420. A Visão de Michel de Nostradamus
Jober Rocha*
Nestes tempos de pandemia, em uma noite quente em que havia tomado um tranquilizante para poder dormir, tive a sensação de que caia em um precipício e, logo a seguir, que acordava sobressaltado na cidade do Rio de Janeiro, onde realmente morava. Não saberia dizer se estava verdadeiramente acordado ou se sonhava, pois o que passarei a narrar foi, para mim, tão real que até hoje ainda estou em dúvida se não se tratou de um sonho ou de uma premonição acerca de algo que, certamente, está bem próximo de ocorrer no futuro ano de 2025.
Acordei com estampidos vindos da rua. Isso já era uma coisa normal em todos os bairros da cidade; mas, naquela manhã, os tiros eram tantos e acompanhados de muita gritaria, razão pela qual resolvi olhar por trás da persiana fechada do meu quarto e ver do que se tratava.
Antes, porém, quero dizer que meu nome é Michel de Nostradamus de Castro e Silva e moro com a família, mulher e dois filhos, em um apartamento de três quartos em um bairro de classe média alta, na cidade do Rio de Janeiro.
A última eleição presidencial havia transcorrido três anos antes, em 2022. Nela havia sido eleito um candidato de extrema esquerda. O anterior presidente, um liberal de direita candidato a reeleição, embora tenha feito um bom governo, por haver se recusado a utilizar os recursos do Fundo Partidário nas eleições de 2022, não conseguiu mobilizar seus tradicionais eleitores nem aqueles outros que lhe faziam oposição.
Sua campanha foi pobre e totalmente superada pela dos partidos de esquerda, que se uniram em torno do nome de um único candidato. Este candidato, tendo sido anteriormente condenado e preso, por casuísmos das mais altas cortes do país fora solto e tivera a sua condenação anulada. Os demais processos a que respondia foram todos paralisados e arquivados, possibilitando, com isso, que ele se apresentasse candidato nas eleições de 2022.
Naquela eleição, o dinheiro do fundo correu solto para a mídia venal e para a compra de corações e mentes dos formadores de opinião, fazendo com que a população ignorante, submissa e interesseira, mais uma vez, fosse engambelada com promessas do paraíso terrestre construído pelas mãos daquele candidato esperto e bem falante, dono de uma retórica invejável com a qual ainda supera todos os demais políticos de esquerda, oportunistas, do país.
Enfim, foi eleito aquele velho candidato da esquerda que, paradoxalmente, além dos votos dos mais pobres, contou também com os votos e o apoio de grandes empresários, de autoridades religiosas, de intelectuais, de artistas e de militares graduados das mais altas patentes.
Tendo transcorrido três anos da posse do candidato eleito, em 2025, praticamente, já vivíamos em um governo ou regime narco-comunista. Os líderes das facções criminosas, até então presos incomunicáveis em presídios federais, haviam sido todos soltos, seus negócios haviam prosperado e se expandido. Plantações de maconha e destilarias de cocaína funcionavam abertamente em vários Estados da Federação, depois que tanto a produção quanto o consumo de drogas haviam sido liberados pelas autoridades parlamentares.
Os militantes e os ativistas da esquerda, que estavam infiltrados no governo anterior, de direita, sabotando decisões do presidente e de sua equipe de governo e fornecendo informações privilegiadas para seus partidos e que, por isso mesmo, haviam sido demitidos, retornaram todos no novo governo de esquerda eleito, agora com muito mais força política e um ódio muito mais intenso contra o capitalismo.
As facções criminosas que agiam livremente, haviam recrutado milhares de ‘soldados’, que intimidavam a inoperante polícia e amedrontavam a população trabalhadora, temerosa de sair às ruas e vivendo trancada em suas casas, por força do chamado lockdown, torcendo para que dela se esquecessem.
Esses ‘soldados’ do crime, anteriormente desunidos e em guerra entre eles mesmos, já haviam superado suas divergências e se unido em torno de um líder único, conhecido como Mariozinho Beira Rio, que chefiava com mão de ferro aquele exército de criminosos.
Nas reuniões e solenidades no palácio do novo governo de esquerda, na capital federal, via-se, constantemente, a presença de inúmeros assessores fardados de alguns países comunistas, tanto do nosso continente quanto de fora dele.
Os uniformes visíveis, nestas ocasiões, cada qual mais colorido que o outro, demonstravam que nossas autoridades nada mais eram que simples representantes fantoches e lacaios de países comunistas mais antigos e mais poderosos, que, aproveitando-se da saída dos USA dos acordos e foros internacionais; do protecionismo e do fechamento daquele país em torno de suas fronteiras; da ausência de ideólogos de direita que contrabalançassem os ideólogos de esquerda junto ao meio intelectual e artístico (que, tradicionalmente, orientam a juventude e as massas trabalhadoras) e do trabalho desenvolvido por entidades internacionais e pelos representantes de algumas religiões que adotaram as chamadas Teologia da Libertação e a Ecoteologia ou Teologia Ambientalista (está última uma forma disfarçada de panteísmo, mas, que, visava, na prática, assenhorear-se dos recursos naturais da Região Amazônica para grupos econômicos a elas ligados), visando à implantação da Nova Ordem Mundial, tinham, finalmente, conseguido chegar ao poder em inúmeros países sul americanos e africanos.
Assim, tendo eu feito uma breve síntese dos fatos ocorridos após a derrota nas urnas do candidato liberal de direita, seguirei com a narração do que ocorreu naquele dia e nos demais que se seguiram ao meu ‘suposto’ sonho.
Olhando por detrás da persiana, vi muitas pessoas armadas saqueando os transeuntes e as lojas abertas, algumas delas já cerrando-as rapidamente. Resolvi descer até a portaria do prédio e ver como estavam as coisas lá embaixo, isto é, nas ruas.
No térreo fui alertado pelo porteiro a não sair do prédio, mas minha curiosidade era grande demais e resolvi sair e caminhar pelas ruas.
A primeira coisa que notei foi a total ausência da polícia. Está havia, simplesmente, sumido. Caminhando por várias ruas não vi nenhum policial, como, também, nenhum bombeiro para combater os inúmeros incêndios que grassavam pelo bairro, ateados com coquetéis Molotov jogados pelos criminosos e revoltosos.
Pelo que pude perceber, as facções criminosas haviam ordenado aos moradores das comunidades pobres que se rebelassem contra as autoridades constituídas e fossem às ruas para roubar e saquear o comércio e as residências particulares, visando a instauração do caos social.
Essas facções agiam sob ordem do partido político no poder, que encontrou forte resistência da parte de alguns civis e militares patriotas, que não compactuam com a tentativa de implantação do comunismo no país. O objetivo dos criminosos era implantar o caos nas cidades e no campo para que o governo pudesse agir com mão forte, reprimindo os patriotas com o auxílio das forças armadas e das forças policiais cooptadas.
Notei, caminhando pelas ruas, as lojas fechadas, a ausência de transportes públicos e, apenas, um ou outro veículo circulando. Muita fumaça partindo dos prédios incendiados e as ruas quase todas desertas.
Ao longe eu ouvia rajadas de fuzis e de metralhadoras e disparos de pistolas. Resolvi retornar para casa, me esgueirando rente às paredes das lojas e dos edifícios.
Fiquei cerca de três ou quatro dias em casa com meus familiares, comendo aquilo que tínhamos na despensa. A situação nas ruas, pelo que imagino, não se modificará. Nenhuma polícia, nem elementos das forças armadas eram vistos circulando pela cidade. As lojas permaneciam fechadas e os gêneros alimentícios já faltavam em todas as residências. Uma ocasião, durante a noite, a luz foi cortada em um ato de sabotagem junto às torres de distribuição, segundo fiquei sabendo por intermédio do porteiro. Pouco depois, cortaram o fornecimento de água.
Resolvi que não valia mais a pena esperar ali, no apartamento, a normalização da situação, pois, pelo visto, ela jamais se normalizaria.
Decidi que tentaria me deslocar com a família para uma casa de fim de semana que comprara a prestação, localizada em região montanhosa do interior, afastada da capital.
Antevendo eu a possibilidade de uma futura convulsão social no país, há alguns anos adquiri esta casa em região montanhosa isolada, onde poderia estocar alimentos, armas e munições, em um porão previamente construído, e tentar sobreviver com o que dispunha.
Ali eu poderia resistir durante muito tempo, até as coisas se definirem e o país voltar ao seu rumo, com ordem e segurança.
Com calma e tempo, eu preparei previamente uma horta, plantei árvores frutíferas, montei um galinheiro onde viviam cerca de trinta e poucas galinhas e iniciei uma criação de coelhos. O terreno possuía em seus limites um pequeno córrego de águas limpas, que abastecia a casa.
A energia da casa vinha de células captadoras de energia solar. O gás da cozinha vinha de uma pequena usina produtora de gás, a partir de rejeitos orgânicos. Havia também estocado diesel para a caminhonete.
Em suma, se eu conseguisse chegar até a minha propriedade nas montanhas, ali poderia sobreviver durante muito tempo, resistindo pela força das armas a alguma invasão ou assalto de bandos ou turbas revoltosas.
O grande problema era chegar até lá, pois a convulsão social havia se estendido por todos os Estados da Federação e, naquela situação, transitar pelas ruas das cidades transformou-se em uma aventura arriscada, ainda mais com mulher e filhos.
De qualquer forma, dei início a preparação para sair daquele apartamento. Minha caminhonete Toyota estava estacionada na garagem do prédio com o tanque de diesel cheio.
Recolhi os mantimentos que ainda restavam em casa, enchi várias garrafas de plástico com água potável, apanhei vários cobertores, meus documentos e os dos demais membros da família e coloquei tudo na parte de trás do veículo.
Peguei minha pistola Beretta mod. 92, calibre 9mm, com quatro carregadores de 15 tiros cada, cheios; minha pistola Colt 1911, calibre .45, com cinco carregadores de 7 tiros cada, cheios; uma escopeta Mossberg, calibre 12, semiautomática, com capacidade para 10 cartuchos, carregada, e diversas caixas de munição que possuía em casa.
Coloquei as caixas com as munições no porta luvas, as pistolas na cintura, os carregadores nos bolsos da calça e a escopeta ao meu lado no banco da caminhonete, reuni a família e deixei a garagem do prédio sem nem olhar para trás e sem saber quando ali voltaria novamente.
Sai do prédio e transitei por várias ruas desertas, tomando o rumo do Aterro do Flamengo. Avisei aos familiares que, quando me vissem sacando alguma das armas, eles deveriam se jogar no chão do veículo e dali só sair com ordem minha.
Pretendia atravessar a Ponte Rio Niterói, seguir pela Avenida do Contorno, já em Niterói, até atingir a BR 101, passando pelo município de Itaboraí e, mais adiante, seguir pela RJ 116 em direção ao município de Nova Friburgo. Dali, depois de atingir Muri no quilômetro 73, pegaria a estrada à direita em direção ao município de Lumiar.
Minha propriedade fica próxima de São Pedro da Serra, em uma alta montanha, quase sempre coberta pela cerração, entre este município e o de Benfica.
Pelo caminho por onde passávamos, o panorama era de uma guerra declarada: casas, lojas e edifícios em chamas ou enegrecidos pelo fogo já apagado. Buracos de balas em muitas paredes, ruas desertas, esparsos veículos circulando, nenhuma viatura policial ou das forças armadas.
Entrei no Aterro do Flamengo e segui em direção ao Aeroporto Santos Dumont, de onde seguiria através do túnel Marcello Alencar até a Praça Mauá.
Nas proximidades do aeroporto, ainda de longe, notei que haviam feito uma barreira na pista e algumas pessoas armadas faziam sinais para que eu parasse. Parar, naquela situação, significaria morte certa. Mandei que todos no veículo se abaixassem, saquei a pistola 9 mm e desci os vidros da frente do veículo. Fiz que ia parar na barreira, o que tranquilizou os seus integrantes.
Com os olhos procurei rápido o ponto mais fraco da barreira e logo o encontrei. Alguns caixotes de madeira jogados na pista bloquearam o lado esquerdo da via e percebi que por ali poderia passar, quebrando aqueles caixotes com as rodas do veículo.
Quando um dos que ali estavam se aproximou pela direita, atirei em seu peito com a pistola. Ele caiu e os outros se aproximaram. Descarreguei meio carregador neles, joguei o veículo em direção aos caixotes e, passando por eles, pisei fundo no acelerador, pois eles começaram a atirar em minha direção. Felizmente não acertaram nenhum tiro.
Entrei no túnel Marcello Alencar e rumei célere em direção à Praça Mauá. Ali chegando, tomei a direção da subida da Ponte Rio Niterói. Eventualmente, cruzava com algum veículo em sentido contrário, pois aquela parecia uma cidade fantasma, embora possuísse cerca de 6,2 milhões de habitantes.
A travessia da ponte foi tranquila. De cima dela pude avistar partes da cidade do Rio de Janeiro, que ficavam para trás e parte da cidade de Niterói, para onde eu me dirigia. Em ambas a fumaça negra dos incêndios turvava o céu azul daquele belo dia de sol.
O posto de pedágio estava vazio e as cancelas todas abertas. Não vi nenhum funcionário no local. Tomei o rumo da Avenida do Contorno, local perigoso pois passava por cerca de quinze comunidades carentes, a pior delas entre os quilômetros 307 e 309 da BR 101 (Rodovia Niterói-Manilha), chamada Complexo do Salgueiro e mais conhecida como Faixa de Gaza.
Nesta rodovia parei o veículo e pedi a minha esposa que ocupasse o volante. Passei para o banco de trás da caminhonete, arriei ambos os vidros laterais, segurei nas mãos a escopeta Mossberg semiautomática, engatilhei o mecanismo e fiquei atento à estrada.
Mais à frente, justamente na altura da Faixa de Gaza, duas motocicletas atravessadas na pista impediam o trânsito de veículos. Minha mulher ficou nervosa, sem saber o que fazer. Mandei que seguisse devagar e mirasse com a nossa caminhonete a parte do meio da pista que separava ambas as motos, pois entre elas havia um espaço de cerca de um metro.
Em volta das motocicletas haviam cerca de dez pessoas conversando, algumas com fuzis nas mãos e outras com suas armas penduradas nos ombros pelas bandoleiras. No acostamento da rodovia notei mais algumas pessoas.
Nenhuma delas esperava reação, pois foram completamente surpreendidas pelos meus disparos repetidos em suas direções. Muitos deles, atingidos pelos inúmeros chumbos projetados dos cartuchos, caíram ao chão. Minha mulher jogou o veículo entre as duas motos, que foram atiradas para o lado. Ao mesmo tempo eu seguia disparando em todas as direções, vendo gente cair por todos os lados, todos atingidos pelos meus disparos.
Mais uma vez passamos incólumes por uma barreira de revoltosos sublevados. Seguimos até perto de Itaboraí, quando pedi a ela que parasse o veículo e eu assumi o volante. Recarreguei todas as armas e seguimos em frente.
Meus filhos, dois meninos, um com doze anos e o outro com quatorze, participavam daqueles acontecimentos como se estivessem vivendo na vida real algum dos jogos de guerra que costumavam acessar com seus Smartphones. Eu me recordava dos velhos filmes de faroeste em que os colonizadores, em carroções puxados por parelhas de cavalos, eram assediados pelos índios revoltosos.
Lembrei-me, naquela ocasião, do maquiavelismo dos governantes de esquerda que desarmaram a população do país, já prevendo a chegada destes dias trágicos que viveríamos. Os cidadãos desarmados tornavam-se presas fáceis das organizações criminosas que importavam fuzis, pistolas e munições em quantidade, pelas fronteiras desguarnecidas do país.
Eu, desde longa data, havia me filiado a um clube de tiro e caça e, como atirador desportivo e caçador, havia adquirido diversas armas e munições, além de praticar com frequência o tiro sob as mais diversas modalidades.
Sempre achei que a esquerda não desistiria enquanto não tomasse o poder em nosso país. Os episódios da Intentona Comunista de 1935 e da Guerrilha Urbana e Rural, iniciada após o Movimento Militar de 1964, reforçaram esta minha crença e fizeram com que eu me preparasse pessoalmente para essa eventualidade.
Aprendi técnicas de sobrevivencialismo e procurei construir um refúgio isolado e distante dos centros urbanos, para viver com a família em uma eventualidade como a que agora se apresentava. Quantos cidadãos de bem irão perecer nessa convulsão social, por não terem feito o mesmo?
Uma coisa que notei agora, e que jamais pensei que fosse ocorrer, é que os primeiros a sumirem das ruas nas convulsões sociais são as autoridades públicas. As ruas tornam-se desertas de uma hora para a outra. A polícia, os bombeiros, os militares, os serviços públicos, todos desaparecem da vida da cidade. O transporte público para de funcionar, os lixos não são mais coletados e se amontoam pelas ruas, a luz e a água são cortadas, o comércio fecha as suas portas, surge o desabastecimento e com ele a fome.
Quem antecipadamente não se preparou para uma eventualidade deste tipo é apanhado de surpresa e, infelizmente, acaba perecendo. A situação geral de destruição é muito parecida com aquela que ocorre nos grandes cataclismos; todavia, nestes existe um espírito de cooperação entre os sobreviventes. Na convulsão social e na guerra civil o espírito é de antagonismo e de guerra entre os participantes dos dois lados em contenda.
Você seguirá vivendo tão somente enquanto dispuser de armas, munições, água e comida. Ninguém estará preocupado com a sua situação, a não ser você mesmo.
Minha mulher é uma pessoa prática e fatalista. O que tiver de ser será, segundo ela pensa. Vive bem com aquilo que tiver, não sendo ambiciosa nem gastadeira. Se adapta perfeitamente à vida simples do campo, como eu também. Espero que possamos seguir sobrevivendo enquanto durar esta terrível situação pela qual estamos passando, exclusivamente, por descaso de algumas autoridades, políticas, militares, econômicas e religiosas, não comprometidas com a ideologia marxista nem com o narcotráfico, nas últimas décadas de governos esquerdistas, mas ineficientes e desinteressadas.
Tais autoridades sempre acharam que, em nosso país, as coisas poderiam ser negociadas entre os grupos que disputavam o poder, visando chegar a um acordo que fosse bom para todos os grupos; sempre foram pacifistas; sempre tiveram receio da opinião mundial.
Pouco ou nada entendiam de política, de ideologia, de estratégia geopolítica e se deixaram iludir pelo canto das sereias marxistas-gramscistas, que almejavam alcançar o poder, inicialmente de forma pacífica, subvertendo a moral e os bons costumes como fizeram na realidade nos anos em que governaram, antes de partir para o golpe final na democracia mediante a revolta que ora vivenciamos envolvendo, de um lado, as facções criminosas e o povo pobre das periferias, armados e incentivados pelos ideólogos e intelectuais de esquerda, e do outro a população dos profissionais liberais e dos empresários da classe média (os pequenos burgueses odiados pelos comunistas), desarmados pelos governos de esquerda.
As elites envolvidas com o narcotráfico, com o desvio de dinheiro público, com concorrências fraudadas, com a compra de leis e decretos que os favorecia, com a compra de sentenças quando julgadas pelos crimes cometidos, eram declaradamente favoráveis aos governos de esquerda venais, que roubavam e deixavam roubar.
Com o início da convulsão social, os ricos e oportunistas seguiram em seus aviões particulares para as grandes capitais no exterior e para os paraísos fiscais, onde aguardariam a poeira assentar, vivendo nababescamente, para retornarem, futuramente, com seus esquemas e maquinações tradicionais, tão logo os novos e poderosos governantes comunistas controlassem totalmente a situação.
Terminada esta digressão, face a impaciência que já percebo em alguns leitores para conhecer o desenrolar dos acontecimentos daquele dia, seguirei narrando a nossa viagem.
Após atravessarmos o município de Itaboraí, viramos à esquerda e seguimos pela RJ 116 em direção a Nova Friburgo. Já estávamos, praticamente, bastante longe dos principais focos de rebelião, que eram os centros urbanos populosos, como o Rio de Janeiro e Niterói.
Passamos por Sambaetiba, Agrobrasil, Papucaia e Cachoeiras do Macacu, antes de atingir Nova Friburgo. Esse trajeto foi feito sem nenhum incidente, pois a estrada estava praticamente deserta.
Não vimos nenhum veículo da Polícia Rodoviária, nem pessoas andando nas margens da estrada. Parecia que éramos os únicos habitantes vivos do planeta. Nos municípios em que penetramos, as lojas estavam todas fechadas e as ruas vazias. Notamos alguns veículos queimados e marcas de disparos de armas de fogo nas paredes das casas. A situação, realmente, parecia muito grave.
Os pedágios da estrada, da mesma forma que o da Ponte Rio Niterói, estavam vazios e com as cancelas abertas.
Finalmente, mais tranquilizados, pudemos apreciar um pouco da bela paisagem que se descortinava e respirar aquele ar puro que sentíamos ao subir a serra. Matas com grandes árvores se perdiam no horizonte. Por vezes, ao fazer alguma curva, avistávamos um fio de água escorrendo pelas encostas rochosas que a estrada margeavam. Aspirávamos um cheiro de essências florestais quando descíamos os vidros das janelas do veículo.
Os meninos brincavam no banco de trás, minha mulher dormia no assento do meu lado. Aquele parecia mais com um dia de férias do que com um dia de guerra, no qual eu já havia matado e ferido diversas pessoas. Chegamos ao alto da serra de Friburgo e começamos a descer.
Passamos pelo posto fechado da Polícia Rodoviária, na entrada do município, e seguimos em frente. Pouco depois de Muri, viramos à direita e entramos na estrada que conduzia a Lumiar.
Esta estrada, como as demais, estava totalmente deserta. Pensei comigo mesmo: será que só eu tive a ideia de construir um abrigo fora de casa na cidade e afastado, para me esconder e tentar sobreviver? Todos os demais se escondiam em suas próprias casas nas cidades? Só podia ser isto, para as estradas se acharem todas desertas.
Depois de rodar algumas horas, nos aproximamos da minha propriedade. A casa ficava na parte alta da montanha e era acessada por uma estrada de terra. Na época das chuvas, mesmo usando a tração nas quatro rodas era difícil chegar ao alto, pois o barro ficava escorregadio.
Chegamos a casa em um dia de semana, de surpresa. Todavia, quem foi surpreendido fui eu, pois um indivíduo estava sentado na varanda.
Ao descer da caminhonete, notei que ele portava um revólver na cintura, de um lado, e um facão, do outro. Já desci com a Colt .45 na mão, engatilhada, e mandei que deitasse no chão com as mãos na nuca. Ele, vendo a minha disposição, seguiu a ordem que recebeu. Perguntei o que fazia ali e ele respondeu que a casa estava vazia e que ele resolveu pegá-la para si, pois o país estava em guerra e o comunismo havia sido implantado. Segundo ele, tudo era de todos e aquela propriedade agora era dele.
Percebi que corria um risco enorme ao deixá-lo ir embora, naquela situação de guerra civil em que nos encontrávamos; pois ele poderia voltar com outros companheiros seus e tomar a casa pela força, matando a mim, minha mulher e meus filhos. Mandei que a esposa e os filhos permanecessem na caminhonete, aproximei-me e, com ele ainda deitado de costas no chão, apontei para a sua nuca e disparei. A morte foi instantânea e eu diria que até indolor. A varanda ficou, imediatamente, toda suja de sangue.
Arrastei o corpo dele, segurando-o pelas pernas, para fora da varanda, em direção ao chão de terra, vendo um rastro de sangue que escorria da sua cabeça esfacelada seguir o mesmo trajeto do seu corpo.
Minha mulher e as crianças, saindo correndo do carro, entraram na casa pela porta dos fundos e eu fui cavar um buraco razoavelmente grande para depositar aquele corpo.
Escolhi um local distante da casa e, com uma picareta, uma pá e uma enxada comecei a cavar. Depois de horas, o buraco estava com uma profundidade razoável. Arrastei o corpo até lá e joguei-o dentro. A seguir comecei a tapá-lo, jogando terra com a pá. Em breve o buraco estava totalmente fechado. Coloquei alguns troncos secos e arbustos em cima, bem como algumas pedras.
Voltei para a casa, guardei as ferramentas e fui limpar a varanda e os rastros de sangue.
Em breve tinha terminado tudo e estava com as costas e os braços doloridos. Descarreguei a caminhonete, acendi as luzes da casa, pois já escurecia, e preparei-me para comer algo. Minha mulher já tinha feito um arremedo de jantar e as crianças já haviam comido e estavam dormindo.
Tomei um banho rápido e sentei-me à mesa, junto com ela.
Minha mulher me olhou e vi que dos olhos molhados escorriam lágrimas. Peguei em sua mão e, depois de algum tempo, disse baixinho olhando-a firme nos olhos:
- É a vida. Temos de sobreviver. Não temos mais a quem recorrer neste país do salve-se quem puder. As autoridades deixaram de existir. Estamos por nossa própria conta e risco.
No dia seguinte começaria a vida da minha família no campo, que duraria cerca de três anos; período este que durou a guerra civil em nosso país.
Pouco depois acordei no apartamento do Rio de Janeiro, com uma forte dor de cabeça. A casa estava ainda às escuras e no maior silêncio. Teria eu feito uma viagem ao futuro enquanto dormia? Seria aquilo tudo verdade?
Aquilo tudo me parecia mais um conto de ficção, destes que lemos em revistas especializadas no assunto; todavia, estou convencido de que no Brasil e no mundo de hoje, ninguém poderá distinguir, sem medo de errar, o que é ficção daquilo que é a pura realidade...
_*/ Da Academia Brasileira de Defesa