sábado, 30 de outubro de 2021

 426. Meu primeiro ato de corrupção

Jober Rocha


Lembro-me muito bem daquele dia. Jamais conseguiria esquecê-lo. Eu tinha oito anos na ocasião e morava numa vila de casas em um subúrbio carioca. Minha casa era a de número dez e ficava no meio da vila.
Nós, as crianças da vila, costumávamos brincar na rua em frente às nossas casas e também nos terrenos baldios das redondezas ou na rua que passava em frente à vila, esta com um tráfego razoável para a época; isto é, um carro a cada quinze ou vinte minutos.
Não havia perigos maiores do que espetar os pés descalços em pregos ou cacos de vidros, levar quedas dos velocípedes, patinetes e bicicletas.
A vila era repleta de crianças. Algumas da minha idade, outras maiores e muitos adultos. Tinha o seu Siqueira e suas três filhas, o seu Léo com duas meninas e um menino, além de outras crianças maiores. Ao lado da minha casa morava um casal sem filhos. A mulher era nova, bonita, elegante e sempre se vestia com roupas caras e que lhe caiam bem. Passarei a chama-la de Madame X, até por que já não me recordo do seu nome. O marido dela trabalhava em algum lugar, onde o expediente iniciava cedo e acabava tarde. Ela, portanto, passava a maior parte do tempo sozinha, em sua casa.
Em uma bela tarde de verão, eu me encontrava na calçada da rua que passava em frente à vila, brincando com outros amigos, quando um automóvel preto parou perto de mim. Dele desceu um homem bem apessoado, vestido com um belo terno claro e um chapéu na cabeça. O homem me chamou e perguntou se eu conhecia a Madame X. Ante minha afirmativa, estendeu-me a mão e me entregou uma moeda de 25 centavos, dizendo: - Isto é para você ir correndo a casa dela e dizer-lhe que o Roberto está no automóvel esperando.
Embora com apenas oito anos, eu, como sempre fui ‘galinha’, percebi logo que havia algo de estranho no ar: um homem desconhecido, sem querer ser notado na vila, pagar a uma criança para chamar uma bela mulher que com ele iria sair de automóvel na ausência do marido. Mesmo nos meus oito anos, já percebia que havia alguma coisa de errado nisto tudo.
De qualquer forma, ao mesmo tempo, me veio à mente a enorme quantidade de balas com figurinhas que poderia adquirir com aqueles 25 centavos. Talvez, até, completar o álbum que a duras penas vinha preenchendo.
Sem pensar duas vezes sai em desabalada carreira para o interior da vila, em direção à casa de Madame X. Quase atingindo a casa, pelo excesso de velocidade em que vinha, escorreguei e fui ao chão. Ralei o joelho e a palma das mãos no pavimento do solo. Todavia, a moeda continuava no fundo do bolso da curta calça que vestia.
Toquei a campainha. Madame X veio atender a porta. Dei o recado e pude sentir no ar um agradável cheiro de perfume. Ela já estava pronta, mas, talvez por charme, mandou que eu retornasse e dissesse que estava se aprontando e logo sairia.
Voltei correndo na mesma velocidade da ida. Quase chegando a calçada onde estava parado o homem, novamente fui ao chão. Desta vez, porém, a moedinha saiu do meu bolso e foi rolando em direção a uma boca de lobo que recolhia as águas da chuva, caindo lá dentro.
A tal boca de lobo era de ferro e estava firmemente presa. O homem vendo minhas tentativas frustradas de levantá-la veio me ajudar. Também não conseguiu. Dei-lhe o recado de que Madame X já estava vindo e tentei, mais algumas vezes, pegar de volta a moeda. Não consegui. Aquela tampa pesada de ferro não se movia.
Finalmente chegou Madame X, toda elegante e perfumada. O homem sorriu e deu-lhe um beijo na boca, por ela correspondido. Entraram no automóvel e partiram, não sei para onde.
A partir daquele dia, toda vez que eu passava pelo bueiro, olhava para dentro e contemplava a moedinha, ainda quieta no mesmo lugar. Fiquei imaginando que aquilo fora obra do Criador de Todas as Coisas: vendo uma criança se corromper por vinte e cinco centavos, para participar de uma traição conjugal, resolvera fazer com que eu não pudesse aproveitar o fruto do meu ato de corrupção.
Os anos se passaram, me formei e como era muito popular no bairro entrei para a política. Fui eleito vereador e, mais tarde, deputado.
Hoje sou uma autoridade na capital federal, ocupando um cargo proeminente, com autoridade para mandar e desmandar.
Fiquei multimilionário, pois, aprendendo aquela lição que tive quando criança, eu jamais deixei qualquer valor, ganho de forma fraudulenta, escapar de minhas mãos, aplicando-o sempre fora do país em algum paraíso fiscal.
Hoje, na velhice, tendo conhecido e provado de tudo, meus únicos prazeres são os vinhos caros de boas safras, as viagens aos bancos internacionais nas Ilhas Cayman para conferir meus saldos e extratos e as rachadinhas, tanto no meu gabinete  quanto fora dele...


quinta-feira, 21 de outubro de 2021

 425. O País do Passado

 

Jober Rocha*


Com a ascensão ao poder do regime militar e o consequente desenvolvimento pelo qual o Brasil passou a partir de então, costumava-se dizer, interna e externamente, que este seria o País do Futuro.
Tudo levava a crer que sim, pois com a paz social reinante, com os novos empreendimentos promovidos pelo governo federal, com um grande número de empresas estrangeiras aqui querendo se instalar para produzir os mais variados produtos, com o empresariado nacional sendo abastecido de crédito para a expansão de seus negócios e a justiça e o parlamento se atendo às suas atribuições, o executivo podia planejar e executar os projetos de interesse do país e de sua população.
Sim, meus jovens amigos leitores, nós já tivemos um país pujante, defendido por um braço bem forte e uma mão bem amiga, durante as décadas de 60,70 e 80.
Lembro-me bem da época em que as nossas Forças Armadas eram consideradas das melhores do continente, tanto em pessoal como em adestramento, aprestamento militar, doutrina e material de guerra.
Nossos estaleiros produziam embarcações civis (SD-14, Petroleiros, Panamax, Rebocadores, Embarcações Off Shore) e militares (Fragatas, Corvetas, Embarcações fluviais, de treinamento, etc.); nossa indústria de material de defesa (Engesa e outras) produzia veículos como o Cascavel, blindado que alcançou enorme sucesso internacional desde que começou a ser feito, em 1980. O transporte de tropas Urutu, que transportava até 12 soldados – além do motorista e do comandante.  Jararaca, um veículo de reconhecimento de 4,16 metros de comprimento e ampla autonomia que, graças ao tanque com capacidade para 140 litros de diesel, podia rodar até 700 quilômetros.  O Ogum, blindado leve transportador de tropas movido por esteiras (mais eficientes que as rodas em terrenos off-road), com características similares às do alemão Wiesel. O Sucuri, baseado na plataforma do Urutu e do Cascavel, era um caça-tanques sobre rodas criado nos anos 80 e que abria mão de parte de sua capacidade de proteção para surpreender em termos de velocidade e autonomia. O Ozório, carro de combate pesado submetido a testes no deserto, onde superou os concorrentes do Reino Unido, França e Itália e ficou em pé de igualdade com o famoso tanque M1 Abrams, dos Estados Unidos.
O Sistema de Defesa Astros, um dos mais bem-sucedidos modelos militares brasileiros mundo afora. Desenvolvido em 1983, pela Avibras Indústria Aeroespacial, ele é um lançador de foguetes de saturação capaz de lançar múltiplos foguetes, de diferentes calibres, a distâncias que variam entre 09 e 300 quilômetros e teria uma versão chamada de Astros 2020, compatível com mísseis de cruzeiro. O Marruá, que atuava como veículo de carga, de transporte de pessoal e ambulância. O Gaúcho, veículo que possui autonomia de 500 quilômetros e velocidade máxima de 120 km/h. Comporta até quatro ocupantes, e oferece como opcionais uma metralhadora calibre 7,62mm. O Guarani, o mais moderno blindado de transporte médio do Exército Brasileiro, teve suas primeiras unidades entregues em 2014, e deve substituir gradualmente o Urutu. Com capacidade para até 11 ocupantes, o Guarani é um 6×6 com alcance operacional de até 600 km e que pode alcançar os 110 km/h de velocidade máxima. Seu armamento principal é um canhão automático de calibre 30 mm em uma torre estabilizada controlada remotamente.
Durante as décadas mencionadas, os nossos militares evitaram que o país fosse tomado de assalto pelo comunismo internacional fazendo uso dos inocentes úteis tupiniquins. Foram as décadas em que o país cresceu e se desenvolveu, ocorrendo o chamado Milagre Brasileiro.
Os militares de então no governo, com uma visão de futuro, possuíam um compromisso com o país e a sua gente. Foi época das grandes obras, como as usinas hidrelétricas, as extensas rodovias ligando os quatro pontos cardeais do país, o surgimento de grandes empresas industriais, comerciais e de serviços, o desenvolvimento do agro negócio, a descoberta de novas jazidas minerais e a expansão da extração e exportação de minérios.
Foi nessa época que a indústria aeroespacial se desenvolveu e o país construiu uma base para lançamento de foguetes, almejando a construção de veículos lançadores de satélites. A EMBRAER iniciou a fabricação do avião Bandeirante que, como o velho “Fusca” e substituindo os obsoletos C-47, desbravou o país decolando e pousando dos mais distantes rincões da pátria.
Nossa Força Aérea possuía uma boa quantidade de interceptadores Mirage, de caças F-5, de Xavantes e de AMX; além de Tucanos e de outras aeronaves. Os pilotos militares, de então, voavam muito mais do que os atuais.
Os militares, após passarem para a reserva, ainda continuavam colaborando com as suas experiências para o nosso desenvolvimento, seja no governo ou na iniciativa privada.
O país crescia, havia empregos para todos. Nas universidades eram formados os profissionais destinados ao mercado de trabalho e não ao ativismo ideológico e à militância política, como nas décadas seguintes (de 90 e primeira e segunda décadas de 2.000) com a ascensão ao poder da nefasta esquerda venal.
Quem queria trabalhar, produzir, empreender e criar, naquele tempo a que me refiro, jamais foi incomodado em seu labor pelas autoridades. Quem vivia do roubo, do estelionato, das falcatruas, do tráfico de drogas e conspirando contra o Estado, era combatido por uma polícia dura e uma justiça justa.
Assim, com o retorno das eleições promovido pelo presidente João Figueiredo, o povo brasileiro influenciado por uma máquina de propaganda gerida por hábeis marqueteiros e contando com dinheiro de fontes externas e internas, elegeu sucessivos governos de esquerda, objetivando alcançar o tão decantado futuro que nos conduziria ao Primeiro Mundo definitivamente.
Depois de tudo aquilo que os brasileiros constataram na própria carne, ao longo das três últimas décadas: fraude em concorrências públicas; em eleições; desvio de dinheiro público; contrabando de divisas; formação de quadrilhas; roubos; concussões; nepotismo; sinecuras; aparelhamento da máquina pública com ativistas ideológicos de esquerda, sucateamento e desmotivação das forças armadas, etc., cada vez ficou mais distante a chance de nos tornarmos um país do Primeiro Mundo.
Parece que a atual elite não foi feita da mesma matéria que a antiga. Hoje pensam muito no dia presente e não mais no futuro. Faltam estadistas e homens públicos comprometidos com o Brasil e com a nossa gente. Patriotas decididos a oferecerem as suas próprias vidas em defesa da pátria, do povo e das nossas instituições. A maioria da nossa elite pensa apenas em si próprio, em sua família e em seu grupo. As chamadas mordomias, os altos cargos nos três poderes da república são o que atraem estas últimas gerações de brasileiros. Depois de anos de advocacia em causa própria, no que se referem a salários, vantagens e mordomias, nossas autoridades públicas vivem melhor do que os mais ricos empresários; pois, além de riqueza dispõem de poder.
O atual presidente, em que pese suas boas intenções e honestidade, tem contra si a mídia e a classe artística, desmamadas ambas das verbas oficiais; os parlamentares da velha política do “é dando que se recebe”, acostumados que estavam a indicar seus apadrinhados para os cargos de chefia dos ministérios e das empresas do governo, com o intuito destes desviarem os recursos públicos para os seus partidos e suas contas particulares em paraísos fiscais; muitos empresários que preferiam as concorrências fraudulentas dos antigos governos (onde superfaturavam seus preços) do que as honestas do governo atual; as facções criminosas e os movimentos terroristas do campo, que contam ainda com a leniência de certas autoridades judiciárias; as autoridades da suprema corte, que resolveram ficar do lado da inconstitucionalidade em muitas das matérias que julgam; aqueles mestres encastelados em suas cátedras vitalícias que não desejam a volta às aulas com o fim da pandemia, preferindo passar seus dias em casa, recebendo seus altos salários e doutrinando os alunos pela via das redes sociais na internet; muitos militares que fazem meio expediente por faltar comida nos quartéis e que esperam com ansiedade o dia das suas aposentadorias, já que os equipamentos bélicos que possuem são precários ou estão sucateados.
Outros militares, mais esclarecidos e em cargos elevados, temem a mídia internacional e as ameaças veladas que esta faz contra os patriotas nacionalistas, ameaçando-os com julgamentos por tribunais internacionais caso resolvam defender o território nacional, a soberania brasileira e os nossos interesses econômicos, políticos, militares, psicossociais e tecnológicos. Louvam-se tais militares no episódio da chamada Comissão da Verdade (iniciada em 2011 e terminada em 2014), na qual muitos integrantes do Movimento Militar de 1964 foram interrogados e condenados pela referida comissão, da qual só participavam pessoas vinculadas aos movimentos de esquerda que tentaram implantar um governo comunista no país e foram vencidos pelos militares, com o apoio do povo honesto e trabalhador. O próprio povo que incentivou o Movimento Militar de 64 e as próprias autoridades militares na ativa, quando dos trabalhos da referida comissão, abandonaram ao seu próprio destino aqueles heróis da pátria que correram risco de morte para defendê-los, nos idos das décadas de 60 e 70.
Outros militares, ainda, também em elevados cargos, assimilaram a doutrinação promovida nas três décadas de governos de esquerda, aos quais imaginam dever o sucesso de suas promoções e carreiras. O mesmo ocorre no judiciário, onde muitas autoridades foram guindadas aos mais altos cargos pelas mãos de ex presidentes de esquerda, aos quais ainda hoje servem sem nenhum pejo.
Em vista disto tudo, meus queridos leitores, já não desejo mais que o Brasil seja o país do futuro; o que dificilmente irá ocorrer com a permanência deste aparelhamento do Estado e com a manutenção da conjuntura internacional, que tem guindado ao poder, da maioria dos países, presidentes comunistas ou socialistas. Sofremos, ademais, a possibilidade da interferência de países estrangeiros em nossas próximas eleições, em nossa economia, em nossas forças armadas e em nossa vida política e psicossocial. Portanto, desejo mais é que sejamos o país do passado; um passado que já vivemos e no qual éramos felizes, podendo dormir com as janelas abertas, andar pelas ruas nas madrugadas sem correr risco de morte, ter emprego com facilidade, programar nosso destino e imaginar que algum dia nós seriamos o país do futuro.

 
_*/ Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha e membro da Academia Brasileira de Defesa.