quarta-feira, 18 de março de 2020

361. Os Gladiadores Modernos**

Jober Rocha*



                             Na Roma antiga os gladiadores eram indivíduos que lutavam com outras pessoas ou com animais, para o divertimento dos habitantes locais.
                                         O historiador Suetónio, em sua obra “De Vita Caesarum” (A vida dos doze Césares), menciona que durante um evento realizado em 52 d.C. no lago Fucino, os gladiadores teriam declarado na presença do imperador Cláudio:  “Ave Caesar, morituri te salutant” (Salve, César, aqueles que estão prestes a morrer o saúdam).
                                                     A frase dita naquela ocasião perante Cláudio, passou, mais tarde, a fazer parte do quotidiano dos gladiadores, sempre que havia um imperador presente no Coliseu de Roma ou anfiteatro Flaviano (local construído na cidade de Roma para combates de gladiadores e inaugurado no ano 80 d.C.).
                                                   Nossos hospitais, na atualidade, assemelham-se a verdadeiros coliseus espalhados por todo o território nacional.
                                              Neles os profissionais da Saúde (médicos, enfermeiros, instrumentadores, pessoal de apoio, etc.), como gladiadores modernos, poderiam também saudar seus pacientes da mesma maneira como faziam os antigos gladiadores aos seus imperadores.
                                                      Na realidade, face ao quadro extremamente grave da pandemia de Corona Vírus que assola o nosso país, ninguém da área de saúde que trabalhe em qualquer hospital, público ou privado, pode considerar-se isento de contraí-lo de seus próprios pacientes e sofrer as suas terríveis consequências que, muitas vezes, conduzem rapidamente ao óbito.
                                                  É fato que o contato diário com vírus e bactérias proporciona uma maior resistência entre o pessoal da Área de Saúde que trabalha em hospitais, mas nem sempre isto se constitui em uma regra geral.  
                                                Um número incontável de médicos, enfermeiros e demais profissionais da área arriscam, diuturnamente, suas vidas lutando para salvar vidas alheias do vírus mortal que não escolhe vítima, ceifando a vida de velhos, adultos, jovens e crianças. 
                                              Quantos deles sucumbirão ao final da jornada, como verdadeiros mártires da profissão que escolheram? Quantos darão suas vidas para tentar salvar a vida de pessoas que lhes são totalmente desconhecidas? Quantos estarão com os seus salários pagos em dia?
                                                     Enquanto isso a nossa classe política, como imperadores em meio as suas dispendiosas cortes, assiste dos palácios, onde os recursos públicos os mantém em uma vida nababesca, o desenrolar dos acontecimentos que vitimam as populações menos favorecidas, aquelas que andam nos precários e superlotados transportes públicos e as que não dispõem das mínimas condições de ficarem em suas casas de quarentena, pois necessitam ganhar hoje o dinheiro da comida de hoje.
                                              Quando tiverem sido divulgados os verdadeiros dados das vítimas da pandemia no país, certamente, constataremos aquilo que todos já sabíamos de antemão; isto é, que o maior número de óbitos terá ocorrido entre as classes de renda menos favorecidas, não só por que são maioria, mas, também, por que não possuem meios para se defender contra nenhum tipo de catástrofe, seja ela oriunda de fenômenos naturais, cataclismos, terremotos, epidemias, etc.
                                              As nossas autoridades, neste caso particular das calamidades públicas, têm sido historicamente despreparadas e omissas. Os últimos governos de esquerda, que foram envolvidos em episódios de corrupção sobejamente conhecidos, deixaram de construir (apenas na Área da Saúde) hospitais, laboratórios fármaco-químicos, postos de saúde comunitários, adquirir equipamentos médicos, ambulâncias, etc. Nas demais áreas nem vale a pena perder tempo citando tudo aquilo que poderia ter sido feito e não foi.
                                       Os recursos para tanto existiam, mas foram, certamente, parar em suas contas bancárias particulares, em paraísos fiscais, ou em obras civis de países socialistas bolivarianos do nosso continente ou do continente africano, quase todos inadimplentes conosco, pois as garantias dos referidos empréstimos, pasmem, foi dada pelo próprio tesouro brasileiro.
                                                     O despreparo de nossas autoridades a que me refiro, todavia, diz respeito às providências que teriam de enfrentar na hipótese de grandes calamidades, epidemias, cataclismos ou convulsões sociais, que podem ocorrer inesperadamente e para as quais as populações das grandes cidades estão completamente despreparadas e desamparadas. 
                                               Creio, mesmo, inexistirem protocolos sobre como proceder em casos como estes mencionados. As decisões são, quase sempre, tomadas de improviso, à medida que os eventos ocorrem. A falta de meios e de pessoal é sempre a desculpa alegada para eximir responsabilidades, em um país que desperdiça dinheiro público com mordomias de autoridades.
                                              Em países sérios, como os USA, o Canadá, a Suíça, etc., os cidadãos são incentivados pelos próprios governos a fazerem cursos de sobrevivência, a estocarem alimentos, a aprenderem a atirar com armas de fogo e a possuírem armas e munições, para defesa própria e de seus familiares. em suas residências; além dos cidadãos poderem contar com financiamentos a baixas taxas de juros para construírem abrigos independentes no campo, onde se protegeriam com as famílias em caso de convulsão social, conflito interno, invasão estrangeira, cataclismos, guerra nuclear, etc. 
                                                 Estas medidas fazem parte de um bem elaborado plano de mobilização das populações com vistas à sobrevivência e a perpetuação de suas culturas, de suas raças e dos seus territórios. 
                                            No Brasil os governos e os políticos parecem possuir outros objetivos. Pensam em desarmar as populações daquelas armas que possam se voltar contra eles em razão dos desmandos que muitas vezes cometem, dos desvios de recursos públicos que muitas vezes realizam, da associação com o crime organizado que muitas vezes pactuam. 
                                          Nossas autoridades de governos anteriores preocuparam-se, quando muito, com a mobilização industrial; ou seja, adaptar a indústria para em caso de necessidade produzir e fornecer equipamentos militares, mas não se preocuparam em proporcionar cursos, simulações, treinamento e meios para que as populações humanas sobrevivam, em caso de necessidade urgente como essa que hoje se apresenta e que possui um potencial devastador. 
                                               Muitos países já fecharam suas fronteiras, mas o nosso reluta em fazê-lo, notadamente em virtude da nova Lei de Imigração de 2017, que, em virtude de pressupostos de natureza ideológica, possui diversos fatores restritivos ao fechamento das fronteiras aos estrangeiros.
                                                  A maioria de nossas populações urbanas de baixa renda, que vivem em comunidades periféricas denominadas complexos (sem água, sem saneamento, sem transportes, sem moradias adequadas e coladas umas as outras, certamente, pereceria em um cataclismo de grandes proporções que afetasse um ou mais Estados ou todo o território nacional.
                                               Os efeitos globais deste episódio, na vida nacional e mundial, ainda são totalmente desconhecidos. Um novo cenário irá surgir, interna e externamente, após cessada a ameaça. Até então, ninguém sabe qual será e nem é capaz de imaginá-lo.
                                                  O Coliseu transformou-se ao longo da história, pelas gerações que se sucederam, em um monumento homenageando aqueles bravos gladiadores que ali lutaram e morreram, simplesmente, para divertir a elite e o povo romano.
                                                     Que cada hospital brasileiro, como de resto todos os demais hospitais, clínicas e laboratórios em todos os rincões do planeta, se transformem, como o velho Coliseu romano, em monumentos vivos àqueles bravos profissionais da Saúde, verdadeiros gladiadores que têm lutado até o esgotamento de suas forças e, que eventualmente, vierem a sacrificar as suas preciosas vidas em holocausto, no combate sem tréguas contra o terrível inimigo denominado Corona Vírus ou COVID – 19.


_*/ Economista e doutor pela Universidade de Madrid, Espanha. Membro titular da Academia Brasileira de Defesa – ABD e do Centro Brasileiro de Estudos Estratégicos – CEBRES.
_**/ Publicado pela Academia Brasileira de Defesa - ABD, em 23/03/2020

domingo, 1 de março de 2020


360. A Ditadura Legislativa – Como aprisionar uma sociedade e limitar a ação do governo através das leis

Jober Rocha*

Foi Charles Montesquieu (1689-1755), uma das figuras mais importantes do iluminismo francês, quem se propôs a organizar o modelo político que caracterizaria o denominado Estado Democrático de Direito. Esse modelo também ficou conhecido como o modelo dos Três Poderes e foi proposto em sua obra O’ Espírito das Leis’, publicada em 1748.
Segundo Montesquieu, no quadro geral da divisão do poder, em qualquer república democrática (menos as comunistas), de forma independente, o Executivo se encarregaria de gerenciar o Estado e colocar em prática as leis aprovadas; o Legislativo se encarregaria da elaboração das leis e o judiciário ficaria incumbido de apreciar e julgar, segundo um ordenamento jurídico pré-estabelecido.
Conforme propunha o filósofo e pensador francês, os três poderes mencionados deveriam ser equilibrados, de modo que qualquer um deles, embora independentes entre si, poderia e deveria fiscalizar os demais e todos seriam amparados e regulados por uma Constituição Democrática, fonte popular de todo o poder. Esse modelo político começou a ser aplicado em diversas repúblicas democráticas a partir do século XIX.
No Brasil, após a Proclamação da República em 1889, o país que antes era uma monarquia com quatro poderes, passou a ser uma república com apenas três, tendo perdido o Poder Moderador exercido pelo imperador.
A constituição atualmente em vigor data de 1988 (elaborada por constituintes com viés de esquerda que nela incluíram, segundo muitos juristas, inúmeros vícios de origem) e atribuiu a cada poder brasileiro as seguintes responsabilidades:
Poder Executivo - Exercido pelo Presidente da República com o auxílio de seus ministros de Estado, tem a responsabilidade de governar a administração, executar as políticas e o orçamento público. O presidente também sanciona leis aprovadas pelo Legislativo, pode vetar leis ordinárias, ou trechos delas, e emitir Medidas Provisórias.
Poder Legislativo - Exercido pelo Congresso Nacional, composto pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal. O Legislativo é responsável por propor e aprovar leis. É competência exclusiva do Legislativo processar e julgar o Presidente da República, ministros de Estado e ministros do Supremo, quando estes são denunciados.
Poder Judiciário - Exercido por tribunais de diversas instâncias, cuja instância máxima é o Supremo Tribunal Federal. Exerce função de controle, analisando e julgando suspeitas de descumprimento de leis. Os juízes são responsáveis pela condenação e absolvição de réus e por decidir sobre conflitos entre grupos da sociedade. O Supremo é considerado o órgão judicial responsável por fiscalizar o cumprimento dos dispositivos previstos da Constituição.
Por sua vez, a chamada Proposta de Emenda à Constituição - PEC, que tem sido frequentemente aplicada em nosso país, consiste em uma modificação da constituição, resultando em mudanças pontuais do texto constitucional, que são restritas a determinadas matérias, não podendo ter como objeto a abolição das chamadas cláusulas pétreas (forma federativa de Estado; voto direto, secreto, universal e periódico; separação dos Poderes; e os direitos e garantias individuais dos cidadãos).
A proposta de emenda à constituição tem que ser apresentada por um terço dos senadores ou dos deputados. Pode ser também apresentada por mais da metade de todas as assembleias legislativas e pelo Presidente da República.
Inicialmente, após apresentada, é observada a sua admissibilidade, isto é, se não viola as cláusulas pétreas. Depois é analisado o seu mérito. A seguir é votada, bastando três quintos dos votos favoráveis dos senadores ou dos deputados. Aprovada em uma das casas legislativas (senado, por exemplo), segue para a outra (Câmara dos Deputados). Aprovada pelas duas casas é produzida, então, uma Emenda à Constituição que entra logo em vigor com força de lei, não podendo ser vetada pelo Presidente da República. A partir de então o executivo e o judiciário têm que a aceitar e fazer cumprir a referida emenda. Com isto, depois de algum tempo a constituição passa a ser uma verdadeira colcha de retalhos, bastante diferente da colcha original que cobria a nossa soberania, organização político administrativa e econômica; bem como, as liberdades civis.
Ora, estabelecida uma república democrática constitucional, as cláusulas pétreas só são mudadas por regimes autoritários que, muitas vezes, suprimem o Congresso Nacional ou o mantém sob seu inteiro domínio, o mesmo ocorrendo com o judiciário.
Todavia, também pode ocorrer o contrário, isto é, um congresso autoritário, aliado ou não ao judiciário, manter sob controle o executivo. Isto é feito mediante o chamado parlamentarismo branco.
Nos governos brasileiros anteriores vigorava o presidencialismo de coalizão, isto é, aquele em que o presidente para formar uma base governista no parlamento, loteava os ministérios, os cargos de direção das empresas estatais e demais cargos públicos de direção (com suas verbas) entre os partidos políticos. Era o chamado “toma lá, dá cá”.
Jair Bolsonaro, um presidente honesto e eleito pelo povo brasileiro para acabar com a corrupção generalizada, principalmente entre políticos, partidos políticos e empreiteiros de obras públicas, conforme sobejamente denunciado pela Operação Lava a Jato, que condenou diversos deles, não aceitou fazer parte deste jogo, tendo nomeado técnicos para os cargos técnicos do governo, sem atender à demanda costumeira dos partidos políticos.
Estes, sem poder mais dominar os cargos públicos e as verbas que tais cargos movimentavam, partiram para o chamado parlamentarismo branco, buscando levar as verbas do orçamento da união para o legislativo e retirando poder do executivo, mediante leis e propostas de emenda constitucional.
Assim, ao votar a Lei de Diretrizes Orçamentárias o congresso impôs a obrigatoriedade de pagamento, pelo executivo, das chamadas emendas impositivas (emendas propostas pelos parlamentares para as quais teria de haver dinheiro no orçamento) e também definiu que caberia aos parlamentares indicar a ordem dos desembolsos e a destinação dos recursos públicos. Aos ministérios só caberia liberar as verbas.
O trecho desta lei que mencionava isto, evidentemente, foi vetado pelo presidente da república, em virtude de o regime brasileiro vigente ser presidencialista e não parlamentarista, onde tal medida poderia caber.
O Ministro Chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência, general Heleno, ao falar sobre o assunto, assim se pronunciou: “Isso, a meu ver, prejudica a atuação do Executivo e contraria os preceitos de um regime presidencialista. Se desejam o parlamentarismo, mudem a constituição”. Em cerimônia no Palácio da Alvorada, o general teria comentado, ainda: “O congresso faz chantagem para ficar com esses R$ 30 bilhões do orçamento”.
Os parlamentares, desejam com essa manobra apoderar-se de R$ 30 bilhões de um total de R$ 80 bilhões do orçamento da união, para ser gasto por eles mesmos e pelas bancadas junto às suas bases eleitorais, isto é, em seus Estados e Municípios, sem nenhum controle. O legislativo deseja, assim, o controle de parte substancial do orçamento da união para indicar onde deve ser gasto e, até mesmo, selecionar quais as empresas que fariam as obras que fossem indicadas como beneficiárias dos recursos.
Conhecendo o nosso passado recente, onde a Operação Lava a Jato desnudou o submundo das maquinações entre políticos, seus partidos e empreiteiros públicos, julgou e condenou diversos deles, dos quais muitos conseguiram livrar-se das grades até agora, graças a casuísmos judiciários das altas instâncias, é um grande risco para o futuro do país está medida que o parlamento quer ver aprovada, notadamente por constatarmos que grande parte dos nossos políticos responde a processos judiciais por malversação de recursos públicos, muitos deles parados na justiça em virtude de seus foros privilegiados.
Vejam, pois, meus caros leitores, que quando temos um país democrático, republicano, com políticos e autoridades patrióticas que só pensam no bem do país e no de sua população, estamos, sem dúvida alguma, no melhor dos lugares e no melhor dos mundos, como costumava dizer o físico e matemático alemão Gottfried Leibniz em seu trabalho de 1710, “Essais de Théodicée sur la bonté de Dieu, la liberté de l'homme et l'origine du mal. Todavia, não é isso que vemos em nosso país. Muitos políticos egoístas pensam apenas em si, em seus grupos e em seus partidos. Assim, na impossibilidade, até agora apresentada, de mudarem a constituição para implantarem o parlamentarismo, onde os políticos seriam os donos autocráticos do poder, contentam-se em impedir o presidente de governar, estabelecendo leis e propostas de emenda constitucional que tolhem os movimentos deste e sua capacidade de realização, aprisionando-o em uma teia legal da qual não consegue se libertar. 
    No primeiro ano de governo de Jair Bolsonaro o congresso já derrubou nove de suas medidas provisórias. As medidas valeram apenas durante quatro meses, sendo, a seguir, derrubadas pelo parlamento, gerando reflexos na vida dos cidadãos e empresários e criando um cenário de instabilidade jurídica. Esta é outra maneira de dificultar ou impedir o governo de agir.
     O povo, desconhecendo o que se passa nos bastidores e clamando por mudanças, incentivado pela grande mídia hoje na oposição por ter perdido as verbas públicas que a sustentava, passa a considerar o presidente fraco e omisso por não conseguir implementar as reformas que são necessárias.
E assim, com estas manobras de bastidores, aqueles parlamentares praticantes da velha política do “É dando que se recebe”, buscam dificultar o trabalho do Poder Executivo para obter o insucesso do novo governo, com vistas ao  eventual impeachment do presidente e a próxima eleição de alguém que seja totalmente confiável, de acordo com os baixos padrões destes políticos, e disposto à tradicional negociação de cargos e de verbas públicas.


_*/ Economista e doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.