sexta-feira, 28 de abril de 2017

138. Sobre a indecisão no meio militar

Jober Rocha*


             “É uma coisa os soldados cumprirem ordens, outra seguirem os exemplos nobres. Os primeiros têm por paga o soldo, os outros a glória.” Esta frase, cujo autor não me recordo, povoou os primeiros anos da minha vida em uma escola militar. Escrita em uma das paredes de um dos alojamentos, era constantemente lida por quantos ali transitassem. Vejam os leitores que o autor já destacava a diferença de comportamento entre os militares; ou seja, entre aqueles com iniciativa própria daqueles que apenas cumpriam ordens. Outra frase, também escrita em uma das paredes do alojamento, dizia que “Cem anos não podem apagar um momento de perda da honra”.
                Após ter convivido durante cinco anos na vida militar, acabei tomando outro rumo que me levou a travar conhecimento com os fenômenos econômicos, com o comportamento dos agentes produtivos, com as Teorias Econômicas, com a Sociologia, com as Ideologias, com as Correntes Filosóficas, com os alicerces do Direito, com a Psicologia das Massas, com a Ciência Cognitiva, a Crítica Social, o Ativismo Político, etc. Formei-me em Economia, fiz o mestrado no país e cursei o doutorado na Espanha e na França. Tempos depois tive a oportunidade de retornar ao convívio militar através da realização do Curso de Administração do Transporte Marítimo, promovido pela Diretoria de Portos e Costas da Marinha do Brasil, com duração de um ano. Alguns anos depois fui estagiário na Escola Superior de Guerra (vinculada ao Estado Maior das Forças Armadas), ao cursar o Curso Superior de Guerra, também, com duração de um ano.
                 Menciono isto tudo, apenas, para evitar que alguns leitores, militares ou não, fiquem a imaginar se aquele que escreveu o presente texto está habilitado a falar sobre algo que, ao longo da História, tem sido objeto da preocupação de estrategistas, de comandantes militares, de historiadores militares, de cientistas do comportamento humano e de combatentes. Por outro lado, já aposentado, fui, durante dez anos, permissionário em um quartel de Infantaria da minha cidade. Mais uma vez, retornei ao meio militar. Naquele quartel fiz grandes amizades e cheguei a presidir a Associação de Amigos e Veteranos, ali instalada, sendo, posteriormente, presidente do Conselho Deliberativo da associação.
                 Volto a destacar que tudo aquilo que até aqui relatei não visa a minha autopromoção, servindo, tão somente, para enfatizar que não falo sem conhecimento de causa ou que tento discorrer sobre algo com que não tenho intimidade. Convivi muitos anos com militares das mais variadas patentes, de soldados a oficiais generais, e creio poder fazer uma análise, embora sucinta e superficial, sobre o pensamento da grande maioria dos militares com os quais convivi, tendo a ousadia ou a temeridade de generalizar minhas conclusões.  
                  Sem a menor pretensão de querer chegar aos pés daquilo que foi deixado à posteridade por estrategistas famosos como Sun Tsu, Maquiavelli, Liddell Hart, Clauzewitz, Schilieffen, teóricos que foram da estratégia militar, estas considerações tentam evidenciar as minhas opiniões particulares sobre um tema específico, qual seja o da iniciativa ou da falta dela no meio militar. Reconheço ser este um texto polêmico, mas a polêmica é o meu objetivo maior, visando despertar a atenção dos militares e das nossas autoridades militares para a importância do problema, levando-as a aprofundarem o assunto. 
                 A minha intenção não é a de tecer críticas a pessoas ou a instituições, mas, tão somente, através de relatos de situações que presenciei evidenciar que existe algo de falho ou de errado impedindo ou tolhendo a iniciativa pessoal, extremamente necessária aos militares em suas atividades bélicas na defesa do Brasil, das nossas leis e da nossa ordem.
                  Inicialmente eu gostaria de destacar as diferenças entre as iniciativas pessoais (com as evidentes exceções de praxe) que se apresentam gritantemente distintas, em média, entre os militares das polícias militares e os das forças armadas convencionais. Os primeiros vivem, em nosso país, diuturnamente em um Teatro de Guerra real, teatro este para o qual os segundos são levados a participar, episodicamente e em situações muito específicas. A participação de nossas FFAA em combates fora do Brasil, após a WWII, ocorreu apenas, em pequena escala, na República Dominicana, em Suez e no Haiti (todas em missão de paz, pela ONU). Note-se que houve mais baixas entre os heróis anônimos das polícias militares brasileiras, no período de 1994 a 2016 (cerca de 3.000 policiais mortos em confronto), do que entre os heróis combatentes da Força Expedicionária Brasileira durante a Segunda Guerra Mundial (460 praças, 13 oficiais e 08 pilotos). 
                  O número de Policiais Militares mortos, apenas no Rio de Janeiro e no período citado, representa um percentual do efetivo empregado (da ordem de 3,59%) maior do que o mesmo percentual das baixas norte-americanas em guerras mundiais. “É 765 vezes mais fácil você ser ferido servindo na polícia do Rio de Janeiro do que estando em guerras", disse o coronel Fabio Cajueiro, que era um dos oficiais presentes na discussão travada no Fórum de Policiais Mortos da Polícia Militar do Rio de Janeiro, realizado na academia da Polícia Militar, em Sulacap, na Zona Norte do Rio, fórum aquele que visava diminuir a vitimização de policiais. Só no primeiro mês de 2017, 18 policiais foram mortos no Estado do Rio de Janeiro.
                      O fato de atuar, diuturnamente, em um Teatro de Guerra real (ainda que tais guerreiros, de forma errônea no meu ponto de vista, continuem sendo julgados por uma legislação cível e criminal de tempos de paz; o que é algo contraditório e deixa bem claro a fraqueza do executivo, do legislativo e do Judiciário em reconhecerem o Estado de Guerra Interna existente em muitos dos Estados da Federação, que já possuem áreas liberadas e dominadas por facções criminosas, as quais trazem o pânico e a violência às comunidades no seu entorno e à população de toda a cidade), faz com que o Policial Militar, muitas vezes atuando sozinho, em duplas ou em pequenas frações, tenha de decidir, por si mesmo, a conduta que adotará. 
                    Como a velha frase que, muitas vezes, ouvi na aviação: “A indecisão mata o piloto!”, a indecisão do policial acabará por levá-lo a óbito. A frase que vale para o piloto vale também para o policial militar em uma viela estreita e suja de uma favela na periferia, onde ele tem que decidir, na hora e sem perguntar a ninguém, qual a iniciativa que irá adotar frente à situação que se apresenta. 
                       Por sua vez, em um quartel das forças armadas convencionais brasileiras em “tempos de paz”, a forte hierarquia e o fato de os conscritos ou mesmo dos militares engajados, serem, em sua maioria, oriundos das classes de renda mais baixas, aliado a uma natural subserviência e timidez típicas destas classes menos favorecidas do nosso povo, faz com que raramente as praças militares tenham iniciativa própria em diversas situações. Assim, é comum sempre perguntarem aos superiores o que devem fazer e como devem proceder, temendo serem repreendidos ou punidos caso façam algo errado. 
                     Já presenciei inúmeros episódios em que o comandante do quartel decidia quase tudo, inclusive sobre o corte da grama do campo de futebol. Todos os pequenos problemas que poderiam ser resolvidos nos escalões inferiores, eram submetidos ao comandante, sobrecarregando-o. Não que inexista delegação de funções e de atribuições, mas, na prática, elas não costumam vigorar em razão da falta de iniciativa e do temor de punições, caso a decisão tomada não tenha sido a mais correta ou a necessária para o caso específico. A mesma situação verificada entre as praças ocorre, com freqüência, entre os subalternos e os superiores. Mesmo ao chegar aos altos postos de mando, alguns, ainda, continuam consultando os seus superiores para decisões que seriam da sua própria alçada.
                     Extrapolando um pouco a matéria e mudando de cenário, vemos que o mesmo também ocorre quando os militares que (em conformidade com o artigo 142 da Constituição da República Federativa do Brasil: “Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.) possuem a missão de defender a pátria, a lei e a ordem, contemplam estas três serem diariamente vilipendiadas, desrespeitadas e desdenhadas pelas próprias elites no poder. 
                         Como naquele quartel mencionado anteriormente, todos esperam a decisão do comandante supremo das forças armadas (do presidente ou, até mesmo, do responsável por algum dos demais poderes), para poderem agir em defesa da pátria, das leis e da ordem, esquecendo-se de que o próprio comandante supremo (presidente da república), bem como os responsáveis pela Câmara e pelo Senado federal, têm sido mencionados em depoimentos de empresários beneficiados pela delação premiada como tendo recebido, ilegalmente, recursos de caixa dois e tendo sido citados em pedidos de abertura de inquéritos no âmbito da Operação Lava-Jato conduzida pela Polícia Federal. Ademais, recentemente, o Ministro Nelson Fachin, do STF, autorizou a abertura de 76 inquéritos envolvendo 8 ministros do atual governo, 24 senadores, 39 deputados, 3 governadores e 1 ministro do TCU. E notem que estamos apenas no início das denúncias e das apurações sobre corrupção, desvio de recursos públicos e crimes de lesa pátria em nosso país. Constata-se, assim, que o Brasil já não possui mais segurança jurídica e que a máquina pública - no dizer do ministro do STF Gilmar Mendes - foi tomada por uma Cleptocracia; ou seja, um Estado governado por ladrões. 
                        Neste contexto, as leis, os decretos e as portarias, aprovados e promulgados pelo Legislativo e pelo Executivo, atuais, careceriam de credibilidade e de legitimidade; posto que, estariam sob suspeição, em razão de terem sido elaborados e aprovados por personagens, em grande parte, réus nos processos de corrupção instaurados na Justiça.
                     Enquanto isto ocorre, muitos militares, mais acostumados a cumprirem ordens do que a seguirem os exemplos nobres, aguardam por uma iniciativa, partindo dos poderes constituídos, para intervirem em defesa da pátria, das leis e da ordem. Mas, o que fazer, se a origem dos nossos problemas atuais está, justamente, em muitas daquelas ‘autoridades’ responsáveis conjunturalmente pelos poderes constituídos, personagens estas as quais, ao contrário dos militares, jamais lhes interessaram a defesa da pátria, das leis e da ordem? Creio que a resposta a este questionamento poderia ser encontrada escrita nas paredes do velho alojamento daquela escola militar em que estudei, mencionadas no início deste texto; já que, a nossa situação, além de inusitada, é incompreendida pela maioria das populações das democracias ocidentais. 
                        A instalação de uma Cleptocracia no governo é um fato inédito na maioria destes países e para nos livrarmos de uma situação destas o mecanismo eleitoral não demonstra ser suficiente; já que, o Tribunal Superior Eleitoral-TSE começa, este ano, a julgar a ação em que o PSDB pede a cassação da chapa Dilma-Temer, vencedora das eleições presidenciais de 2014, por fraude eleitoral e pelo uso de recursos originários de caixa dois, oriundos do desvio de recursos públicos em obras contratadas pelo governo com diversas empreiteiras.
                      O julgamento é considerado o mais importante da história do tribunal. Por outro lado, a utilização de urnas eletrônicas nas eleições (sistema implantado em nosso país), tem sido muito criticada por possibilitar fraudes, na medida em que o eleitor não recebe nenhum comprovante informando sobre a natureza do seu voto; isto é, em qual candidato ele votou e a que partido político pertencia. Somos, talvez, o único país do mundo a utilizar este sistema.
                       Embora muitos critiquem as intervenções militares na vida civil dos países, na atualidade e em algumas situações pontuais, elas são as únicas alternativas viáveis, para libertar as populações, de alguns deles, de uma eterna servidão à déspotas e aos seus asseclas e comparsas, travestidos de democratas, que desejam apenas perpetuar-se no poder e enriquecer ilicitamente.


_*/ Economista e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.


quinta-feira, 6 de abril de 2017

137. O Estagio


                                  Jober Rocha*




São Petersburgo, Império da Rússia, 18 de março de 1842.

De: Aleksandr Nicolaevich Romanov, primogênito e príncipe herdeiro (czarevich), filho de Nicolau I, da Rússia e da princesa Carlota, da Prússia.

Para: Sua Alteza Imperial Pedro de Alcântara João Carlos Leopoldo Salvador Bibiano Francisco Xavier de Paula Leocádio Miguel Gabriel Rafael Gonzaga – Dom Pedro II, mui digno Imperador Constitucional e Perpétuo Defensor do Brasil.

Assunto: Estagio não remunerado para conselhos políticos, treinamento sobre governabilidade e noções para uma boa administração de um império. 



Majestade,
Na qualidade de príncipe herdeiro do Império da Rússia e com a idade atual de 22 anos (exatamente sete anos mais velho do que Vossa Majestade, prematuramente declarado e coroado Imperador do Brasil), dirijo-me a presença de Vossa Alteza, nesta oportunidade, pelos motivos que a seguir passarei a expor:

1. Minha educação, como futuro imperador da Rússia, é feita sob a supervisão de Vasily Zhukovsky, poeta liberal e tradutor competente, muito conhecido por aqui, que incluiu em meu aprendizado várias disciplinas importantes para o desempenho da sagrada missão de um imperador; bem como, o estudo das principais línguas europeias. Imagino que Vossa Alteza esteja passando por algo semelhante no Brasil, pelas mãos do seu tutor José Bonifácio de Andrada; em que pese haver assumido o Império com apenas cinco anos de idade e coroado imperador aos quinze. 
Meu pai, o Czar Nicolau I, diferentemente do seu, D. Pedro I, não deseja abrir mão, prematuramente, do império para mim. Cuida de sua saúde com extremo rigor, alimenta-se bem, faz exercícios físicos e mantém alguns médicos de confiança sempre ao seu lado. Pelo visto, espera viver cem anos ou mais.

2. Enquanto a minha vez não chega, estudo e faço planos para o futuro da Rússia. Eu gostaria de implantar grandes mudanças em meu país, logo após ser declarado Czar, como, por exemplo: liberdade de expressão, incentivo à iniciativa privada, reforma da Administração do Império, desenvolvimento da exploração dos Recursos Naturais, expansão e melhoria da rede ferroviária, melhoria da condição de vida dos camponeses, fim da servidão em todas as províncias, implantação do serviço militar obrigatório, abolição do castigo corporal aos militares, uma nova administração judicial baseada no modelo francês, um código civil e criminal mais simplificado, um novo código penal, a criação de uma polícia rural, etc.
 Imagino que Vossa Alteza, embora comandando um império com características diferentes daquelas deste em que vivo e que, algum dia, deverá ser por mim chefiado pela graça de Deus, possui os mesmos sentimentos ou desejos semelhantes. Reconheço que qualquer reforma é muito mais fácil de ser tentada em países menos populosos e mais homogêneos, do que em grandes impérios como o da Rússia e o do Brasil; entretanto, aguardo ansioso o dia em que poderei tentar implantar as mudanças que vislumbro.

3. Vossa Majestade não imagina quanto o invejo. Aos quinze anos de idade já comanda um vasto império, enquanto eu, com vinte e dois, creio que jamais chegarei a sentar no trono do Czar. Enquanto Vossa Alteza recebe as homenagens e reverências de toda a sua corte e de todo o seu povo, eu, aqui em Moscou, sou um ilustre desconhecido e ninguém me leva a sério. 
Os ministros, os duques, arquiduques, condes e barões, passam por mim e não fazem nenhuma reverência. Acho que pensam que eu nunca chegarei a substituir meu pai ou que seus títulos de nobreza são maiores do que o meu, um simples filho de Czar. Enquanto Vossa Alteza participa de reuniões com seus ministros e conselheiros, eu fico andando pelos vastos corredores do palácio imperial, buscando alguém que me escute e que acredite em meu potencial como guerreiro e como futuro administrador de um império tão vasto quanto o russo.

4. Por vezes, durante a estação fria, nesta corte onde as pessoas somente pensam em festas e ostentações, tenho ímpetos de largar tudo, tomar um navio e, como um simples passageiro, desembarcar no Porto do Rio de Janeiro onde, certamente, encontrarei uma temperatura tropical amena e aquele sol que aquece os corpos e proporciona uma bela cor bronzeada. Por aqui todos os cortesões apresentam aquela cor pálida, que nos deixa sempre em dúvida se estão ou não doentes.  
Ao fazer minhas refeições, quase sempre compostas de carnes gordurosas, fico sonhando com as deliciosas frutas tropicais saboreadas, com toda a certeza, por Vossa Alteza. Ao banhar-me nos rios quase congelados do meu país, imagino os riachos de águas límpidas e tépidas do Brasil; por vezes, com cachoeiras maravilhosas que massageiam os corpos dos banhistas. Sonho com as areias mornas das praias que banham o território de vosso imenso império.

5. Durante as guerras, notadamente a Caucasiana (iniciada em 1817 e ainda se desenrolando); a Revolta de Dezembro de 1825 (da aristocracia militar contra a nobreza); a Guerra Russo-Persa de 1826/28 (quando tomamos a Armênia); a Guerra Russo-Turca de 1828/29, quando tomamos a foz do Danúbio e a Costa Leste do Mar Negro; e a Revolta da Polônia de 1830/31, o gasto de recursos e a perda de vidas humanas é enorme. Muitas destas guerras poderiam ter sido evitadas, caso as pessoas fossem menos ambiciosas e violentas. 
Quando exprimo estes meus pensamentos em público, na corte, sou taxado de “bonzinho”, de “inocente”, de “fraco” e de “sem ambição”. Invejo, mais uma vez, Vossa Majestade, que administra um império tão vasto quanto este daqui sem necessitar ir à guerra contra os vizinhos e sem revoltas militares internas. Como devem ser tranquilos os dias passados na corte de Vossa Alteza. Como devem viver felizes os vossos súditos.

6. Considerando o até aqui exposto, Vossa Majestade já deve imaginar como me sinto, sendo sem ser, podendo sem poder, mandando sem mandar. Dizem que represento o futuro do império, mas acho que este futuro ainda demorará muito a chegar ou pode ser, até, que nunca chegue. 
Fui informado que meus pais estão buscando uma esposa para mim, dentre as casas reais europeias, conforme é tradição da realeza russa e de outras tantas realezas. Outra vez invejo Vossa Alteza, que pode escolher, por si mesmo, aquela que o acompanhará por toda a vida, sem a necessidade de atender aos interesses políticos, estratégicos e econômicos dos pais.

7. Finalizando, chego ao motivo pelo qual tomei a liberdade de escrever à Vossa Majestade: somos jovens e temos uma grande responsabilidade pela condução dos negócios e destinos de nosso império. Eu, embora tenha tido bons mestres e tutores, não possuo nenhuma experiência sobre a administração imperial e, após a revolta de dezembro de 1825, tenho muito receio da aristocracia militar. 
Muitos destes aristocratas, pelo simples fato de terem comandado tropas vitoriosas, acham que os territórios conquistados lhes deveriam pertencer por direito. Esquecem que são, apenas, servos do Czar e servidores do império. 
Assim, gostaria de fazer uma visita ao Brasil e aprender, mediante um estagio não remunerado junto a Vossa Majestade, os meandros e as nuances da boa administração quanto aos aspectos políticos, militares, econômicos e psicossociais de um império. As noticias que aqui me chegam são muito elogiosas com respeito à capacidade administrativa de Vossa Alteza e, por esta razão, estou certo de que terei muito a aprender em vossa corte, caso me honre com a aceitação da presente solicitação. As minhas despesas nas terras do Brasil e aquelas decorrentes do séquito que me acompanhará, enquanto durar este meu período de estagio junto ao vosso império, serão todas custeadas pelo Império Russo. 
Rogo a Vossa Majestade que me ajude, neste momento difícil da minha existência.

Aleksandr Nicolaevich Romanov
Czarevich do Império da Rússia



Nota do autor:
Cópia da presente correspondência foi encontrada em um baú, no porão do Palácio de Tsarskoe Selo, no ano de 1923, onde o Czar Nicolau II, neto de Alexandre II (Aleksandr Nicolaevich Romanov), vivia com a família antes da fatídica Revolução de 1917, que eliminou, para sempre da Rússia a Dinastia Romanov.  Junto da cópia, havia uma carta de D. Pedro II alegando que, por problemas políticos conjunturais, a visita de Aleksandr teria de ser adiada. Os historiadores acham que Pedro II gostava mais de aprender do que de ensinar.
O Czar Alexandre II morreu assassinado em 13.03.1881, aos 63 anos, na cidade de São Petersburgo, pela explosão de uma bomba lançada por Ignaty Grinevetsky, membro da organização terrorista Vontade do Povo.
O imperador Pedro II foi deposto por militares em 15.11.1889, embora querido pelo povo brasileiro. Faleceu em Paris, no dia 05.12.1891, aos 66 anos, vitimado por uma gripe que evoluiu para pneumonia. Décadas depois da morte a sua reputação foi restaurada e os seus restos mortais foram trazidos de volta para o Brasil. Nos arquivos do império foi encontrada a carta de Aleksandr com o seguinte comentário de Dom Pedro II (então com quinze anos) a margem do texto: “Ora, onde já se viu. Estagio não remunerado. Era só o que faltava!”


_*/ Economista e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.