigado a ir para onde ela vai’. Já um estoico virtuoso, por sua vez, alteraria a vontade própria para se adequar ao mundo e permanecer, nas palavras de Epiteto, ‘doente e ainda feliz; em perigo e ainda assim feliz; morrendo e ainda assim feliz; no exílio e feliz; na desgraça e feliz’; assim afirmando um desejo individual ‘completamente autônomo’ e, ao mesmo tempo, um universo que é ‘um todo rigidamente determinista’.
O estoicismo acabou por tornar-se a filosofia mais popular entre as elites educadas do mundo helenístico e do Império Romano.
A outra escola consistia no Ceticismo, que era tanto uma escola de pensamento filosófico quanto um método que atravessava disciplinas e culturas. Muitos céticos examinavam criticamente os sistemas de significado de sua época, e este exame muitas vezes resultava em uma posição de dúvida.
O cético era aquele que, insatisfeito com as irregularidades do mundo em que vivia, saia procurando explicações que o levassem a verdades sobre como entender e resolver estas irregularidades. De posse da verdade o cético esperaria alcançar, enfim, paz de espírito. Porém nenhum sistema filosófico que ele havia estudado tinha sido capaz de lhe proporcionar qualquer certeza absoluta sobre os objetos de estudo. Ainda por cima, para todo sistema dogmático que afirmava ter descoberto a verdade, havia sempre outro sistema dogmático, oposto ao primeiro e igualmente convincente (antilogia), que também dizia ter encontrado a verdade. Diante destas contradições e incertezas, e dada, até então, a impossibilidade de alcançar uma explicação absolutamente verdadeira, o cético decidia-se por suspender seus juízos sobre o que quer que fosse, encontrando, com isso, a paz de espírito, que antes ele esperava alcançar através da posse da verdade.
Outra destas escolas era o Cinismo. Para os cínicos, ‘o propósito da vida era viver na virtude, de acordo com a Natureza’.
O cinismo se espalhou durante a ascensão do Império Romano, no século I, quase se tornando um movimento de massas, e, assim, os cínicos eram encontrados pedindo dinheiro e pregando ao longo das cidades do império. A doutrina finalmente desapareceu no final do século V, embora alguns afirmem que o cristianismo primitivo adotou muitas de suas idéias ascéticas e retóricas.
Por volta do século XIX, a ênfase sobre os aspectos negativos da filosofia cínica levou ao entendimento moderno de cinismo, ou seja, significar uma disposição de descrença na sinceridade ou bondade das motivações e ações humanas, e como uma caracterização de pessoas que desprezam as convenções sociais. Para encorajar as pessoas a renunciarem aos desejos criados pela civilização e convenções, os cínicos, de então, empreenderam uma cruzada de escárnio anti-social e assim demonstrar as frivolidades da vida social.
O cinismo foi uma das filosofias mais marcantes de toda a filosofia helenística. O cinismo oferecia às pessoas a possibilidade de felicidade e liberdade do sofrimento em uma época de incertezas. Embora nunca tenha havido uma doutrina cínica oficial, os princípios fundamentais do cinismo podem ser resumidos da seguinte forma:
1. O objetivo da vida era a felicidade e a clareza ou lucidez - significando libertação da nebulosidade, que, por sua vez, significava ignorância, inconsciência, insensatez e presunção.
2. A arrogância era causada por falsos julgamentos de valor, que causavam emoções negativas, desejos não naturais e um caráter vicioso.
3. O desenvolvimento humano dependia de auto-suficiência e indiferença para com as vicissitudes da vida
4. Evoluía-se através de práticas ascéticas que ajudavam o indivíduo a tornar-se livre de influências - tais como riqueza, fama ou poder - que não tinham valor na natureza.
5. A sabedoria maior consistia na ação, não apenas no pensar.
Assim, um cínico não tinha bens e rejeitava todos os valores convencionais de dinheiro, fama, poder ou reputação. Viver de acordo com a Natureza requeria, apenas, as necessidades básicas para a existência e qualquer um poderia tornar-se livre, ao libertar-se de todas as necessidades resultantes das convenções.
Vê-se, portanto, que tanto o povo quanto a elite do império romano já dispunham de conceitos filosóficos orientadores de seus pensamentos, conceitos estes que mesclavam com crenças religiosas sobre deuses, espíritos e demônios.
Com o fim do mundo helênico e o advento da Idade Média, a felicidade desapareceu do horizonte da filosofia. Estando relacionada à vida do homem neste mundo, ela não interessou aos filósofos cristãos como Agostinho de Hipona (354 d.C.- 430 d.C.), mais conhecido como Santo Agostinho; Anselmo de Canterbury (1033 - 1109) ou Tomás de Aquino (1225 - 1274), todos eles tornados santos pela Igreja católica. Para a filosofia cristã, mais do que a felicidade, o que contava era a salvação da alma (que, implicitamente e sem que a primitiva psicologia se apercebesse, tratava da futura felicidade do espírito).
Alguns filósofos voltaram a se debruçar sobre o tema na Idade Moderna. John Locke (1632 - 1704) e Leibniz (1646 - 1716), na virada dos séculos XVII e XVIII, identificaram a felicidade com o prazer, um ‘prazer duradouro’. Algumas décadas depois, o filósofo iluminista Immanuel Kant (1724 - 1804), na obra ‘Crítica da Razão Prática’ definiu a felicidade como ‘a condição do ser racional no mundo, para quem, ao longo da vida, tudo acontece de acordo com o seu desejo e vontade’.
Constata-se, assim, que a felicidade e o prazer sempre foram objetivos humanos, a nortearem as ações dos indivíduos durante suas existências e constituíram fonte inesgotável de ocupação do tempo dos filósofos, desde o início da Filosofia.
Ainda buscando as origens das ações humanas que conduziriam à felicidade ou à infelicidade, através do campo da Ciência, o médico e psicanalista Sigmund Freud (1856-1939) estabeleceu o Princípio do Prazer, que, traduzido em outras palavras, seria o desejo de gratificação imediata que acompanharia todos os indivíduos em suas ações. Tal desejo conduziria o ser humano a buscar o prazer e a evitar a dor, mais ou menos na mesma linha de raciocínio de alguns filósofos.
O Princípio de Prazer, por ele estabelecido, opor-se-ia ao Princípio de Realidade, que se caracterizaria pelo adiamento da gratificação do prazer. O Principio da Realidade faria parte do amadurecimento normal do indivíduo, ao aprender a suportar a dor e adiar a gratificação do prazer. Ao fazer isso, ele passaria a reger-se menos pelo Princípio do Prazer e mais pelo Principio da Realidade, embora, subjacente aos seus atos reinasse o prazer.
Em sua atuação clínica, segundo seus biógrafos, Freud chegou à conclusão de que a mente funcionava de modo a alcançar o prazer e evitar o desprazer. Assim, se por último lugar o psiquismo buscava eliminar excitações, por primeiro lugar almejava alcançar prazer. Logo, a sensação de prazer era a experiência qualitativa de uma redução de excitações dentro do psiquismo, ou seja, prazer significava descarga de excitações.
Em http://psicanaliseclinica.com/principio-do-prazer-freud/ encontramos que,
‘Segundo a Teoria da Personalidade de Freud, o Princípio do Prazer é o que guia o Id. Isso quer dizer que o Id é sua força propulsora. Sabemos que o que o Id busca é a satisfação imediata dos impulsos humanos, que podem ter caráter de desejo ou de necessidade primária. Sendo o princípio do prazer a força motriz do Id, podemos concluir que ele tem como único objetivo satisfazer nossos impulsos primitivos. Esses podem ser o impulso da fome, o da raiva ou o sexual’.
‘Lembremo-nos que para Freud o Id é a parte psíquica da mente humana que trata de desejos biológicos, presente desde o nascimento. Assim, da mesma forma como pode ser considerado a origem das mais intensas motivações humanas, é a instância mental que tende a permanecer mais enterrada no campo inconsciente’.
‘Basta perceber como agem os indivíduos na primeira infância. Nessa fase, o Id comanda o indivíduo. Isso quer dizer que quem guia as ações infantis é o Princípio do Prazer, orientando-as sempre no sentido de satisfazer suas necessidades básicas. As crianças menores tendem a exigir a satisfação de suas necessidades, como fome, sono e desejos variados. E o fazem sem levar em consideração o local e o momento. Isso porque nelas não se encontra desenvolvido o Ego que, por sua vez, é guiado pelo Princípio da Realidade’.
‘Enquanto o Id é guiado pelo princípio de prazer, o Ego é guiado pelo Princípio da Realidade. Sua principal função é satisfazer o máximo possível os desejos do Id, mas de uma forma socialmente adequada ditada pelo Superego. Nesse sentido, o Princípio da Realidade se opõe ao Princípio do Prazer. Mas não para anulá-lo. Sua função segue no sentido de mediar os impulsos do Id para que eles sejam satisfeitos de acordo com os princípios morais da realidade social’.
‘O Princípio da Realidade se desenvolve, assim como o Ego, a partir do amadurecimento da personalidade e da vida em sociedade. Os aspectos culturais dizem muito, portanto, do conteúdo que preencherá o Ego, ainda que sua função seja fixa’.
‘O Ego, regido pelo princípio da realidade, está preocupado em evitar o perigo e adaptar o indivíduo à realidade e ao comportamento civilizado. Freud destaca, ainda, que o nível pré-consciente também é regido pelo Princípio da Realidade’
‘É bastante provável que o Princípio do Prazer entre em conflito com a atividade consciente da psique. Isso porque ela se preocupa constantemente em evitar o perigo e garantir a adaptação do indivíduo no mundo exterior’.
‘Quando a mente é dominada pelo Principio do Prazer, que pode ser entendido aqui como a busca da satisfação de desejos, somos levados a agir de forma estritamente impulsiva. Sabemos que as ações impulsivas desprezam regras e, em consequência, não obedecem a nenhuma lógica’.
‘Podemos dizer, então, que o Princípio da Realidade racionaliza os impulsos arcaicos do Princípio do Prazer, de forma a delimitar, a partir de regras culturais, quais desses impulsos podem ser satisfeitos, quando podem e onde são aceitáveis’.
‘Freud conclui, portanto, que todo o pensamento humano é, por um lado, conflito e, por outro, compromisso entre o sistema pré-consciente (Princípio da Realidade) e inconsciente (Princípio do Prazer)’.
Em sua obra ‘O Fenômeno Religioso sob a leitura da Psicanálise Freudiana’, Caroline Gonzaga Torres, menciona que:
‘Freud nos diz que existe algo mais nos agrupamentos humanos e que forças psíquicas mais poderosas atuam no sentido de manterem as pessoas unidas. Na análise da Igreja, Freud (1921/1996) cita o líder como figura idealizada pelo grupo, tendo capacidade de proteger e castigar. Os membros do grupo o colocam no lugar de ideal do eu, possibilitando a identificação, entre si, através do ideal que é comum a todos. O ideal do eu se desenvolve como uma instância de referência. Freud (1921/1996) a observa como uma formação separada do eu, que torna possível a fascinação amorosa e a submissão à figura de um líder, quando este é colocado pelo sujeito no lugar de ideal de eu. Sendo assim, é o líder-herói que dá ao grupo a sua identidade e suas feições, imprimindo a sua referência, assemelhando-se, também, à figura paterna. Considerando que o fenômeno religioso se organiza de forma tal a possibilitar um agrupamento de pessoas, permitindo, assim, relacionamentos entre os homens, Freud (1929/1996), no texto ‘O Mal-Estar na Civilização’, apresenta sua concepção da condição humana, que busca felicidade e prazer ainda que esteja em contradição com as restrições impostas pela cultura, partindo de uma análise acerca da religiosidade’.
Como assinala Freud, os adeptos religiosos veem o seu líder como àquele com capacidade para proteger ou castigar, segundo as ações de cada um, e o colocam no lugar de ideal do eu, tornando possível a fascinação amorosa e a submissão à figura do líder, assemelhando-o a figura paterna. Todos os verdadeiros crentes almejariam, pois, em busca do prazer e da felicidade sem limites, estar eternamente ao lado do ‘pai celestial’, objetivo este que só alcançariam mediante a santidade. Outras religiões conduzem seus adeptos a pensarem da mesma forma; isto é, a desejarem, após o final da existência, estar em um lugar agradável, tranqüilo, felizes, ao lado dos entes queridos e das divindades. Os próprios indígenas norte-americanos, em suas concepções metafísicas do após a morte, afirmavam que, ao deixarem esta vida, iriam para os felizes campos de caça do além, onde viveriam com fartura de tudo aquilo que necessitavam.
O raciocínio errado, no que respeita a santidade, que caracterizaria a falácia mencionada no título deste texto, trata das ações direcionadas ao objetivo santidade, por parte dos adeptos religiosos, e sobre as razões que, teoricamente, as motivariam. Relativamente às ações do adepto necessárias ao alcance do grau de santidade, segundo a Igreja de Roma, ‘o candidato deveria demonstrar que praticava, de forma heroica e continuada, as virtudes da fé; além de ter, pelo menos, um milagre a ele atribuído’.
Por virtudes da fé, se entende as chamadas Virtudes Teologais, definidas pela igreja como a fé, a esperança e a caridade.
Por Fé, a igreja entende ‘a virtude pela qual cremos em Deus e em tudo o que Ele nos disse e revelou e que a santa igreja nos propõe para acreditarmos, por que Ele é a própria verdade. Pela fé, o homem entrega-se total e livremente a Deus; e, por isso, o crente, procura conhecer e fazer a vontade de Deus’.
Por Esperança a igreja entende ‘a virtude pela qual desejamos o reino dos céus e a vida eterna como nossa felicidade, pondo toda a nossa confiança nas promessas de Cristo e apoiando-nos não nas nossas forças, mas no socorro da graça do Espírito Santo’.
Por Caridade a igreja entende que esta virtude ‘assegura e purifica a nossa capacidade humana de amar e eleva-a a perfeição sobrenatural do amor divino. A caridade é benevolente e, conforme afirma a igreja, suscita a reciprocidade’.
Com respeito à necessidade de atribuição de um milagre, ao candidato a santidade, destacamos um texto do filósofo e escritor Jean Marie Arouet (1694-1778), conhecido como Voltaire, que, em seu ‘Dicionário Filosófico’, escrito no ano de 1764, afirmava:
- ‘Segundo as ideias aceitas, os milagres seriam violações das leis matemáticas, divinas, imutáveis, eternas. Mediante essa exposição, o milagre seria uma contradição; já que uma lei não pode ser violada’. Voltaire afirmava, ademais: - ‘Deus nada pode fazer sem razão, sendo impossível conceber que a natureza divina trabalhasse para algum homem, em particular, em detrimento dos outros; constituindo-se a mais absurda das loucuras, imaginarmos que o Ser Infinito invertesse, em favor de alguns, o movimento dessas imensas molas que fazem mover o Universo inteiro. Assim, ousar supor que Deus realiza milagres é realmente insultá-lo (se é que os homens podem insultar a Deus), e desonrar de certo modo a divindade’. Voltaire citava, ainda, que, ao perguntarem a um filósofo o que diria se visse o sol deter sua marcha e os mortos ressuscitarem, o filósofo teria respondido: - ‘Tornar-me-ia Maniqueísta e diria que existe um principio que desfaz o que o outro fez’.
O filósofo Baruch Spinoza (1632-1677), também a respeito de milagres, afirmava: - ‘Contra a natureza, ou acima da natureza, o milagre não passa de absurdo e Deus era mais bem conhecido graças à ordem e à necessidade da natureza do que por pretensos milagres’.
Evidentemente, quando estão envolvidos crentes fervorosos, sacerdotes devotos e autoridades religiosas que possuem interesses mercadológicos na divulgação de milagres, objetivando a expansão da fé e a aquisição de novos adeptos, os milagres dos postulantes a santidade, eventualmente relatados, acabam sendo, quase sempre, confirmados.
Relativamente às razões que, consciente ou inconscientemente, motivariam os adeptos religiosos a almejarem atingir a santidade, todos os crentes, inclusive a própria Igreja de Roma, imaginam que permeiam, na mente e na alma dos candidatos, ideais de bondade, de sacrifício pessoal, de aceitação do sofrimento, de caridade, etc. O que quase ninguém consegue imaginar é que, muitos destes postulantes ao grau de santidade, podem estar agindo, inconscientemente, por puro prazer do Id e em busca da felicidade própria, em uma postura estritamente pessoal e egoísta; fato este que deve ocorrer com bastante freqüência segundo as inúmeras considerações, de ordem filosófica e científica, já mencionadas no início do texto.
Mesmo ao se tecerem considerações de ordem religiosa, vemos que no próprio Budismo, criado por Sidarta Gautama, o que se objetiva com a prática deste é atingir o nirvana e, a partir de então, não mais encarnar. Ora, por que não mais encarnar? Por que não continuar, em encarnações seguintes e sucessivas, seguir auxiliando e ajudando inúmeros outros espíritos encarnados, pouco evoluídos, que continuam sofrendo neste planeta de expiação? Por puro egoísmo cada um só pensa em si, desejando atingir o mais breve possível o estagio que lhe permitiria deixar para trás o sofrimento de uma encarnação e, a partir de então, não mais encarnar e passar a privar da companhia do Criador e dos demais espíritos iluminados. Ocorre que a decisão de encarnar ou não é tomada do outro lado da fronteira entre a vida e a morte. Aquilo que, aqui, se imagina como o estado de santidade ou o nirvana, pode não ser considerado como tal do outro lado.
Muitos papas, cardeais e demais sacerdotes foram canonizados pela igreja, ao longo de sua história, e cronistas da época e historiadores possuem sobre eles uma imagem totalmente oposta àquela que a Igreja de Roma divulga com respeito a eles. Os seres humanos são entes políticos e os interesses econômicos, financeiros, políticos e estratégicos se sobrepõem aos demais.
A santidade e o estado de nirvana, coisas semelhantes, não são buscados, portanto, por grande parte dos adeptos do cristianismo, do budismo e de outras religiões, com finalidades especificamente altruístas, mas, sim, com finalidades simplesmente egoístas, quase sempre de forma inconsciente e sem disso se darem conta. Todos os seres almejam a felicidade e os prazeres. Àqueles que não os conseguem nesta existência, sejam quais forem às razões ou motivos, restaria ainda, em um derradeiro esforço, alcançá-los após a morte, no reino dos céus e junto ao Criador de todas as coisas. Para tanto, far-se-ia necessário um comportamento virtuoso ou algum ato de sacrifício extremo ou martírio. Esta é a minha tese. Por detrás de todo indivíduo religioso que apresenta comportamento virtuoso e ascético, certamente, esconde-se os desejos de felicidade e de prazer eternos, em uma vida futura.
Quem acompanhou meu raciocínio, desde o início, percebeu que a própria Igreja de Roma, criada pelo imperador Constantino durante o Concilio de Niceia, absorveu muito da filosofia grega e de religiões mais antigas, como o Mitraísmo, o Zoroastrismo e o culto egípcio de Ísis, Horus e Ozíres. Os seus primeiros adeptos trouxeram, para a nova religião, recém criada, pensamentos e crenças comuns a estas filosofias e religiões mais antigas já mencionadas.
O referido Concílio de Niceia, promovido pelo Imperador Romano Constantino, no ano de 325 d.C., estabeleceu as bases da futura Religião Católica Apostólica Romana (até então inexistente e que somente foi criada, de forma oficial, em 381 d.C, durante o Concílio de Constantinopla), selecionando os textos que passariam a compor o denominado Novo Testamento, que teve a sua origem baseada na figura mitológica de Jesus Cristo a quem foi, proposital e posteriormente, imputada uma natureza divina, segundo pensam diversos pesquisadores iguais a mim.
As discussões que se seguiram ao Concilio de Niceia, sobre a deidade ou não de Jesus Cristo, tiveram sua origem em um simples fato: todos os imperadores romanos, durante o período em que o império adotara o politeísmo, eram proclamados deuses e possuíam estatuas, que eram veneradas pelos súditos do império. Por conseqüência, ao proibir o politeísmo e implantar o monoteísmo, como poderia o representante máximo daquela nova religião sendo construída por Constantino, Jesus Cristo, não ser, também, um Deus? Assim, nos concílios que se seguiram, inúmeras arestas foram sendo aparadas, contradições desfeitas e opiniões pessoais inseridas na liturgia como sendo manifestações divinas. Com o passar do tempo, tudo aquilo que tomou a forma de decisões humanas, fruto de acaloradas discussões (muitas vezes violentas, com agressões e mortes entre sacerdotes adeptos de correntes distintas), passou a ser considerado como sagrado e incorporado a liturgia da Igreja de Roma.
Entretanto, para que Jesus fosse considerado Deus, havia, ainda, um problema adicional, importante, que necessitava ser solucionado: como fazer com o pai, a mãe, o irmão, os primos, os tios e os avos de Jesus (de Deus); em suma, com toda a sua família? Seriam eles também considerados Deuses?
Se assim fosse, eles deveriam ser considerados, após a morte de Jesus (de Deus), a linhagem familiar deste Deus e, forçosamente, deveriam ser, por isso mesmo, os sucessores, por direito humano e divino, daquela nova igreja que o Império Romano (através de seu imperador Constantino) estava criando, o que, evidentemente, jamais ocorreu.
Para retirar da família de Jesus (de Deus) o direito de sucessão da Igreja de Roma, sendo naquela ocasião criada, e transferi-lo para os sacerdotes a serem nomeados e comandados pelos imperadores, segundo os interesses da elite romana, os pais biológicos de Jesus não poderiam ser considerados Deuses, nem seus irmãos, primos, sobrinhos e tios, e, por via de conseqüência, quaisquer outros familiares, parentes e descendentes.
A forma encontrada para não permitir que, tendo Jesus já falecido, o direito e os poderes para sucedê-lo, como representante e ‘Pontifex Maximus’ (Sumo Pontífice) da nova religião criada por Constantino, fossem transmitidos para seus familiares, foi uma engenhosa criação da inseminação divina de sua mãe; exemplo este que não chegou a ser original, pois foi tomado emprestado de religiões mais antigas e da própria mitologia grega, que já relatava a união carnal de Deuses com seres humanos, união esta que dava origem aos Heróis.
Inúmeras semelhanças existem entre o Deus Jesus e os Deuses de outras raças e de outras culturas, mais antigas que o Cristianismo. As principais semelhanças encontradas seriam as seguintes:
Mitra foi um Deus persa que nasceu de uma virgem, em 25 de dezembro (mesma data do nascimento de Jesus), há mil e duzentos anos antes de Cristo, possuía doze discípulos (mesmo número dos discípulos de Jesus), realizava milagres (como Jesus) e ressuscitou três dias depois da sua morte (da mesma forma que Jesus).
Horus foi um Deus egípcio que nasceu de uma virgem, em 25 de dezembro, há três mil anos antes de Cristo, possuía doze discípulos, fazia milagres e ressuscitou três dias após a sua morte (tudo como Jesus).
Átis foi um Deus da Frigia, nascido de uma virgem, em 25 de dezembro, morreu crucificado e ressuscitou três dias após a sua morte (tudo como Jesus)
Krishna foi um Deus indiano, nascido de uma virgem há novecentos anos antes de cristo, realizava milagres e ressuscitou após a sua morte (como Jesus)
Dionísio foi um Deus grego, nascido de uma virgem, em 25 de dezembro, quinhentos anos antes de cristo, fazia milagres e ressuscitou após a sua morte (como Jesus).
Entretanto, para aquela nova religião que estava sendo criada, ainda restava o equacionamento de um problema crucial; ou seja, se Jesus Cristo era Deus e filho de Deus, como poderiam coexistir dois Deuses em uma religião, reconhecidamente, Monoteísta?
A solução encontrada pelas elites romanas e pelos pensadores da Igreja, novamente engenhosa, foi a de criar um Espírito, de natureza santa, que uniria os dois Deuses transformando-os em um único Deus. Note-se que este espírito, de natureza santa, não sendo um terceiro Deus, teria poderes para unir dois Deuses, superiores espiritualmente a ele; o que também seria, no mínimo, uma nova contradição.
Se o espírito santo fosse considerado um terceiro Deus, estaríamos em presença de três Deuses querendo se transformar em um único, o que seria, no mínimo, uma infantilidade divina.
Se não estávamos em presença de um terceiro Deus, por que dois Deuses, que tudo podem, necessitariam de um espírito santo, de ordem inferior a deles, para os unirem em um único Deus? Mais uma vez, vê-se que se tratava, apenas, de tentar resolver a contradição surgida pelo fato de ter sido forçada uma divindade para a figura humana de Jesus.
Constata-se, pois, que, inteligentemente e com base nos conhecimentos disponíveis naquela época, as autoridades romanas e os sacerdotes da nova religião procuraram criar uma estória factível, utilizando, no entanto, similitudes com outras religiões mais antigas e buscando eliminar, com base nos conhecimentos científicos reduzidos da época, todas as eventuais contradições existentes nos fundamentos desta nova religião, contradições estas que, aos poucos, foram se apresentando.
Estes são relatos históricos, disponíveis nas bibliotecas mundiais para todos aqueles que, por se interessarem pelo Império Romano e pela história da edificação da Igreja de Roma, se dispõem a passar horas, dias, semanas e meses, pesquisando a literatura existente sobre o assunto. As Histórias de outras religiões espalhadas pelo mundo, certamente, possuirão gêneses semelhantes; posto que, todas elas constituem criações humanas, mesmo que difiram em liturgia, em Deuses e em escrituras (contendo as suas origens e explicações).
Em sua tese de doutorado pela Universidade Federal de Pernambuco, cujo título é ‘A Crítica da Religião em Marx: 1840-1846’, Romero Junior Venâncio Silva, destaca como primeiro aprendizado fundamental com os textos de Marx, a partir de 1840, que: “Toda religião, qualquer religião que possamos imaginar, é uma realidade situada num contexto humano específico: um espaço geográfico, um momento histórico e um meio ambiente social concreto e determinado. Uma consequência obvia: toda religião é sempre uma invenção de seres humanos em determinado momento histórico. Uma religião que não seja de determinados seres humanos é algo inexistente, uma pura fantasia da imaginação”.
No que respeita a motivação dos fiéis desta nova religião romana para a santidade, podemos ver que prevaleciam entre o povo e as elites, na ocasião da criação daquela nova igreja, as teses das escolas helenistas mencionadas, quais sejam: o Epicurismo, o Estoicismo, o Ceticismo e o Cinismo. Neste contexto, buscava-se a paz de espírito, a felicidade, o prazer, evitar os sofrimentos e as dores, uma vida virtuosa em meio à natureza, uma vida baseada na Ética, a compreensão da razão universal, o bem estar moral, um estado de tranqüilidade e a ausência de perturbações. Tudo isto era buscado de forma egoística, cada um apenas preocupado consigo mesmo. O adepto do cristianismo continuou buscando as mesmas coisas; porém, a nova crença imprimiu uma modificação substancial e mais apelativa, ao consciente e ao inconsciente do homem daquela época.
Os homens simples, em sua maioria, incultos e súditos ou escravos do império, buscavam a felicidade e o prazer efêmeros; posto que, estes vigorariam, apenas, durante aquelas suas existências terrenas, já que eles não acreditavam que houvesse a continuação da vida após a morte.
A proposta de Jesus, de uma vida após a morte, no Reino dos Céus e ao lado do Criador de Todas as Coisas, trouxe novo alento àquela gente sofredora, além da esperança de novos prazeres e maiores felicidades; só que, agora, esses prazeres e esta felicidade seriam eternos. O apelo foi grande demais e tornou-se irresistível. Após vencer a resistência de algumas autoridades romanas, que viam os judeus e os cristãos como rebeldes, contrários ao império, a nova religião tomou conta de todo o império romano como a religião oficial, estendendo-se, ainda, a outros povos bárbaros e nações distantes.
Não nos iludamos, pois, mesmo nestes novos tempos, os seres humanos continuavam sendo como sempre foram; isto é, adeptos do prazer e da felicidade e contrários a dor e ao sofrimento. Neste contexto, segundo penso, a qualificação de santos somente poderia ser atribuída aos indivíduos que fossem adeptos do oposto, isto é, do sofrimento e das dores e contrários ao prazer e a felicidade, o que, convenhamos, não é uma característica comum encontrada entre os integrantes de nenhum dos povos ou nações do nosso planeta Terra, a não ser naqueles poucos casos patológicos estudados pela Psiquiatria.
Mesmo aqueles primeiros cristãos que se sacrificaram ou foram conduzidos ao martírio, conforme a História relata, com toda certeza o fizeram pela crença de uma vida melhor, eterna e cheia de prazeres e felicidade, no Reino dos Céus e ao lado do Criador de Todas as Coisas. Tanto é assim, que caminhavam felizes para a morte, certos dos prazeres e da felicidade eterna. O mesmo, na atualidade, ocorre com os fanáticos islâmicos que, conduzindo explosivos atados ao corpo, explodem-se no meio de uma multidão de pessoas, Confiando na promessa de disporem de 72 virgens ao chegarem ao paraíso. O paraíso islâmico é um lugar bastante sensual, conforme se pode ver no Alcorão:
“E se deitarão sobre leitos incrustados com pedras preciosas, frente a frente, onde lhes servirão jovens de frescores imortais com taças e jarras cheias de vinho que não lhes provocará dores de cabeça nem intoxicação, e frutas de sua predileção, e carne das aves que desejarem. E deles serão as huris [virgens] de olhos escuros, castas como pérolas bem guardadas, em recompensa por tudo quanto houverem feito. (…) Sabei que criamos as huris para eles, e as fizemos virgens, companheiras amorosas para os justos.” Alcorão, surata 56, versículos 12-40.
O mesmo ocorreu, durante a Segunda Grande Guerra, com os pilotos Camicases japoneses, budistas em sua maioria, que se suicidavam pela pátria em busca de recompensas em uma vida futura.
Em todos estes casos, os participantes estavam convencidos de que desfrutariam uma vida de prazeres e felicidades em outro plano de existência, em razão dos atos de coragem e de desprendimento que haviam praticado. Estavam convencidos de que a divindade criadora reconheceria e premiaria aqueles seus atos.
Vê-se, portanto, conforme bem salientou Freud, que os seres humanos sempre foram orientados pelo Principio do Prazer, principio este que busca a satisfação de desejos internos, presentes ou futuros, e, neste afã, são levados a agir de forma estritamente impulsiva, desprezando regras e sem obedecer a nenhuma lógica, como faziam os cristãos primitivos, ao caminharem rezando, tranquilamente, para serem jogados às feras ou queimados vivos.
No mundo moderno, a aplicação do Principio da Realidade, pelo Ego, mascara o Principio do Prazer, que rege o Id. Assim, muitos indivíduos tidos como santos, em razão dos seus procedimentos virtuosos, apenas estariam fazendo uso do Principio da Realidade para satisfazerem os prazeres presentes e futuros do Id. Suas formas de agir e seus procedimentos não possuiriam, conscientemente, aquela conotação de desprendimento, de solidariedade, de sacrifício pessoal em prol de seus semelhantes, agindo de forma desinteressada e sem a necessidade de qualquer reconhecimento, agradecimento ou glorificação; mas, inconscientemente, seriam todas aquelas ações consideradas os meios necessários para alcançar o prazer presente (e também a futura felicidade eterna) do Id, sabendo que estes seriam, segundo as suas crenças religiosas, atos do agrado do Criador.
A grande dúvida, que alguns leitores poderão apresentar diz respeito à existência de Id, Ego e Superego no plano espiritual. Nos meios espiritualistas, de uma forma geral, o espírito serve de sinônimo para consciência desencarnada ou consciência extra-física. Se esta consciência continua existindo no plano etéreo, existirá também o inconsciente; portanto, Id, Ego e Superego são três características intrínsecas do consciente e do inconsciente, que, em resumo, representariam aquilo que todos nós somos e sempre seremos em nosso psiquismo, quer quando encarnados, quer quando desencarnados. Ademais, as religiões cristãs pregam a existência de céu, inferno e purgatório. O espiritismo e outras religiões espiritualistas mencionam a existência de bons e de maus espíritos, tudo como aqui no planeta Terra; logo, Id, Ego e Superego, com certeza, são características psíquicas presentes em todas as almas e em todos os espíritos.
Só a título de curiosidade, em 1590, Rudolf Goclenius já se
referia a Psicologia como a Ciência da Alma. Em 1879 a Psicologia separou-se da
Filosofia, da qual, até então, fazia parte. Os argumentos daqueles que
pretendem que a Psicologia deixe de ser o estudo da alma e passe a ser a
ciência do comportamento humano biológico, centrado no cérebro e que pode ser
manipulado e controlado pela Ciência, não me convencem.
Um destes argumentos é o de que seria impossível que os ateus, os
agnósticos e outros descrentes, que negassem a existência de algo além do corpo
(espírito), pudessem ser psicólogos; pois, seriam psicólogos admitindo essa entidade
que controla o comportamento, ou não poderiam ser ateus ou agnósticos.
A este fraco argumento, eu responderia como respondeu Galileu Galilei,
depois de renegar a visão heliocêntrica do mundo perante o tribunal da Inquisição: E pur si muove (mas, no
entanto, ela se move).
Literatura Consultada
1. Aggio, Juliana O. Prazer e desejo em Aristóteles. USP, Depto. de Filosofia. Tese de Doutorado em Filosofia. SP. 2011.
2. Careguato, Marta. O conceito de prazer em Epicuro e sua relação com a Phronesis. bempensarparabemviver.blogspot.com.br
3. Psicanálise Clinica. Principio do Prazer e da Realidade para Freud. lttp://psicanaliseclinica.com
4. Rocha, Jober. A Curva do Destino. Editora Iglu. SP. 2011.
5. ___________. Filosofando com Humor. Editora Biblioteca 24 horas. SP. 2012.
6. ___________. Os Descendentes de Jesus Cristo. Inédito. RJ. 2016.
7. Silva, Romero J.V. A crítica da religião em Marx: 1840-1846. Univ. Fed. de Pernambuco. Tese de Doutorado. PE.
8. Torres, Caroline G. A perspectiva Freudiana sobre o fenômeno religioso. Revista de Psicologia. Fortaleza. V 3, Nº1,Jan/Jun 2012.CE.
_*/ Economista e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.